25 Julho 2018
Agricultura de vários vegetais diferentes. Fogo. Desmatamento controlado. Uso de fertilizantes. Em pesquisa conduzida pela Universidade de Exeter, do Reino Unido, arqueólogos, ecologistas, botânicos e paleoecologistas descobriram que a Floresta Amazônica, ao contrário do que se supunha, não era um santuário verde intocado pelas mãos humanas há 4,5 mil anos.
A reportagem é de Edison Veiga, publicada por BBC News, 23-07-2018.
Desde essa época, no mínimo, houve interferência do homem na natureza da região. E, conforme o estudo mostra, efeitos dessa interação estão presentes ainda hoje.
“Os agricultores ancestrais da Amazônia souberam como enriquecer o solo com nutrientes, criando a chamada Amazon Dark Earth (ADE)”, comenta a paleoecologista e arqueóloga Yoshi Maezumi, da Universidade de Exeter. “Em vez de expandir a terra desmatada, para aumentar a agricultura, eles melhoraram o solo, em uma forma mais sustentável de produção.”
Sim, havia sustentabilidade na mentalidade dos primeiros agricultores da Amazônia.
Essa ADE é conhecida popularmente como terra-preta ou terra-preta-de-índio. Trata-se de um tipo de solo muito escuro, como o nome indica, e extremamente fértil. É encontrado principalmente na Amazônia.
Ao longo das últimas décadas, uma série de estudos buscou explicar a origem dessa terra. Hipóteses foram aventadas: seria um solo resultante de cinzas vulcânicas oriundas dos Andes e depositadas na Amazônia. Ou resultado de sedimentação em lagos formados em antigos períodos geológicos.
Mais recentemente, muitos cientistas vinham sugerindo uma origem antrópica – ou seja, resultante da ação humana. Análises profundas desse solo permitem identificar uma combinação de matéria orgânica vegetal e animal, vegetais carbonizados e resquícios de cerâmica.
A pesquisa, publicada nesta segunda-feira no periódico científico Nature Plants, concluiu que essa ação humana ancestral, portanto, teve impacto duradouro – já que o solo é presente até hoje na região.
“O trabalho dos primeiros agricultores amazônicos deixou um legado duradouro”, comenta o arqueólogo e botânico José Iriarte, também da Universidade de Exeter. “A forma como comunidades indígenas administraram a terra há milhares de anos ainda molda ecossistemas florestais modernos.”
A agricultura era de múltiplos vegetais. Com base nos indícios encontrados em carvão, pólen e plantas em sítios arqueológicos e sedimentos de um lago, a equipe de cientistas concluiu que os seres humanos que ocupavam a região plantavam milho, batata-doce, abóbora e mandioca, pelo menos.
Para melhorar a produtividade do solo, esses agricultores ancestrais tinham suas técnicas de adubação: realizavam queimadas organizadas e adicionavam à terra esterco animal e restos de comida. Eis a provável origem da terra-preta, portanto.
De acordo com os pesquisadores de Exeter, foi esse desenvolvimento do solo que propiciou que, na época, a agricultura amazônica não se circunscrevesse às várzeas dos rios, naturalmente mais férteis, e pudesse adentrar para regiões onde o solo, originalmente, era mais pobre.
“Essas comunidades provavelmente removeram algumas árvores e ervas daninhas a fim de terem espaço para seus cultivos. Mas mantiveram uma floresta primária fechada, que se transformou ao ser enriquecida com plantas comestíveis”, explica Maezumi. “Ou seja: era uma maneira muito diferente da atual exploração da Amazônia.” A pesquisadora se refere aos desmatamentos contemporâneos, em que grandes extensões de terra amazônica dão lugar a plantações de grãos e criação de gado.
“Os conservacionistas modernos podem tirar lições de como os indígenas usavam a terra amazônica. E esse manejo pode ajudar a proteger as florestas modernas”, diz ela. “É importante lembrar como o desmatamento moderno e as plantações agrícolas se expandem pela Bacia Amazônica”, complementa Iriarte.
É a primeira vez que pesquisadores publicam um estudo sobre o uso de longo prazo da terra – e do manejo do fogo – na região amazônica.
Mas não é de agora que os cientistas de Exeter estão de olho nas possibilidades científicas oferecidas pela Amazônia. Em março deste ano, pesquisadores da mesma universidade – boa parte deles, integrantes também do estudo publicado nesta segunda – identificaram que, entre os anos de 1200 e 1450, pelo menos 81 aldeias reuniam uma população de entre 500 mil e 1 milhão de pessoas na região da maior floresta do mundo.
Na ocasião foi destacado como um aspecto interessante o fato de as tribos ficarem distantes dos principais rios – a explicação pode estar justamente no fato do agora descoberto domínio de técnicas de fertilização do solo, ou seja, os habitantes ancestrais da região não dependiam tanto assim das várzeas. Justamente nos pontos onde estavam as aldeias, os pesquisadores encontraram a terra-preta.
Nessa pesquisa, os cientistas se basearam em imagens aéreas de regiões hoje desmatadas da florestas. E identificaram uma série de geoglifos, ou seja, valas cavadas no solo em formatos geométricos.
A principal teoria é a de que essa valas serviam para demarcar as vilas fortificadas.
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Cientistas descobrem indícios de que Amazônia tinha agricultura há 4,5 mil anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU