23 Janeiro 2019
É preciso explicar como a maturidade psico-emocional se desenvolve em relação à moralidade sexual, diz a irmã religiosa e professora de teologia moral no Instituto Católico de Paris.
Muitas religiosas da África têm sofrido abusos sexuais por membros do clero, mas permanecem em silêncio.
A Irmã Geneviève Médevielle, professora de teologia moral no Instituto Católico de Paris, trabalhou por muitos anos com mulheres religiosas, inclusive algumas que foram abusadas pelo clero.
A entrevista é de Christophe de Galzain, publicada por La Croix International, 17-01-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A senhora ficou surpresa com o depoimento que surgiu sobre as religiosas vítimas de abuso dentro da Igreja?
Para dizer a verdade, não. Infelizmente, teólogos moralistas e conselheiros espirituais conhecem a realidade que agora tem se tornado domínio público.
No entanto, seria errado apenas pensar sobre o que está acontecendo na África, no Chile, na Índia e nas Filipinas. Aqui na velha Europa, em minha própria experiência, conheci mulheres mais velhas que foram abusadas por padres na juventude.
Os casos mais recentes ocorreram durante os anos 80, quando as novas comunidades ligadas aos movimentos carismáticos estavam em ascensão e também entre os grupos mais tradicionalistas.
Dentre os elementos comuns, estavam a falta de reflexão antropológica, sociológica e psicanalítica. As pessoas não refletiram sobre isso quando as comunidades carismáticas juntaram homens e mulheres, considerando que na vida religiosa eles ficaram separados por 2.000 anos.
Quanto às comunidades tradicionalistas, esperava-se que um curso sobre castidade em estilo tradicional resolvesse todos os problemas.
Como explicar o mecanismo que leva a tal abuso?
A jovem religiosa está em uma situação de vulnerabilidade. Em seu entusiasmo para se entregar completamente a Cristo e em sua preocupação com a perfeição, ela tende a idealizar a obediência conforme aprende a colocar a vida nas mãos dos outros. Os tutores mais experientes das noviças fazem o possível para garantir que a jovem irmã mantenha sua autonomia. No entanto, se ela conviver com pessoas que não permitem que ela viva uma experiência genuína de obediência por livre escolha, é possível haver casos em que desenvolvem problemas psicológicos, mesmo sem cair na perversão sexual.
O abuso sexual de religiosas por parte dos sacerdotes geralmente advém de um relacionamento originalmente espiritual. Ele é o confessor, o capelão ou até mesmo o bispo. Quando um confessor participa de um retiro comunitário, ele pode ter uma sedutora influência intelectual ou espiritual, principalmente sobre jovens que não têm formação. Podem surgir questões psicológicas ou espirituais.
A jovem religiosa também pode acabar idealizando o sacerdote, que se apresenta como um conselheiro espiritual. Se estiver diante de um abusador, ele poderá usar a relação espiritual para transformá-la em presa sexual. E fazer com que ela não se sinta bonita, inteligente e, portanto, atraente. Assim, ela sente que talvez não seja objeto de desejo e que isso é responsabilidade dela. O abusador inverte o processo e faz com que a vítima acredite que é responsável.
Por que este flagelo se manteve tão pouco conhecido?
Porque essas mulheres têm dificuldade de falar sobre isso... É difícil chegar a um entendimento claro de que ela tenha sido abusada, e muitas vezes isso requer ferramentas psicanalíticas. Para aprender a colocar para fora, é preciso atravessar uma zona de sombras, particularmente se o abusador conseguiu transferir sua responsabilidade à vítima. Alguns até veem prazer nisso. E, intelectualmente, fica uma confusão, porque cada parte olha para sua parcela de responsabilidade, sem pensar que faltou prudência à própria instituição.
O que a Igreja tem feito e o que precisa fazer para impedir esses casos de abuso?
No momento, ainda estamos em estado de choque a respeito dessas revelações. Será necessário treinamento nos noviciados e seminários, onde as ciências humanas precisam ser melhor apresentadas. Também precisamos explicar como a maturidade psico-emocional se desenvolve em relação à moralidade sexual.
É também responsabilidade dos formadores e superiores saberem para quem precisam confiar as irmãs, sem ingenuidade para adular os sacerdotes. Descobriu-se que algumas personalidades bem conhecidas na Igreja eram abusadores. Voltemos à Teologia do Povo de Deus, que é ainda muito pouco desenvolvida.
O Papa Francisco condenou o clericalismo na Igreja. Pediu que mudássemos de opinião sobre o padre e rompêssemos com a noção do sacerdote como um ser sagrado. Os seres sagrados pertencem a religiões antigas, vêm de lugares desconhecidos e causam medo. O sacerdote dá a sua vida para a comunhão da comunidade cristã, mas continua sendo um de nós.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O abuso sexual muitas vezes começa com uma relação espiritual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU