Por: Lucas Schardong, Pâmella Atkinson e Marilene Maia | 01 Novembro 2018
A imaturidade da cultura democrática no Brasil aponta para um caminho que ameaça a liberdade do país, que é marcado pelo aumento da desigualdade e o enxugamento de políticas públicas pautadas pelo bem-estar social da população. Este foi um dos debates presentes na oitava edição do Seminário Observatórios, que foi realizado nos dias 22 e 23 de outubro na Unisinos em Porto Alegre.
Em 2018, o tema do evento foi democracia, desigualdades e políticas públicas e deu continuidade ao trabalho da Rede na promoção do estudo e debate sobre o papel dos Observatórios Sociais, suas metodologias e impactos. O evento iniciou com a apresentação dos trabalhos recebidos através de edital do próprio Seminário. Ao todo foram 30 trabalhos apresentados, que tinham como objetivo aprofundar o tema do evento através dos eixos: Observatórios, Democracia, Desigualdades, Políticas públicas e Dados e informação.
Na sequência foi feito o reconhecimento das experiências dos Observatórios no cenário atual e apresentado um breve quadro com o perfil da Rede de Observatórios, que hoje é composta por 22 observatórios com atuação em diferentes temas, políticas e territórios. Conforme o coordenador do Observatório de Segurança de São Leopoldo, Cléber da Silva, fazer este apanhado ajuda na avaliação e divulgação do trabalho da Rede. “Muita gente não sabe o que é um observatório. Temos que debater e expor mais este conceito para a população”, afirma.
Em meio à exposição e os debates da atual conjuntura dos observatórios, foram apontados seus desafios para a continuidade do trabalho, que é impactado especialmente pela redução no investimento à pesquisa e às políticas públicas. Um dos alertas é feito por Ricardo César, que coordena o Observatório de Políticas Públicas da Região do Comperj/IFRJ e participa pela terceira vez do seminário, buscando alternativas de resistência ao enxugamento das instituições. “Temos tentado atuar na forma em que exista uma coesão de resistência. Vamos entrar em um momento político que, independente do resultado das eleições, é muito difícil pela onda conservadora e transformada em neofascismo. Desse ponto de vista, enquanto instituto federal, corremos o risco de deixar de existir concretamente, mas, independentemente disso, o que vemos como única alternativa possível é montar uma postura de resistência”, revela.
Outra atividade destacada pela Rede foi o lançamento do Glossário dos Observatórios, que tem como propósito reunir os conhecimentos e as referências para o trabalho dos observatórios. Um dos integrantes da Rede, Guilherme Horstmann, destaca que o Glossário é um instrumento para o trabalho não só dos observatórios, mas também para pesquisadores e para a sociedade. Pretende-se que o Glossário seja uma ferramenta para subsidiar o trabalho em torno da construção do conhecimento, da análise e do debate sobre as realidades e as políticas públicas.
Para debater o tema principal do VIII Seminário Observatórios, foram convidados professores e pesquisadores que trabalham com indicadores e estão comprometidos com a afirmação do desenvolvimento pautado pelo bem-estar social e a construção de políticas públicas que possam combater as desigualdades.
Um deles foi o prof. Dr. Paulo de Martino Jannuzzi, que é professor do Programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Jannuzzi, que participou dos dois dias de seminário, apontou diversas perspectivas de avanços no bem-estar social nos últimos 30 anos. Em meio a esta análise histórica, ele apresenta o questionamento “O que não podemos deixar de fazer neste tempo?” E se pauta por três perspectivas: não podemos esquecer a relação da tríade (desigualdades, democracia e políticas públicas) na constituição histórica do Estado de Bem-Estar nos países desenvolvidos; não podemos esquecer a experiência brasileira na articulação virtuosa da tríade; não podemos deixar de aprimorar as políticas e defender os valores republicanos que nos trouxeram até aqui.
O prof. Dr. Paulo de Martino Jannuzzi falou sobre os desafios enfrentados no serviço com dados e informação (Foto: Lucas Schardong/ IHU)
O sociólogo defende que o Brasil constituiu, em pouco tempo, um sistema de políticas complexas, firmando um pacto progressista que teve impactos significativos sobre a sociedade brasileira, especialmente sobre os segmentos sociais mais pobres. Ele também afirma que “o Brasil percorreu apenas um terço do caminho, de forma acelerada, com ganhos significativos” e que “o ritmo em que se deu tal processo, no contexto heterogêneo de realidade socioeconômica, de capacidade de gestão e contextos político-institucionais no vasto território nacional, acabou potencializando problemas típicos de implementação de Políticas e Programas Públicos”, destaca.
Neste sentido o professor destaca que as dificuldades das implementações de políticas públicas precisam ser diagnosticadas, sistematizadas e reconhecidas. Para Jannuzzi, a partir disso é possível “viabilizar o aprimoramento dessas Políticas e Programas, seja por uma conjuntura, ou perspectiva permanente, de escassez de recursos públicos, pelas disfuncionalidades geradas ou ainda pela perda de legitimidade/adesão da sociedade ao projeto de Estado e Sociedade idealizados na Constituição de 1988”.
As conferências completas do prof. Paulo de Martino Jannuzzi podem ser acessadas em Desigualdades, democracia e políticas públicas no cenário brasileiro contemporâneo e Painel - Dados e informação: desafios para o Brasil contemporâneo.
O debate promovido no Seminário foi ampliado com as presenças de outros dois Observatórios, um com atuação na esfera nacional e outro com presença latino-americana.
O Observatório Fiscal Federal da Argentina foi representado pela coordenadora institucional Carina Petri, que apresentou o seu trabalho e trouxe perspectivas de funcionamento de um observatório de fora do Brasil. Petri revela que o nascimento do Observatório se deu em 2016, com o objetivo de “contribuir para a reversão da situação financeira e fiscal da Argentina, condição essencial para o desenvolvimento econômico sustentável e a competitividade na economia”, destaca.
Carina Petri, coordenadora do Observatório Fiscal Federal da Argentina (Foto: Lucas Schardong/ IHU)
Assim, ela acredita que o trabalho do Observatório possa contribuir para o desenvolvimento econômico e que isso deva garantir benefícios para todas as famílias e grupos sociais de todas as províncias e regiões do país. Com isso ela reafirma a missão do Observatório, que é de “gerar um instrumento institucional privado para o bem público que, através da análise abrangente dos indicadores de política financeira e fiscal nos três níveis de governo, contribua para o debate sobre as reformas necessárias na matéria e a participação da sociedade”.
O Observatório da Formação em Gestão Social/UFBA foi apresentado pela profa. Dra. Rosana de Freitas Boullosa. Ela detalhou o funcionamento do observatório, que reúne uma Rede de Pesquisadores em Gestão Social formada por diversas universidades do Brasil. O Observatório atua em três perspectivas: a pesquisa de base a partir de projetos coletivos, a sistematização do conhecimento sobre Gestão Social e a produção/difusão de produtos específicos.
Profa. Dra. Rosana de Freitas Boullosa do Observatório da Formação em Gestão Social/UFBA (Foto: Lucas Schardong/ IHU)
Boullosa também destaca os eixos trabalhados pelo Observatório enquanto tecnologia social. “Desenhado como uma tecnologia social, buscou e vem buscando oferecer um espaço dialógico e sincrônico (online) para discussão, sistematização, consolidação e expansão do campo da Gestão Social, a partir de três eixos de observação e análise: (1) Inovação, (2) Ensino- aprendizagem e (3) Avaliação”.
A professora ainda faz um alerta para a atual conjuntura, que pode afetar diversas instituições de ensino e acabar fechando o observatório. “Temos que ter uma estratégia de enfrentamento das novas políticas que virão. A conjuntura futura preocupa no sentido das políticas públicas e que reverbera em grande quantidade na educação. Não dá para parar de observar e ser um observatório”, alerta.
O painel com Carina Petri e a profa. Rosana de Freitas Boullosa pode ser acessado aqui.
Como é de praxe, ao final de cada Seminário de Observatórios, busca-se construir coletivamente uma Agenda comum de trabalho para o futuro dos Observatórios e da sua Rede, que inclui a projeção do Seminário para o ano seguinte.
A Rede de Observatórios reafirmou o seu pacto com a democracia e com a informação transparente dos processos sociais e da vida societária pautada pela garantia dos direitos. Assume também o compromisso com avaliação das políticas públicas, em vista da sua implementação para a construção do desenvolvimento do Estado e da Sociedade fundados na igualdade, na justiça e no bem comum. Para tanto, é fundamental envolver e valorizar a participação e o controle social da população e, em especial, daquela historicamente excluída e invisibilizada nos processos de distribuição das riquezas.
O fortalecimento da Rede foi assumido pelo compromisso coletivo no acesso, análise e publicização de dados e indicadores, contextualizando os cenários conjunturais e estruturais dos diferentes territórios, estado e país. A conclusão do Glossário como ferramenta para o trabalho e a realização do IX Seminário Observatórios estão agendados para 2019. A Rede também se comprometeu com a ampliação dos debates com outros observatórios, já que foram mais uma vez identificados como tecnologias sociais potencializadoras da democracia, especialmente neste tempo de tantas ameaças.
Conheça um pouco do VIII Seminário Observatórios na voz dos participantes:
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Observatórios reafirmam seu compromisso com a democratização da informação e com o controle social das políticas públicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU