24 Setembro 2018
Como as altas taxas de rejeição dos candidatos à Presidência à frente nas pesquisas e a propensão de 40% do eleitorado a mudar de voto podem influenciar a reta final da campanha.
A reportagem é de Jean-Philip Struck, publicada por Deustche Welle, 23-09-2018.
Com as pesquisas eleitorais já indicando, a duas semanas do primeiro turno, dois nomes de polos opostos disputando a segunda rodada das eleições presidenciais, a estratégia do chamado voto útil já começa a entrar em cena.
Segundo o cientista político Carlos Melo, a lógica do voto útil é simples. "Em tese, todo eleitor tem um candidato de preferência; aquele por quem sente maior empatia e que, com tranquilidade, cederia seu apoio. Este seria o que podemos chamar de um voto afirmativo", explica. "Mas, num ambiente de conflito, o eleitor se dá também o direito de definir o que, para ele, seria o 'pior resultado', o mal maior. O candidato entre todos que 'mais' rejeita, que descarta decisiva e definitivamente", completa.
Assim, grupos de eleitores acabam depositando seus votos estrategicamente, inflando a votação de um candidato com o objetivo de derrotar outro. Só que neste ano, as coisas ficaram mais complicadas.
"A novidade é que desta vez, para muitos, não é apenas um mal: mas pelo menos dois", afirma Melo, em referência a Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, dois candidatos polarizadores na corrida.
Apesar de estarem na liderança, tanto Bolsonaro quanto Haddad, que registram 28% e 19% dos votos, respectivamente, de acordo com o último Datafolha, também estão entre os candidatos com maior rejeição por parte do eleitorado.
Pelo menos 43% dos eleitores afirmam que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum. Haddad, por sua vez, é o terceiro candidato com maior rejeição, 29%, logo atrás de Marina Silva (Rede), que tem 32%. Desde que assumiu o protagonismo da candidatura petista, a rejeição de Haddad aumentou sete pontos percentuais. São índices superiores às intenções de votos desses candidatos e que podem influenciar a reta final do primeiro turno.
Diante desse cenário, os candidatos menos bem posicionados na pesquisa já começam a fazer a pregação por um voto útil entre o eleitorado que rejeita Haddad e Bolsonaro e que seja capaz de levá-los ao segundo turno. Também pesa o fato de que 40% dos eleitores estarem dispostos a mudar seu voto, segundo o Datafolha.
Essa batalha pelo voto útil deve ser especialmente intensa entre Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), que aparecem em terceiro e quarto lugar nas pesquisas. "Se a onda do voto útil aparecer é possível que Ciro Gomes ou Geraldo Alckmin ascendam ao posto que hoje é de Haddad", conjectura o cientista político Gaudêncio Torquato.
Por enquanto, os candidatos menos bem posicionados nas pesquisas – Ciro, Alckmin, Marina, Alvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Rede) e Henrique Meirelles (MDB) – contam com 35% das intenções de voto.
Nesta semana, a campanha de Geraldo Alckmin abraçou de vez a estratégia do voto útil entre os eleitores que rejeitam Bolsonaro ou Haddad - ou ambos -, dividindo os ataques regulares contra a campanha do militar reformado com críticas ao PT e outros candidatos. Seu programa de TV passou a afirmar que apoiar Bolsonaro pode ser um voto para a vitória do PT, apontando que as pesquisas indicam que Bolsonaro e Haddad estão empatados nos cenários de segundo turno - Alckmin seria capaz de derrotar ambos em uma segunda rodada, mas sua vantagem vem diminuindo.
Em outras frentes, o tucano passou a criticar Ciro Gomes – com quem disputa o terceiro lugar –, Henrique Meirelles e Marina Silva. No sábado (22/09), de olho no eleitorado do Sudeste, afirmou que Ciro "não gosta de São Paulo" e ao longo da semana destacou as antigas ligações de Meirelles e Marina com o PT.
Ciro, por sua vez, ultrapassado por Haddad na última semana, afirmou que o brasileiro "não quer e não merece” um segundo turno para ter de decidir entre um "fascista" – uma referência a Bolsonaro – e "as enormes contradições do PT". Sua campanha também destaca que nos cenários de segundo turno, ele seria capaz de derrotar tanto Haddad quanto Bolsonaro com margens confortáveis. Ele também tem a menor rejeição entre os cinco candidatos mais bem posicionados (22%).
Nessa estratégia do voto útil, também pesa o fato de que os candidatos menos bem posicionados têm o eleitorado menos consolidado, o que pode favorecer o direcionamento dos votos. Enquanto 76% dos eleitores de Bolsonaro e 75% de Haddad afirmam que não pretendem mudar seus votos, os percentuais são mais baixos entre os demais postulantes. Entre os eleitores de Ciro, 57% afirmam que podem mudar seu voto. Entre os que declararam voto em Alckmin, o percentual é de 58%. Já com Marina, 70%.
Ainda segundo o Datafolha, entre os 40% dos eleitores que podem mudar seu voto, há por enquanto uma dispersão entre todos os candidatos quando uma segunda opção é indicada. Ciro Gomes seria o principal beneficiado, tendo a possibilidade de levar até 15% desses votos. Marina poderia ficar com 13%, Alckmin e Haddad, com 12% cada, e Bolsonaro com 11%. Pelos cálculos do instituto, esses 15% que indicam Ciro como segunda opção poderiam render seis pontos percentuais extras nas suas intenções de voto.
No entanto, a mesma pesquisa aponta que Ciro também corre o risco de perder votos para Haddad, a depender como os eleitores dispostos a abraçar o voto útil vão se comportar. Entre os eleitores do candidato do PDT que podem mudar seu voto, 27% tem Haddad como segunda opção. Com Alckmin, um fenômeno parecido ocorre, e Bolsonaro é a opção de 17% dos eleitores do tucano que podem mudar de ideia.
E a campanha de Bolsonaro também passou a explorar o voto útil e propagandear que Bolsonaro tem chances de ganhar no primeiro turno se o eleitorado de outros candidatos for convencido a optar pelo ex-capitão. "Bolsonaro pode estar a um Amoêdo ou a um Alvaro Dias de vencer no 1° turno", afirmou nesta semana um de seus filhos, Flávio Bolsonaro, omitindo que mesmo os percentuais desses dois candidatos ainda não somaria mais que seis pontos percentuais ao seu eleitorado, que chega hoje a 28%.
Na quinta-feira, o principal apelo pelo voto útil e por uma estratégia unificada entre diferentes candidatos partiu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que divulgou uma carta pedindo que candidatos moderados se unissem em torno de um nome com mais chance de êxito. Pouco depois, FHC indicou que o nome que se encaixa nessa estratégia é do candidato do seu partido, o tucano Geraldo Alckmin. A iniciativa, no entanto, acabou sendo rejeitada publicamente por todos os principais candidatos.
Em 2014, a pregação do voto útil acabou redesenhando a disputa presidencial nos dias que antecederam o pleito. À época, o tucano Aécio Neves disparou a pouco dias do primeiro turno ao pedir "voto útil para vencer Dilma" e foi ao segundo turno após ter sido considerado fora do jogo, avançando sobre o eleitorado de Marina Silva.
Em outros casos, o voto útil não foi capaz de influenciar de maneira decisiva, mesmo quando um candidato reunia baixa rejeição e potencial de vencer um segundo turno contra outros candidatos que eram vistos como um mal maior por uma parte significativa do eleitorado.
Nas eleições presidenciais de 1989, as pesquisas indicavam que Mário Covas (PSDB) seria capaz de derrotar Fernando Collor em uma segunda rodada. Seus números eram mais promissores do que aqueles de Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também tinha a menor rejeição entre os principais candidatos. Covas, no entanto, apesar de ter crescido nos dias anteriores ao pleito, acabou em quarto lugar, com 11,51% dos votos.
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Começa a corrida pelo voto útil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU