02 Abril 2019
Renasce hoje, em muitas camadas da população, “um desejo radical de fechamento para o exterior, a vontade de vigiar as próprias fronteiras para proteger o que restou de bom e de saudável para a comunidade. A homossexualidade e a paridade de gênero, assim como a acolhida do estrangeiro, são os alvos naturais desse sentimento”.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 01-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O aspecto mais relevante do Congresso Mundial das Famílias, que terminou nesse domingo, 31 de março, em Verona, consiste no explícito endosso decidido pelos dirigentes da Liga, o partido político italiano mais popular, pelo menos de acordo com as pesquisas.
Todo o resto, na verdade, isto é, a linguagem, os argumentos, as palavras de ordem, os dispositivos truculentos são coisas já vistas em muitas reuniões análogas do passado. Alguns dos protagonistas também são rostos conhecidos da constelação tradicionalista: para citar apenas o mais conhecido, o católico neocatecumenal Massimo Gandolfini foi o porta-voz do último Family Day, aquele contra a lei sobre as uniões civis.
Como ocorre frequentemente nesses casos, a hierarquia católica não participa diretamente (com exceção do bispo de Verona), mas assiste de longe com uma certa benevolência e, acima de tudo, fornecendo a espinha dorsal ideológica, a legitimação cultural para todo o repertório de teorias homofóbicas, reacionárias e discriminatórias levantadas em tais reuniões.
Como o cardeal Parolin afirmou solenemente, a Igreja Católica está sintonizada com os conteúdos daquilo que foi dito em Verona, embora discordando das formas, agressivas demais e distantes demais do estilo curial compassado que lhe é congenial.
Mas voltemos ao dado mais relevante de Verona, ou seja, ao apoio e ao envolvimento direto da cúpula da Liga, começando com Matteo Salvini no palco. O seu compromisso significa que a Liga imagina que obtêm vantagens político-eleitorais consistentes a partir do apoio a uma iniciativa como a de Verona. O faro do líder da Liga raramente se engana, pelo menos nestes tempos: a intuição da Liga será política e eleitoralmente lucrativa, já que as razões que explicam o formidável crescimento da xenofobia e do racismo são as mesmas que justificam o avanço da homofobia e da recusa da paridade de gênero.
Trata-se, de fato, em todos os casos, de valores que distinguem as sociedades primitivas, isto é, aquelas que, para sobreviver, devem limitar com ferocidade seus próprios limites (impedindo a invasão estrangeira), garantir um elevado crescimento demográfico (por meio da elevada mortalidade infantil), vetar e perseguir a homossexualidade (porque reduz o número dos potenciais fecundadores).
A religião fornece a todas essas motivações um enobrecimento espiritual, filosófico e teológico, mas a sua raiz mais profunda é requintadamente socioeconômica e reside na percepção generalizada de que recursos já escassos e em declínio se tornarão ainda mais escassos e em declínio se não se puser um freio ao permissivismo sexual, à confusão de papéis e à solidariedade indiscriminada.
Ora, obviamente, a Itália está muito longe de ser um lugar “primitivo” onde valem as leis acima citadas, mas certamente, nestes anos, a condição social de tantas famílias e de tantos indivíduos piorou dramaticamente, mais do que em qualquer outro Estado da Europa ocidental. Acima de tudo, o que diminuiu foi a percepção generalizada de se poder levar uma existência “segura”, protegida das conjunturas desfavoráveis que o destino, inevitavelmente, produz tão frequentemente. Os postos de trabalho se tornaram precários, a proteção social garantida pelo Estado está cada vez mais instável e incerta, as possibilidades de um futuro à altura do passado recente e cada vez mais improvável, as desigualdades e as distâncias sociais cada vez mais insuperáveis.
É isso que explica o renascimento, em muitas camadas da população, de um desejo radical de fechamento para o exterior, a vontade de vigiar as próprias fronteiras para proteger o que restou de bom e de saudável para a comunidade. A homossexualidade e a paridade de gênero, assim como a acolhida do estrangeiro, são os alvos naturais desse sentimento.
No pensamento tradicional próprio das sociedades primitivas, os homens devem trabalhar, gerar a prole, proteger as mulheres e supervisionar armados as fronteiras da sua propriedade e da pátria inteira, enquanto as mulheres devem obedecer aos homens, ficar em casa e cuidar de todos os filhos que o bom Deus decidir lhes enviar, renunciando a toda forma de planejamento e de controle de natalidade.
Não é por acaso que a direção para a qual a Itália de Verona viaja é a de muitos países ex-socialistas presentes no Congresso da Polônia, da Hungria e da Moldávia. Naquela parte da Europa, antes de 1989, os regimes comunistas não forneciam quase nada aos seus cidadãos, senão um exagerado patriotismo nacionalista e a segurança social, a garantia de poder levar uma existência não livre, mas certamente “protegida” por um Estado autoritário e onipresente.
O nacionalismo chauvinista sobreviveu muito bem ao fim dos regimes comunistas, ou, melhor, o desaparecimento das seguranças sociais fortaleceu-o incrivelmente, potencializando a hostilidade em relação a todas as formas de diversidade e de pluralismo: étnico, cultural, linguístico, religioso. Com uma história diferente sobre as costas, a Itália que gerou o fascismo, inimigo jurado de toda a diversidade, desloca-se hoje em grandes passos para o Leste. Veremos o que conseguirá impedi-la disso.
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Os medos reais por trás do retorno dos católicos mais obscurantistas. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU