Estados Unidos. Cori Bush: jovem, negra e progressista

Cori Bush (Fonte: Página/12)

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

24 Julho 2018

Cori Bush é mulher, negra, mãe solteira e enfermeira. Também foi vítima de um ataque sexual. Integra o que nos Estados Unidos agora se chama Brand News Congress, que traduzido quer dizer um Congresso completamente novo. O espaço em crescimento que almeja conquistar cadeiras no Senado e na Câmara dos Representantes, a partir da ala esquerda do Partido Democrata.

A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 23-07-2018. A tradução é do Cepat.

Simboliza amplamente o perfil do candidato ou candidata que se constituiu a partir de baixo. Desconhecida para o mundo da política profissional, trabalhadora, marginalizada, uma militante que está a caminho de se apresentar como opção de peso eleitoral, após o êxito em Nova York de Alexandria Ocasio-Cortez, a jovem de 28 anos de origem porto-riquenha que se define socialista. Entre ambas se gerou uma corrente de empatia. A vencedora nas primárias do dia 26 de junho tentará conduzir sua companheira ao êxito. Irá apoiá-la na campanha para as eleições em Missouri, no dia 7 de agosto. Pedirá o voto boca a boca, de porta em porta.

A vida de Bush em Saint Louis, a principal cidade do Estado do Meio Oeste, não é e nem foi fácil. Mãe de dois filhos, especializada na área de saúde mental, ordenada como pastora evangélica, é uma ativista social que começou a consolidar sua trajetória após a repressão à comunidade de Ferguson, um condado de Saint Louis. O mesmo onde a polícia assassinou o jovem negro Michel Brown, em 2014. Não é a primeira vez que Cori se apresentará a uma pré-candidatura democrata. Nas eleições de 2016, perdeu a disputa interna para Jason Kander (69,9 a 13,3%), mas não se amedrontou. Seu vencedor, na sequência, perderia a vaga na disputa com o republicano Roy Blunt. Um golpe que no Estado fortaleceu a vitória de Donald Trump, conduzindo-o à presidência.

A aspirante a representar Missouri também participa do Projeto Ferguson está dizendo a Verdade (Fergunson Truth Telling Project). Contudo, mesmo com as expectativas que sua pré-candidatura desperta entre os setores avançados, o aval do Brand New Congress e a maré que o fenômeno de Ocasio-Cortez traz, não será fácil para Bush. Precisará derrotar William Lacy Jr., um democrata negro que é filho de um dirigente histórico do partido em Saint Louis. Ocupa uma cadeira no Congresso desde 2001. Em um Estado que historicamente tem sido democrata, equivale a ser quase como um representante vitalício.

Bush, em Missouri, Jess King, na Pensilvânia, e Kerry Evelyn Harris, em Delaware, procuram conquistar uma vaga pelo Partido Democrata, a partir dessa porção do partido em contínuo movimento que seguiu Bernie Sanders nas eleições presidenciais de 2016. A militante pelos mais pobres do Estado rejeita, assim como todo o espaço do Brad New Congress, as doações das grandes corporações que sustentam o sistema bipartidário.

Os Estados Unidos são regidos por uma forma de financiamento da política e seus políticos – que não impõe limite ao lobby empresário – e aprofunda as desigualdades econômicas com forças menores como a esquerda independente ou os verdes, de escassa representação eleitoral. O segmento do qual Bush participa colocou como meta encontrar uns quatrocentos candidatos para desafiar os próprios democratas, assim como os republicanos. Fizeram sua campanha nas ruas, com organizações de base e lugares de trabalho para selecionar docentes, gente da saúde como Cori, operários nas fábricas, comerciantes em pequenos negócios, líderes comunitários e, em geral, pessoas que nunca ocuparam cargos públicos.

Ocasio-Cortez é a candidata que melhor expressa esse perfil buscado pelo Brand New Congress. No dia em que venceu o veterano Joe Crowley para a indicação democrata, algo novo produziu nas bases do partido dos Kennedy. Nem sequer é uma política profissional como Sanders, o senador por Vermont que ocupa uma cadeira desde 2007 e que colocou em risco a candidatura de Hillary Clinton à presidência. A jovem de Nova York é mais jovem que a enfermeira Bush, que tem 41 anos. O sopro de ar fresco que ela representa necessita de Cori e de outras companheiras para elevar as reivindicações da classe trabalhadora que foram ignoradas pelos dois partidos onipresentes dos Estados Unidos. Quando Ocasio-Cortez venceu as primárias, tuitou que seriam mais junto com a ativista de Missouri. A resposta não demorou: “Meu Deus, meu telefone, meu Facebook, meu Twitter, meu Instagram, tudo está explodindo. Não posso seguir o ritmo!”, disse a agora pré-candidata.

Entre suas propostas de campanha, Bush – diferente do clã mais famoso com o qual compartilha apenas o sobrenome – promete políticas que melhorem a saúde da população, como um medicare para todos, a moradia, o meio ambiente, medidas que vão contra o racismo e as desigualdades de gênero e que aumentem o salário mínimo. Uma agenda que não conta para Trump e nem para os conservadores que abundam entre os democratas.

Nancy Pelosi, líder da minoria de seu partido na Câmara dos Representantes, minimizou a importância do triunfo de Ocasio-Cortez. Era aliada do derrotado Crowley e foi evasiva na coletiva de imprensa posterior à disputa interna. Os jornalistas lhe perguntavam e ela buscava mudar o assunto. É evidente que se sente incômoda com o novo cenário que a esquerda de seu partido apresenta.

Bush, a Bush jovem, negra e progressista, conta que Missouri nunca elegeu uma congressista como ela. Está convencida de que poderá replicar, no próximo dia 7 de agosto, a vitória de Ocasio-Cortez. “O que a gente acaba de presenciar em Nova York, isso também é factível aqui, caso façamos juntos”, confia. “É hora de deixar de olhar para isso como se não pudesse ocorrer”, disse, como que para dispor que confia em sua nova estrela e a do espaço que integra. Paras os padrões dos Estados Unidos, é o limiar de um redemoinho político que ameaça sua ordem conservadora tão emblemática.

Leia mais