28 Agosto 2017
Vincent Doyle é um psicoterapeuta irlandês de 34 anos. Em 2011, vasculhando os papéis de sua casa, descobriu um segredo que sua mãe tinha mantido por mais de 20 anos, e que só então foi forçada a admitir, sem palavras, apenas com uma lágrima: o pai biológico de Vincent não era aquele que o havia criado, juntamente com três irmãs, mas um sacerdote, o pároco de Longford, um vilarejo na diocese de Ardagh. John J. Doyle, um religioso que havia retornado dos EUA depois de anos de missão, falecido em 1995, para Vincent criança tinha sido um companheiro de jogos e passeios, um pai espiritual, aquele que lhe transmitira um vínculo misterioso, visceral - e o motivo o teria entendido só mais tarde - com a Igreja.
A reportagem é de Andrea Galli, publicada por Avvenire, 26-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Depois daquela descoberta Vincent, que, em seguida, quis usar o sobrenome Doyle, descobriu que sua história era bem menos rara de quanto pensasse. Criou um grupo fechado no Facebook para coletar histórias e depoimentos. Então ele teve a ideia de fundar uma associação para prestar apoio psicológico e espiritual para pessoas com vivências semelhantes e muitas vezes com feridas existenciais mais profundas do que as suas. Filhos e filhas que sabiam de tudo, mas precisaram fingir por toda a vida, fingir que nada havia acontecido, homens e mulheres marcados pelo sentimento de culpa, pelo estigma social, mães que acabaram abandonadas. Coping Internacional (Coping significa "children of priests") é agora um apostolado reconhecido pela Igreja e que conseguiu crescer em grande parte graças ao apoio da Conferência Episcopal Irlandesa.
Justamente a Assembleia dos bispos da Ilha Esmeralda em maio último aprovou um documento que foi divulgado há poucos dias, intitulado "Princípios de responsabilidade para sacerdotes que geraram filhos durante o seu ministério". É um texto muito curto, que estabelece alguns pontos básicos, o principal entre eles que "as necessidades de uma criança devem vir em primeiro lugar" e que "um sacerdote, como qualquer pai, deve cumprir com as suas responsabilidades - pessoais, morais, legais e econômicas". Assim, "o mínimo" é que o sacerdote pai "não fuja de suas responsabilidades" e as autoridades eclesiais precisam agir nesse sentido, embora "cada caso deva ser analisado com atenção".
Simples considerações de bom senso? Em parte sim, mas dada a falta de disposições oficiais em matéria, e de referências específicas no Código de Direito Canônico, ajudam a esclarecer, como declarou o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, e evitar a gestão desses casos espinhosos sem a devida justiça e seriedade.
Uma amostragem desses casos - e, muitas vezes, dramas - foi fornecido recentemente pelo Boston Globe - o jornal que provocou o escândalo dos abusos sexuais na diocese de Boston, relatados no filme Spotlight - que a partir de documentos e contatos fornecidos por Doyle e a Coping Internacional elaborou um extenso relatório disponível on-line, redigido com profissionalismo e certo equilíbrio. "Se um sacerdote é o pai de uma criança, tem a obrigação moral de deixar o ministério e providenciar o cuidado e as necessidades da mãe e do filho", disse o cardeal Sean O'Malley, arcebispo de Boston, em referência à reportagem do jornal estadunidense.
Quem também deu uma resposta clara e bem articulada sobre o assunto foi o Papa, quando era arcebispo de Buenos Aires, no livro escrito com o rabino Abraham Skorka, o Céu e a Terra. "Se alguém me conta que engravidou uma mulher - escreveu o então cardeal Bergoglio - tento acalmá-lo e aos poucos trato de lhe explicar que o direito natural vem antes de seu direito como padre. Como resultado deve deixar o ministério e assumir o cuidado da criança, mesmo no caso de decidir não se casar com a mulher. Porque, da mesma forma que aquela criança tem o direito de ter uma mãe, tem o direito de ter um pai com um rosto. Eu empenho-me para regularizar todos os seus documentos em Roma, mas ele deve deixar tudo. Agora, se um padre me conta que foi levado pela paixão, que cometeu um erro, eu o ajudo a corrigir-se. Existem padres que se corrigem e outros não". E corrigir-se aqui significa: "Fazer penitência, observar o celibato. A dupla vida não é boa, não me agrada, significa dar substância à falsidade".
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Celibato. Quando um padre tem um filho. As orientações dos bispos irlandeses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU