09 Setembro 2018
Retomando a reflexão do beneditino Ghislain Lafont, o Pe. Vinicio Albanesi investiga as raízes profundas que podem originar atitudes e condutas desonrosas no âmbito clerical. Tal investigação diz respeito tanto à teologia quanto ao direito.
Albanesi é professor do Istituto Teologico Marchigiano, presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994 e fundador da agência jornalística Redattore Sociale e, junto com o Pe. Luigi Ciotti, da Coordenação Nacional das Comunidades de Acolhida (CNCA) da Itália.
O artigo foi publicado em Settimana News, 04-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Lendo o artigo do beneditino Ghislain Lafont, intitulado “Clericalismo?”, proponho uma reflexão que tenta abordar, a partir de um ponto de vista teológico e jurídico, uma das raízes profundas dos problemas de escândalo que afligem o clero (sacerdotes, bispos, cardeais).
Já são de domínio público as incongruências de vida de coirmãos que envolvem não apenas a matéria sexual, mas também a administrativa, gerencial, econômica, das coisas pessoais e da Igreja.
O que impressiona não são as falhas – das quais todos devemos pedir perdão – mas sim a persistência e o consequente senso de impunidade que acompanha condutas desonrosas.
Acredito que a teologia e o direito (mal interpretados) também atuam como pano de fundo para tais atitudes.
A primeira raiz da impunidade é dada pela ênfase posta na função sacerdotal. Os ritos, a consagração, a atribuição das tarefas parecem elevar um simples batizado a um grande sacerdote, cheio de sabedoria e de moderação. O que não é verdade. O batizado formado (adequadamente?) é chamado a desempenhar a função sacerdotal.
São Paulo, nas cartas a Timóteo e a Tito, já tinha que ditar os comportamentos aos bispos e aos presbíteros: “Sendo administrador de Deus, o bispo deve ser irrepreensível, não arrogante, nem beberrão ou violento, nem ávido de lucro desonesto. Pelo contrário, deve ser hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, e de tal modo fiel à fé verdadeira, conforme o ensinamento transmitido, que seja capaz de aconselhar segundo a sã doutrina e também de refutar quando a contradizem” (Tt 1, 7-9).
A discussão teológica sobre o sacramento da ordem é longa e complexa. Após as posições doutrinais de Lutero, que defendia que todo batizado pode ser anunciador da palavra, o Concílio de Trento insistiu em colocar o sacerdócio na função de culto.
O específico foi identificado na celebração eucarística e na absolvição dos pecados. Daí uma concepção sacral exagerada, pela qual, ainda hoje, o sacerdote se sente investido de tamanha autoridade a ponto de separar a própria vida da do povo que lhe foi confiado. As funções de ensinar, santificar e administrar tornaram-se “autônomas”, a ponto de ele erroneamente se considerar livre da prestação de contas do seu agir.
Com uma expressão popular, mas extremamente significativa, isso pode ser resumido como: “Trabalho como padre, não sou padre”. Quase dizendo – horror! – que o sacramento da ordem é um instrumento necessário, mas independente da santidade.
Tudo isso é agravado por outras duas conotações que reforçam essa convicção.
A primeira diz que o sacramento da ordem confere o caráter, definido como um sinal espiritual que não se apaga nunca. São Tomás, na “Suma Teológica” (III, q. 63, art. 1), referindo-se a São João Damasceno, defende que o caráter é um selo (marca) espiritual que sustenta a vida espiritual do sacerdote, do batizado, do crismado; não se apaga nunca e impede que o sacramento se repita. Definição retomada pelo Concílio de Trento e ainda utilizada em doutrina.
O sacerdote é para sempre: ele pode pedir a graça da dispensa dos ônus sacerdotais, mas permanece como tal por toda a vida. O cânone 1.008 do Código declara: “Mediante o sacramento da ordem, por instituição divina, alguns de entre os fiéis, pelo carácter indelével com que se assinalam, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e deputados para que, segundo o grau de cada um, apascentem o povo de Deus”, como complemento do cânone 207 que havia recordado: “Por instituição divina, entre os fiéis existem os ministros sagrados, que no direito se chamam também clérigos; os outros fiéis também se designam por leigos”.
Sem querer subverter a doutrina e os cânones, é evidente que a acentuação da relação sacerdote-culto determina o estado “outro” do presbítero em relação ao povo de Deus.
O Concílio havia tentado preencher essa distância. De fato, o capítulo II da Lumen gentium abordou primeiro ao sacerdócio comum dos fiéis e, depois, o hierárquico.
No senso comum, em vez disso, após a ordenação, o jovem se sente “imune” de qualquer participação dos fiéis.
Um segundo aspecto que reforça essa visão é dado pelo princípio que diz respeito à concessão da graça com os sacramentos. A doutrina afirma que a graça é concedida “ex opere operato”, independentemente das disposições pessoais do ministro que administra o sacramento. Em palavras simples, o sacramento oferece a graça, se for aceita, não levando em conta a ação do ministro que deve respeitar apenas a intenção de fazer o que a Igreja faz (Concílio de Trento, Decreto dos Sacramentos, n. 8 - Dz 1.608).
Tal disposição é explicada para salvaguardar a misericórdia de Deus que não vincula o seu agir à dignidade-santidade do ministro.
As passagens que acabamos de mencionar não são – como parecem – apenas “técnicos” e desconectados da realidade, mas servem de pano de fundo para a percepção de que, já quando jovem, o presbítero tem seus deveres.
Ele se sente agregado a “Cristo, cabeça da Igreja” e, portanto, separa suas funções sacerdotais da vida que leva. Caso contrário, não se explicaria a persistência de condutas gravemente pecaminosas.
É um problema sério que foi enfrentado com o chamado “discernimento” em preparação ao sacerdócio: são inúmeros os documentos da Santa Sé e das Conferências Episcopais sobre a preparação para o sacerdócio, mas os resultados não estão alinhados com as expectativas.
No pós-Concílio, foram muitos numerosos os estudos sobre a identidade do presbítero (cf. E. Castellucci, Il Ministero ordinato, Bréscia: Queriniana, 2002, pp. 248-262).
O esforço a ser feito é teológico e jurídico: é preciso redesenhar a figura do presbítero. Obra que ainda não foi completada sequer pelo Concílio, que também insistiu na continuidade entre o povo dos fiéis e seus próprios guias.
Sem cair nas posições de Lutero, é oportuno acentuar as funções que o sacerdote é chamado a desempenhar, desteologizando a acentuação do status presbiteral ou episcopal. Todos somos chamados à santidade, desempenhando cada um dos papéis na Igreja. Portanto, é necessário, por um lado, elevar concretamente a dignidade de todos os batizados, por outro, reduzir as funções próprias daqueles que são chamados a guiar o ensinamento, a santificação, a administração da Igreja.
Enquanto isso, seria possível liberar cada presbítero/bispo de funções administrativo-civis: responsável pela coleta de dinheiro, responsável pela administração dos bens, responsável por aquilo que cada paróquia/diocese precisa materialmente.
Na verdade, já existe um cânone que proíbe atividades de negócios e comerciais: “Proíbe-se aos clérigos que, sem licença da legítima autoridade eclesiástica, exerçam, por si ou por outrem, para utilidade própria ou alheia, negociação ou comércio” (cânone 286).
De fato, uma proibição que nunca surtiu efeito.
De um ponto de vista espiritual, talvez seja útil pedir aos que pretendem ter acesso ao sacerdócio pelo menos uma “promessa” de observar os conselhos evangélicos de pobreza, obediência e castidade.
Sem entrar no complexo mundo dos votos religiosos, é possível encontrar um caminho intermediário que obrigue de maneira determinada aos conselhos evangélicos.
As piedosas exortações parecem não ter obtido resultados. Provavelmente, o medo de permanecer sem presbíteros também levou a seleções sumárias e indulgentes demais.
Não se combate o medo do juízo de escândalo silenciando os erros, mas sim propondo caminhos mais exigentes.
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Padres: na raiz dos escândalos. Artigo de Vinicio Albanesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU