15 Janeiro 2019
No mês de outubro do ano recém terminado, Vito Mancuso publicou um novo e precioso livro: La via della bellezza (O caminho da beleza - em tradução livre -, Garzanti, Milão). Setenta e quatro reflexões sobre a beleza estão distribuídas em doze capítulos. Apresenta no final um apêndice com a análise linguística de dezessete termos relacionados à beleza, colocados em ordem alfabética e uma rica bibliografia.
O artigo é Carlo Molari, teólogo, padre italiano e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, publicado por Rocca, nº. 1, 01-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O livro é dedicado "ao meu país, a Itália, sede de tanta beleza, para que reencontre o caminho". Tem, portanto, uma intenção não apenas especulativa, mas também prática, não apenas estética, mas também ética e formativa.
La via della bellezza, de Vito Mancuso
Termina, de fato, com uma lista de Práticas para caminhar na via da beleza e com o aviso de "sempre lembrar que o caminho de beleza é o caminho da salvação" (p. 173). Um convite que pressupõe pelo menos três convicções: a primeira que a Itália (e do mundo do nosso tempo) tenha perdido o caminho da salvação, a segunda que seja possível reencontrá-lo para continuar a jornada e, finalmente, que a cultura possa oferecer uma significativa contribuição para alcançar esta meta.
O dado pressuposto e ilustrado de várias maneiras é "a aversão contemporânea em relação à harmonia" (p. 97). Aversão que aparece em todos os níveis do conhecimento humano: no nível astronômico e biológico, no nível histórico e ético e, por reflexo, também no nível estético.
Para esclarecer a incongruência de tal aversão, Mancuso a partir do dado proposto pela física que "cada ser material é o resultado de uma agregação de elementos" (p. 83) e que "reconduzido aos seus fundamentos, o ser já não se manifesta mais como matéria sólida, mas como energia vibrante, uma grande onda que produz agregações cada vez mais complexas, e cada coisa existente se revela como um pacote ou até mesmo como um arranjo de ondas" (p. 83). Ele considera, portanto, a experiência estética como "o resultado da sintonia entre a vibração constitutiva do objeto e a vibração constitutiva do sujeito. A vibração do objeto se liga à vibração do sujeito, o som do primeiro produz a ressonância do segundo: e essa ressonância é exatamente o que se chama de experiência estética. E então, na medida em que o sujeito possui o talento para reproduzir a ressonância percebida e, de fato, a reproduz, essa sua operação é chamada de arte" (p.83).
O questionamento central, portanto, ao qual em muitos aspectos o livro responde para sugerir remédios é formulado assim: "por que o espírito contemporâneo produz essa arte e essa música tão decompostas, irreverentes, estranhantes, que em vez de comunicar proporção e forma comunicam o seu contrário? Por que tanta falta de cuidado, para não dizer inimizade, pela harmonia?” (p.95).
Para esclarecer a questão Mancuso apresenta uma reflexão sobre a estrutura da realidade em devir: "na natureza não existe apenas um movimento de agregação da harmonia, porque se assim fosse, o mundo seria muito diferente; há também o movimento oposto da desarmonia, que provoca a ruptura dos sistemas e que no mundo dos seres vivos se manifesta como violência, doença, morte. De tudo isso, o nosso tempo é tragicamente consciente e de tal consciência são a mente e o sentimento dos artistas que representam a mais delicada e, ao mesmo tempo, mais forte expressão" (p.97). Em relação à situação atual, ele se pergunta: "Que expressão real de harmonia é de fato ainda possível hoje, olhando com lúcida consciência para a natureza e a história?” (p. 97).
E conclui: "eu acredito que muita arte contemporânea seja o sintoma do nosso estarmos perdidos, do nosso estarmos sem uma meta ideal, de nossa odisseia sem Ítaca. Também penso que o único caminho para a salvação consista em uma cuidadosa reconsideração da harmonia" (p. 98).
A convicção central do livro é expressa no título e resumida em fórmulas explícitas e muito claras: "A tese deste livro é, portanto, que a beleza é o caminho para a verdade da vida. Ou, em outras palavras, que a vida é uma jornada cuja meta é a verdade e cuja via mestra é a beleza" (p.147).
Diante da possibilidade de salvação, no entanto, assomam-se duas dificuldades que Mancuso examina em detalhes porque exigem uma avaliação atenta e respostas sinceras especialmente para alguns aspectos que parecem momentâneos. A história, de fato, não é a simples repetição de eventos, sempre idênticos, mas a irrupção de novidades continua em um real processo de crescimento.
A primeira dificuldade é de caráter físico e resulta da consideração dos eventos confinados à terra e ao sistema solar e, portanto, facilmente superável, uma vez que o universo como é conhecido hoje é muito mais extenso do que sequer se imaginava no início do século passado.
De acordo com os dados da atual ciência astronômica, a nossa pequena terra em cerca de cinco bilhões de anos será incorporada pelo sol em fase final de expansão e todo o processo será retomado novamente desde o início para chegar a uma outra forma de harmonia imanente ao cosmos que se renova constantemente.
Mas também é concebível uma forma de harmonia espiritual superior, uma vez que a meta tenha sido alcançada pela humanidade ou por outras formas de vida existentes no universo.
Para nossa condição atual, no entanto, a dificuldade permanece válida e leva à conclusão de que toda harmonia realizada na terra é destinada ao fracasso, "a acabar em nada", de modo que "o sentido último do mundo não é a harmonia, mas o seu contrário, a desarmonia chamada caos" (p. 98).
Mancuso para esta primeira objeção vê "apenas uma resposta plausível: existe uma harmonia superior à da terra. Tal harmonia superior pode ser pensada no cosmo e, neste caso, falamos de uma harmonia imanente; ou fora do cosmo, e neste caso se fala de harmonia transcendente" (p. 99). Ele conclui: "dada a crescente complexidade que se realizou ao longo do tempo com a passagem dos gases primordiais para a inteligência da mente, é mais plausível a hipótese da existência de uma harmonia cósmica superior, em vez que o seu contrário. É verdade, porém, que o conceito de harmonia superior é uma projeção ideal, uma elaboração da esperança, talvez uma intuição, e que vive da utopia da reconciliação de todas as coisas" (p. 100).
A segunda dificuldade na perspectiva da fé é mais difícil de superar, aliás requer uma revisão do atual catecismo da Igreja Católica. Ele confessa: "No entanto, no que diz respeito à segunda objeção, tenho que admitir que eu não conheço respostas plausíveis, porque ela, em minha opinião é absolutamente fundada: há uma carga de dor que permanece inexplicável e inaceitável.
Embora possa ser real na sua dimensão cósmica, a harmonia continua a ser uma realidade não realizável para o indivíduo, porque homens e animais sofrem e continuam a sofrer, e é justamente esse seu sofrimento enorme e indelével que impede estruturalmente a realização de uma superior e justa harmonia" (p. 100 e seg.).
É um dos problemas que, de várias maneiras, retorna em todos os livros de Mancuso e é o tema do mal e do pecado. Devido à sua presença, "essa harmonia é muito cara e, portanto, inaceitável" (p. 98); diante da existência da "dor, dos imensos sofrimentos que o processo cósmico requer dos seres vivos, sofrimentos de seres humanos e não humanos, porque tudo o que vive, sofre" (p. 99).
No final, porém, "há uma resposta: permitir a liberdade. Mas se assim for, essa liberdade não custa muito e não seria o caso, como fez Ivan Karamazov, de ‘devolver o bilhete’?" (p. 102).
A resposta de Mancuso, mesmo quando é cheia de dúvidas, permanece positiva em relação à beleza e à positividade da vida. Convicção, esta, mais vezes repetida: "continuo agradecido à vida que me fez existir e não pretendo devolver, mas sim honrar, o precioso bilhete de ingresso.
Nossa vida custa, mas eu acho que é maravilhoso trabalhar a serviço da harmonia, do bem e da justiça, de uma beleza que gera paixão, vitalidade, diria, inclusive, sensualidade porque é algo que se sente e a que também participa o corpo" (p. 103). Essa convicção também se desenvolve com a dúvida racional, mas consiste em uma profunda intuição vital, metarracional (como ele prefere chamá-la). Ela é "de caráter entusiasmado, pois não pode ser o produto do conhecimento do universo, mas nasce da experiência da vontade de viver" (Albert Schweitzer citado na p. 103).
Em outras palavras, tem o caráter do otimismo trágico como Pavel Florensky escrevia: "Na vida há muitas coisas monstruosas, perversas, tristes e sujas. No entanto, quando percebemos tudo isso, devemos ter a harmonia diante de nosso olhar interior e tentar realizá-la" (citado na p. 105).
Ele pode, portanto, concluir: "Não sei se a beleza salvará o mundo. Mas tenho certeza que pode salvar este pequeno pedaço do mundo que é cada um de nós. Alimentando-se de beleza, o nosso eu aos poucos liberta-se de suas restrições e da vontade apropriativa, bem como de seus medos e suas ansiedades, liberta-se em suma de todo aquele magma incandescente e às vezes apodrecido cujo conjunto denominamos ego, muitas vezes na origem do chamado mal de viver e de tanto sofrimento" (p. 168).
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A beleza como caminho de salvação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU