31 Julho 2018
Martha Hennessy teve bastante tempo para uma entrevista. Ela estava em prisão domiciliar em Vermont, aguardando julgamento por entrar na Base de Submarinos Nucleares de Kings Bay com outros seis ativistas para protestar contra as armas nucleares no dia 04 de abril, em St. Mary's, na Geórgia.
A reportagem é de Maria Benevento, publicada por National Catholic Reporter, 30-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Manifestantes bloqueiam a entrada do Portão Principal para a Base Naval Kitsap-Bangor em Silverdale, Washington, no dia 12 de maio em protesto contra a base submarina Trident. (Foto: Glen Milner)
Hennessy, neta da co-fundadora da Catholic Worker, Dorothy Day, não gostava da perspectiva de cumprir a pena em reclusão. Mas esse não foi seu maior medo durante o processo de discernimento. "Levar tiros até a morte pelos militares foi o maior", disse ela.
Os participantes da ação de Kings Bay Ploughshares não são os únicos dispostos a assumir riscos enquanto se opõem às armas nucleares. Feriados, aniversários e dias santos, são momentos populares para ações de resistência.
A ação de Kings Bay foi na mesma data do assassinato de Martin Luther King Jr. Outros exemplos incluem protestos anuais no Lawrence Livermore National Laboratory, em Livermore, na Califórnia, realizado na Sexta-Feira Santa e nos aniversários dos atentados de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Os protestos da Sexta-feira Santa aconteceram por mais de três décadas. Dezenas de pessoas foram detidas no último.
Dez pessoas também foram citadas em maio por invadirem um protesto pela paz no Dia das Mães, contra a base de submarinos Trident, localizada na Base Naval de Kitsap-Bangor, em Silverdale, Washington. Mais tarde naquele mês, 06 prisões foram feitas na Base da Força Aérea Hanscom em Lincoln, Massachusetts. Cinco foram presos num protesto anual do Memorial Day em Kansas City, Missouri, no National Security Campus.
Tais ações podem simplesmente envolver ativistas bloqueando um portão ou cruzando uma linha sobre uma base e sendo brevemente detidos. Porém, ações mais intensas, muitas vezes associadas ao movimento Ploughshares, podem envolver a destruição de propriedade e levar a anos de prisão.
As dominicanas Carol Gilbert e Ardeth Platte participaram de várias ações do Ploughshares, o que as levou a passar anos na prisão, mais precisamente 33 e 41 meses, respectivamente. As duas irmãs dizem que estão envolvidas numa resistência civil - se opondo aos crimes do governo - em vez de desobediência civil - quebrando uma lei injusta.
"Todas as leis da terra indicam o fato de que não devemos matar civis", disse Platte, observando que ela e Gilbert têm trabalhado para tornar a lei ainda mais clara.
Ambas fazem parte da Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2017 por ajudar a criar o Tratado da ONU sobre a Proibição de Armas Nucleares. Platte e Gilbert entregaram recentemente cópias do tratado ao Pentágono e a bases militares, dizendo às autoridades que não querem ser presas, mas que vão ficar lá até que alguém receba o documento.
"É realmente importante que ninguém escolha ser preso. Você fala a verdade ao poder, escolhe fazer uma ação ou ser testemunha", afirma Gilbert.
Brian Terrell segura placa do lado de fora do
National Security Campus, no Kansas City, Missouri,
em um protesto contra as armas nucleares.
Terrell foi preso junto com outros cinco
depois de atravessar a linha de invasão na base.
(Foto: Molly Minnerath)
No entanto, quando os ativistas são presos, muitos consideram a experiência parte de seu Ministério. Os protestos se tornam ações políticas quando os ativistas têm a chance de pedir a um tribunal "para apoiar e defender as leis da terra - o que torna criminoso ameaçar o uso dessas armas de destruição em massa no povo de Deus", disse Platte.
"Estamos buscando a absolvição", disse Hennessy, sobre o grupo Kings Bay Ploughshares. "Nós realmente queremos que os tribunais federais analisem a legalidade das armas nucleares. Nosso objetivo é colocá-las em julgamento", completou ela.
O tempo gasto na cadeia também não é desperdiçado. "Para nós, os termos da prisão também são ministérios, embora sejam muito difíceis", disse Platte, que descreveu acompanhar os internos doentes.
O tempo de prisão "dá às pessoas da classe média uma oportunidade de entrar e ver como esses lugares são horríveis", disse Gilbert.
Durante os dois meses que Hennessy passou recentemente na cadeia, "a corrupção e a imperícia do sistema judiciário no sudeste da Geórgia ficaram muito claras", disse ela. Sob prisão domiciliar, ela escreve artigos, faz telefonemas em nome das mulheres que conheceu na prisão e tenta envolver a mídia.
Hennessy descobriu que a resposta à sua ação, mesmo nos círculos católicos e pacificadores, não é totalmente positiva.
"Essa não é necessariamente uma ação que todos possam participar, ou mesmo aprovar. Eu entendo perfeitamente", disse Hennessy.
A impraticabilidade das ações da Ploughshares é uma preocupação que os ativistas devem considerar, disse David Cortright, diretor de estudos de políticas do Instituto Kroc para Estudos sobre a Paz Internacional da Universidade de Notre Dame e especialista em mudança social não violenta e desarmamento nuclear.
"Os movimentos são bem sucedidos quando se têm uma base mais ampla de apoio e nossas ações não estão construindo essa base. Isso não significa que eles estão errados e devemos detê-los, mas também podemos pensar em outras ações", disse
Cortright, que foi preso várias vezes em protesto contra o teste nuclear e o apartheid. Ele também afirma que o risco de prisão pode ser uma tática eficaz para a mudança social.
"A disposição das pessoas para sacrificar, até mesmo sofrer, em nome de uma causa e agir sempre de forma não-violenta, pode ser eficaz para alcançar o coração das pessoas, ajudar a dramatizar a injustiça e atrair a atenção", disse Cortright.
No entanto, ele acrescentou, nem todas as ações são igualmente eficazes. O risco de prisão pode ser mais convincente quando faz parte de um movimento maior, quando é combinado com a uma articulação legislativa e quando não se torna rotina.
Observando a controvérsia em torno de ações que envolvem uma quebra de segurança em bases militares, Cortright disse que não tinha certeza se tais ações eram mais eficazes, mas também as descreveu como "testemunho moral, para nos lembrar de uma injustiça, mesmo quando não é um grande movimento e nem há muita perspectiva real imediata de mudança".
“Em uma época em que muitos ignoram a ameaça de armas nucleares, os ativistas estão se sacrificando para lembrar que não podemos nos dar ao luxo de sermos complacentes diante da horrível ameaça de aniquilação nuclear", disse Cortright.
Sete católicos que se intitulam Kings Bay Plowshares são vistos no início de abril, antes de entrarem na Base Submarina Naval de Kings Bay, na Geórgia, para protestar contra as armas nucleares. Eles foram presos e acusados de conspiração, invasão, destruição e depredação de propriedade. (Foto: CNS/Kings Bay Ploughshares)
Os ativistas encontram várias fontes de esperança e inspiração em seu trabalho, para criar mudanças quando isso parece impossível.
Hennessy pratica a gratidão, inspirada no "Little Way" de Santa Teresa de Lisieux. "Quando você está na cadeia, tudo é retirado de você, então até mesmo o menor item se torna bastante precioso", disse Hennessy.
Platte, de 82 anos, tem a sua fonte de esperança dos jovens e de seus recentes sucessos, com a Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares.
"Quando entramos nas Nações Unidas para fazer parte do desenvolvimento da política, tive a esperança em gerações futuras como nunca antes. Estou mais viva agora nesses anos do que em todos os outros através de ações diretas. Quando você está cumprindo seu ministério, isso é um presente, mas não posso dizer que tem sido fácil", afirma Platte.
Gilbert concordou, mas também descreveu como a fé pode fornecer apoio através de falhas aparentes. "Não é sobre o sucesso. Eu fui fiel? Eu estava tentando fazer o que precisava ser feito?", ressaltou Gilbert.
O desejo de preservar a integridade pessoal por não permanecer em silêncio e, portanto, consentir com a injustiça também pode inspirar a ação, disse Cortright.
"Nós temos que ser contra a loucura ou seremos consumidos por ela. Eu discordo da violência, discordo da guerra e dessas armas e acredito que tenho que agir sobre isso e falar quando a ocasião surgir", disse Hennessy.
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Ativistas arriscam sua liberdade para manter seu "testemunho moral" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU