23 Outubro 2018
Não se trata de vê-lo como remédio contra a pedofilia, mas como uma escolha para garantir sacerdotes apaixonados por sua vocação em tempo integral com outros casados em apoio do ministério e da própria família. Um livro deixa entender que, talvez, tenha chegado à hora certa para uma decisão do papa esperada por todos. O problema será abordado em 2019 no Sínodo sobre a Amazônia
A reportagem é de Carlo Di Cicco, vaticanista, publicada por Tiscali, 22-10-2018.
Poderia ser Francisco o papa que irá desatar o intrigado nó do celibato obrigatório para os padres na Igreja Católica do rito latino. Essa é, de fato, uma grande questão que vem atravessando toda a história da Igreja, especialmente a partir do século IV e a atitude escolhida em relação ao celibato dos padres amadureceu ou entrou em crise, segundo que a Igreja vivesse com mais força o valor da espiritualidade ou se adequasse ao modo de vida mundano.
A questão do celibato obrigatório para os sacerdotes na Igreja adquiriu novo vigor neste momento em que a opinião pública mundial está chocada pela revelação dos muitos casos de pedofilia do clero que, embora em percentual mínima em relação ao conjunto dos sacerdotes, está causando dor e desorientação entre os fiéis laicos. Pedofilia e celibato não têm nada em comum e um não é causa da outra, mas como ambos tocam a sexualidade e seu exercício, no sentido comum das pessoas são confusamente associados, multiplicando o escândalo.
Na verdade, desde a Segunda Guerra Mundial, a questão do celibato obrigatório como condição para se tornar padres na Igreja Católica Latina, a mais difundida no mundo e especialmente no Ocidente, começou a ser criticada, discutida, revista em círculos cada vez mais amplos. E um número crescente de vozes a partir de baixo e da própria hierarquia se pronunciaram em favor de uma revisão da lei que prevê a possibilidade de ser padre tanto a solteiros como a casados. Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), as vozes favoráveis a uma mudança aumentaram continuamente. Tanto a sugerir que poderia ser o próprio Francisco o papa que, com prudência e visão do conjunto, poderia iniciar uma experimentação prática nessa direção. Imagina-se que a ocasião para uma abertura como essa poderia surgir no outono de 2019, no Sínodo sobre a Amazônia, uma região imensa onde a escassez de padres e as dimensões gigantescas e complicadas em que estão dispersas as comunidades cristãs, torna difícil, quase impossível as suas celebrações religiosas, às quais eles também têm direito incontestável.
Uma das fontes à disposição de Francisco para tomar com toda a seriedade uma decisão desse tipo revelou-se um belo livro sobre a questão do celibato na igreja publicado recentemente. Foi escrito pelo jornalista Enzo Romeo, um especialista em Vaticano que estuda, se atualiza e verifica a confiabilidade de suas fontes. O resultado foi um livro interessante e confiável introduzido por uma minuciosa panorâmica do problema da destituição dos padres, assinada por Gianni Gennari, teólogo conhecido e padre romano, que teve que deixar o ministério depois de se apaixonar por uma mulher com quem se casou quando chegou a dispensa do celibato.
O livro de Romeo, confiável e excelente síntese sobre toda a questão do celibato, é resumida no título: "Lui, Dio e Lei” (Ele, Deus e Ela, 254 páginas), publicado pela Rubettino. Uma mina de informações, notícias, depoimentos, detalhes, citações estendidas em forma de narrativa que contam a evolução histórica de uma questão cada vez mais importante para compreender o cerne do problema do evangelho. Não que o celibato seja o coração do Evangelho, que continua sendo, é claro, o amor de Deus pelos homens, manifestado em Jesus e a missão de anunciar a misericórdia de Deus, que quer que todos os homens sejam salvos e conhecedores da verdade.
Mas o celibato é uma perspectiva importante em pensar a fé e, portanto, a compreensão que foi se acumulando nos séculos de celibato levou a considerá-lo uma questão de amor. Enquanto nos séculos passados tratava-se de esclarecer a relação entre os eclesiásticos com as mulheres, após o Concílio Vaticano II tornou-se insistente, até mesmo no magistério da Igreja, enfrentar o problema do celibato como um problema de amor, ao invés de sexualidade. De fato, o amor representa a capacidade e a disponibilidade da pessoa de doar-se totalmente, enquanto a sexualidade pode ser vivida mesmo em uma condição de grande egoísmo que reduz as outras pessoas a instrumentos do próprio prazer. A obra de Romeo é valiosa pela simplicidade e clareza e coloca em foco essa grande verdade, levando, sem intenções apologéticas tendenciosas, a concluir que resolver a questão do celibato obrigatório não é uma concessão para a mundanidade, mas a demanda por uma responsabilidade e coerência mais radical com as escolhas da vocação de cada um. As citações do livro sobre o ensinamento dos papas do pós-concílio não por acaso colocam em paralelo a vida matrimonial e a vida missionária dos sacerdotes: nem uma nem a outra têm uma solução humana e não trazem felicidade para a pessoa se não forem vividas por amor. Para ambas as escolhas é preciso estar preparados, não é possível improvisar.
O sacerdócio, em particular, não tem o celibato como um elemento constitutivo, no sentido de que o ministério também pode ser exercido por padres casados. Não há uma ordem divina para ser padres celibatários, mas existe uma disposição vinculante da Igreja, plenamente legítima e racional pela qual aos padres se pede a fidelidade ao celibato, que garante alta qualidade no desempenho da missão. Por esse motivo, o celibato será frutífero e um real distintivo somente se livremente escolhido e não imposto como lei obrigatória para aqueles que queiram responder à sua vocação ao sacerdócio. Qualquer um que queira atualmente se tornar padre sabe que terá que respeitar o celibato. Mas se uma vez padre as circunstâncias da vida o levassem a quebrar esse compromisso, todos os padres sabem que a penalidade é a renúncia obrigatória ao ministério. Portanto, se pensa sobre a possibilidade de tornar a escolha do celibato opcional, prevendo padres celibatários e padres casados com um regulamento prático ainda totalmente a ser elaborado.
E o que Francisco tem a ver com tudo isso? O livro de Romeo esclarece bastante o que Francisco pensava antes de se tornar padre, antes de se tornar bispo, antes de se tornar papa e, consequentemente, o que pensa agora que é papa. "No verão de 2015, o pastor pentecostal argentino Norberto Saracco, amigo de velha data de Bergoglio – como pode ser lido, entre outros exemplos, na página 63 - relata ao "National Geographic" uma longa conversa confidencial que teve com Francisco em Santa Marta dois meses após a sua eleição. Naquela ocasião, o papa teria dito que entre as mudanças que mais lhe interessavam introduzir havia a abolição do vínculo do celibato para os padres".
Devemos acreditar? Talvez sim, talvez não, mas certamente está de acordo com a coerência com que Francisco está pedindo a cada cristão que viva o próprio livre testemunho do evangelho. Sua revolução e sua reforma da Igreja baseiam-se na conversão espiritual, a única que pode garantir o sucesso da reforma das estruturas e das leis. Só aparentemente a abolição da obrigação do celibato para os padres e a introdução de livre escolha da opção celibatária ou como casados pode ser considerada menos exigente. Na realidade, operar em liberdade é a forma mais exigente possível de assumir para si a responsabilidade e coerência na vida.
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Permitir aos padres apaixonados que se casem. Francisco pondera uma grande virada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU