15 Novembro 2018
No momento em que os bispos dos Estados Unidos estão na mira do escrutínio e do desprezo pelo tratamento dado aos abusos sexuais clericais, o psicólogo Thomas Plante admite que às vezes é visto como um polemista quando expõe os fatos do cenário clerical de abusos nos Estados Unidos, desde o encontro dos prelados em 2002, em Dallas.
A reportagem é de Dan Morris-Young, publicada em National Catholic Reporter, 14-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De acordo com o professor da Universidade de Santa Clara, as iniciativas que surgiram a partir dessa reunião – principalmente a Carta para a Proteção de Crianças e Jovens, as Normas Essenciais canônicas relacionadas com a carta, um Conselho Nacional de Revisão e auditorias diocesanas – contribuíram para que houvesse “praticamente um pingo” de novos casos de abuso sexual infantil desde 2002.
“Se existem furos que precisam ser preenchidos para manter as crianças em segurança na Igreja e afastar do ministério aqueles que têm predileção por menores, então vamos encontrá-los e tapá-los para manter as nossas políticas e procedimentos o máximo possível invulneráveis”, disse Plante, veterano de 30 anos no trabalho contra os abusos sexuais clericais e membro do National Review Board de 2008 a 2012.
Um furo óbvio, ressaltou, é este: “O que fazemos quanto à responsabilização de um bispo quando eles erram? Até agora, tem sido um problema do Vaticano consertar isso, o que não parece funcionar tão bem”.
Essa questão e o papel do Vaticano na crise dos abusos sexuais clericais nos Estados Unidos ganharam destaque no dia 12 de novembro, quando o presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, fez o anúncio surpresa na reunião dos bispos em Baltimore de que o Vaticano havia pedido à Conferência Episcopal que adiasse qualquer votação sobre as propostas para enfrentar o abuso sexual do clero.
Plante disse ao NCR que estava “em total concordância” com os comentários feitos no encontro pelo cardeal Blase Cupich, de Chicago, de que os bispos continuassem suas discussões e fizessem votações não vinculantes sobre as duas propostas – uma sobre um novo código de conduta para os bispos, e outra sobre o estabelecimento de uma “comissão especial” para analisar denúncias contra os bispos.
“Precisamos dizer ao nosso povo como nos posicionamentos”, disse Cupich.
Cupich também propôs que os bispos realizassem uma sessão especial em março para enfrentar a questão dos abusos, em vez de esperar até a sua reunião marcada para junho.
Tal sessão viria imediatamente após uma cúpula em fevereiro, em Roma, dos presidentes das Conferências Episcopais do mundo sobre a questão do abuso sexual clerical.
Plante também apoiou Dom Shawn McKnight, bispo de Jefferson City, Missouri, que disse ao NCR na reunião que o Vaticano parecia fora de sintonia com a gravidade da situação nos Estados Unidos.
Muitos bispos estão fazendo o melhor que podem, disse McKnight, mas ele especula que “uma questão cultural [pode estar] em jogo entre a Santa Sé e a Igreja nos Estados Unidos”. Ele questionou a “maneira letárgica de manobrar e fazer as coisas” por parte dos bispos dos Estados Unidos.
Em um e-mail de 12 de novembro ao NCR, Plante disse: “Embora eu possa dar o benefício da dúvida de que o ponto de vista sobre isso nos Estados Unidos não é tão bom, os católicos dos Estados Unidos e outros querem progressos e resoluções agora. Esperar pode ser interpretado de múltiplas formas negativas. Acho que as pessoas realmente precisam ouvir que a Igreja estadunidense está lidando com esse problema e está tapando os buracos do sistema, fazendo todo o possível para acertar agora. Estou ansioso para ouvir o pensamento do Vaticano sobre isso”.
“Eu me preocupo se, caso eles não possam fazer progressos sólidos sobre isso muito em breve, ainda haverá algo da Igreja nos Estados Unidos para eles liderarem, sem falar da perda completa da sua confiança e autoridade moral entre os fiéis e o público”, acrescentou Plante, que também é professor clínico adjunto de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford.
Dito isso, ele elogiou o histórico da Carta de Dallas e o trabalho da Conferência Episcopal desde 2002 como “excelente e muito produtivo desde que foi implementado”.
“Essas estratégias de fato estão funcionando, com bons dados para provar isso”, disse. “O número de casos de abuso desde 1982-1983 caiu como uma rocha, e desde 2002 são realmente um pingo. Há menos abusos infantis na Igreja Católica hoje do que em qualquer outra organização comparável.”
Não raramente, apontou, novos casos envolvem padres estrangeiros que estão nos Estados Unidos “por um curto período de férias, por um ano sabático e por estudos”, que, “até agora, respondem pouco ou nada” às autoridades da Igreja locais e que não passaram pela triagem e pelo treinamento que agora estão sendo exigidos dos clérigos dos Estados Unidos.
Plante gostaria que a cúpula de fevereiro em Roma se concentrasse em “quais melhores práticas podem ser postas em prática” para combater o abuso e em “melhorar a responsabilização dos bispos”, em vez de alimentar a inquietação e reformular o que já se faz.
“Esse foco seria um uso muito melhor do tempo e do esforço deles, com um retorno muito maior do que olhar para as causas” do porquê os padres abusam, de acordo com Plante.
A “etiologia” dos abusos sexuais clericais, enfatizou, foi estudada e documentada, notavelmente no estudo de cinco anos da Faculdade de Justiça Criminal John Jay, intitulado “As causas e o contexto do abuso sexual de menores por padres católicos nos Estados Unidos, 1950-2010”, divulgado em 2011.
“Além disso”, disse, “você não vai querer reorganizar os móveis do Titanic enquanto o navio está afundando.”
Os comentários de Plante vieram parcialmente em resposta aos comentários feitos em 25 de outubro em uma entrevista ao NCR concedida pelo cardeal indiano Oswald Gracias, no qual o membro do Conselho de Cardeais do Papa Francisco sugeriu que a cúpula de fevereiro se concentrasse em “ver por que isso aconteceu” e “qual é a causa”.
Plante, também diretor do Instituto de Espiritualidade Aplicada, espera que os bispos em todo o mundo levem em consideração o fato de “tornar universais as melhores práticas de proteção às crianças baseadas em evidências”.
“Não seria difícil de realizar isso, na minha humilde visão”, disse Plante, colaborador frequente da revista Psychology Today, cujos livros incluem Bless Me Father For I Have Sinned: Perspectives on Sexual Abuse Committed by Roman Catholic Priests e Sexual Abuse in the Catholic Church: A Decade of Crisis, 2002-2012.
Ele expressou alguma preocupação sobre o “clericalismo que está criando raízes” e sobre a busca de mera proteção na reunião do Vaticano em fevereiro, mas disse estar mais preocupado “que eles não deixem especialistas no campo ajudá-los e que apenas homens com colarinhos romanos e barretes vermelhos tomem as decisões”.
“Sejamos francos”, disse, “às vezes você precisa de outros profissionais como psicólogos, profissionais das forças de ordem, profissionais da comunicação, profissionais de proteção infantil para ajudar a acertar. Há muitos católicos e não católicos comprometidos e dedicados dispostos a ajudar. Será que os bispos vão deixá-los ajudar?”
O crescente clamor público surgiu no rastro de uma “tempestade perfeita” de denúncias e revelações, disse Plante ao NCR, incluindo o relatório do Grande Júri da Pensilvânia em agosto sobre o ex-cardeal Theodore McCarrick, a renúncia dos bispos chilenos, o programa 60 Minutes e outras reportagens sobre a Diocese de Buffalo, Nova York, e relatos de abuso em Guam, Austrália, Alemanha e outras nações.
No dia 3 de novembro, os jornais The Boston Globe e Philadelphia Inquirer publicaram um artigo de 6.000 palavras sobre o abuso sexual na Igreja, com ênfase nos bispos que fracassaram em policiar a si mesmos.
Painéis de discussões sobre como a Igreja deve enfrentar as questões surgiram em todo o país, inclusive em campi universitários como Georgetown, Fordham e Santa Clara, onde Plante também falou.
No entanto, enfatizou Plante, poucos relatórios deixam claro que a maior parte dos abusos denunciados ocorreram antes de 2002.
“As pessoas tendem a pensar que o relatório do Grande Júri da Pensilvânia é um retrato de hoje, embora, na verdade, seja um retrato dos últimos 70 anos”, disse ele, ressaltando que “apenas dois casos no relatório ocorreram na última década e eram bem conhecidos e foram bem tratados”.
A mesma falta de perspectiva histórica, acrescentou Plante, se reflete na recente história do Globe-Inquirer, na qual ele é citado.
Ele descreveu o trabalho conjunto de reportagem como “muito barulho por nada”.
“Em geral, são histórias muito antigas, embaladas junto com apenas algumas novas revelações”, explicou. “Eu não pude deixar de me perguntar se o Globe estava tentando reviver seus dias de glória em 2002.”
Ele disse que a Igreja trocou informações e trabalhou com várias organizações que têm as crianças como seu principal foco.
Por exemplo, ele descreveu um “progresso fantástico” gerado em um congresso de 2012 com os principais pesquisadores, “realizado pelos escoteiros com a participação do FBI, do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, da Igreja Católica, e do Boys and Girls Club”.
Uma grande fraqueza nos esforços oficiais da Igreja em relação à má conduta sexual repousa em uma estratégia de comunicação pobre, afirmou Plante.
“Será que eles podem, por favor, fazer um trabalho melhor nas comunicações para a imprensa? As pessoas estão muito desinformadas e desanimadas, e algumas estratégias de comunicação muito simples podem ser úteis. Me solidarizo com aqueles que lutam contra a desinformação. Muitos católicos e padres estão tão deprimidos com tudo isso, mas não foram capazes de obter boas informações sobre o problema.”
Informações acuradas se tornam ainda mais ilusórias, disse, quando os meios de comunicação têm noções pré-concebidas que desejam promover.
A desinformação e a confusão também são geradas quando alguns católicos têm opiniões prontas, como a convicção de que a orientação homossexual e a pedofilia estão ligadas, ou que o celibato distorce a saúde sexual levando a atividades sexuais inapropriadas.
Pesquisas extensivas “dentro e fora da Igreja”, afirmou, não dão sustentação a nenhuma dessas conclusões.
“As pessoas ficam confusas quando pensam que a correlação significa causalidade”, disse.
Por exemplo, explicou, como quase 8 em cada 10 vítimas de abuso sexual por padres são homens, muitos querem vincular o abuso à homossexualidade.
“No entanto, sabemos que a orientação sexual por si só não prevê crimes sexuais”, disse.
Essas são “ofensas oportunistas”, disse, que historicamente têm sido associadas ao serviço ao altar, a programas para jovens e/ou aos esportes. À medida que as meninas coroinhas se tornaram mais comuns, o mesmo aconteceu com o abuso clerical delas.
As investigações do John Jay e a própria experiência de Plante apontam os agressores como “generalistas situacionais” que se usam da confiança e do fácil acesso para encontrar vítimas, disse.
A situação está cheia de lama, admitiu, em casos como o de McCarrick, que foi confiavelmente acusado de agressão sexual contra seminaristas.
No entanto, transgressões como as de McCarrick são principalmente exploração da autoridade em situações entre pessoas adultas do mesmo sexo, e não pedofilia, disse Plante.
O que é pouco percebido, acrescentou, é que os abusadores em série respondem por uma porcentagem significativa da vitimização em geral.
Nos relatórios do John Jay, disse, 129 homens cometeram quase um terço dos 11 mil casos listados.
Por exemplo, o infame molestador de crianças em série John Geoghan, ex-padre de Boston, recebeu pelo menos 138 acusações, disse. “A maioria dos abusadores tinha uma vítima conhecida.”
O que tem contribuído para o declínio nos casos de abuso clerical na Igreja, disse, são as triagens reforçadas e os protocolos de formação para seminaristas e agentes de pastoral.
Os programas de formação sacerdotal, em particular, empregam testes de “estado da arte”, disse Plante, que participou de quase mil revisões e avaliações de homens em busca da ordenação.
“Há uma variedade de testes”, disse, que fornecem dados sobre o controle de impulsos de um indivíduo, raiva reprimida, transtornos alimentares, abuso de álcool, problemas com jogos e capacidade de manter relacionamentos próximos.
“Normalmente, os agressores sexuais não têm um bom histórico de relacionamentos de longo prazo com os amigos”, afirmou Plante.
Entre muitas coisas, os seminaristas também são examinados em termos de traumatismos cranianos e distúrbios convulsivos, que às vezes podem estar ligados a problemas comportamentais, disse.
Os programas de formação no seminário também estão enfatizando a formação psicossexual e o desenvolvimento humano para preparar padres em potencial que vivam uma vida celibatária saudável e se relacionem bem com os paroquianos.
“No fim das contas, esses testes não são previsões perfeitas” do sucesso vocacional de um seminarista, mas estabelecem, sim, “uma avaliação boa e apropriada”, disse Plante.
Essa triagem mais restrita também pode ter ajudado a deter potenciais abusadores em série, outro fator na história dos abusos clericais que é amplamente ignorado, de acordo com Plante.
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Falhas de comunicação obscurecem o progresso dos bispos dos EUA no combate aos abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU