13 Junho 2018
No dia 9 de junho, jesuítas em todo o país comemoraram as ordenações de 21 novos sacerdotes. Contrariamente ao protocolo padrão, sediadas numa instituição jesuíta, as ordenações se deram numa pequena paróquia diocesana a apenas uma milha da fronteira EUA-México. A iniciativa veio dos Jesuítas do Oeste dos EUA.
A reportagem é de Jim McDermott, publicada por National Catholic Reporter, 12-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Robert McElroy, bispo de San Diego, abençoa o jesuíta recém ordenado Alejandro Báez (Foto: Jon Rou /NCR Online)
Neste momento em que o tratamento de imigrantes nos Estados Unidos piora a cada dia com a fiscalização aduaneira parecendo sair para caçar, deportar e aterrorizar pessoas cujos documentos podem não estar em ordem, tal movimento tem óbvia implicação política. Mas para os envolvidos, a escolha não foi sobre a polêmica, mas a realidade humilde e acolhedora do Reino de Deus.
Começou com um simples pedido. Três dos cinco homens ordenados para a Província jesuíta do oeste eram imigrantes; os outros dois haviam trabalhado com imigrantes na fronteira. Prestes a ser ordenado jesuíta Elías Puentes se perguntou se o bispo que o ordenaria poderia ser alguém que pudesse falar com experiência de imigrante.
Para o padre jesuíta Scott Santarosa, que, em julho de 2017, foi encarregado das províncias recentemente aglutinadas de Oregon e Califórnia, a dúvida de Puentes parecia ser uma oportunidade.
"Dada a nossa nova província na fronteira do México, por que não fazemos a ordenação mais próxima da experiência imigrante?" disse Santarosa.
As complexidades que um outro ordenando, Roberto Carlos Durán enfrentou para renovar seu visto, o levou a eventualmente ter que retornar a El Salvador para ser ordenado, confirmou ainda mais o valor de tal movimento por parte de Santarosa.
Uma ligação para San Diego levou o bispo Robert McElroy à ideia de celebrar as ordenações no Carmelo Nossa Senhora do Monte em San Ysidro (San Diego, EUA). Finalmente, no dia 9 de junho, Puentes, J.T. Tanner, Alejandro Báez e Thomas Flowers foram ordenados no Monte Carmelo, uma paróquia não só fisicamente perto da fronteira, mas com uma vista extraordinária de Tijuana, México.
Ordenações jesuítas são geralmente ocasiões de grande celebração, incenso subindo ao alto, ricas harmonias de grandes coros ecoando no espaço sagrado. São momentos que celebram as humildes auto-ofertas dos bons homens para uma Igreja que parece antiga e transcendente.
O Carmelo Nossa Senhora do Monte não é uma Igreja assim. Somente um andar de forma octagonal. Talvez com 15 passos se atravesse a igreja. Não há nenhum coro aqui, sem vigas altivas ou paisagens majestosas. Ao invés de uma maravilhosa vista de longe, as celebrações litúrgicas aqui são como se ocorressem em uma casa de família. Tudo é íntimo e cheio de ternura.
Apesar da pequena Igreja, a comunidade, cuja maioria tem o espanhol como língua, conta com 800 a 900 pessoas presentes em cada uma das oito missas do final de semana, de acordo com o diácono de longa data José Luis Medina.
Paroquianos vêm de ambos os lados da fronteira e incluem membros da patrulha aduaneira dos Estados Unidos e a polícia local. O espírito da paróquia de 91 anos de idade, diz Medina, é uma das boas-vindas. "Esta paróquia é como uma casa para todos", disse ele.
Essa mensagem ressoa fortemente com o recém-ordenado Puentes, 46, que veio para Los Angeles de uma vila no México quando era adolescente. Durante sua juventude, seus pais viajaram através da fronteira regularmente, para ganhar dinheiro nos EUA e em seguida, retornar para o México para criar ele e seus três irmãos mais velhos. "Eventualmente, minha mãe cansou do vai-e-vem, e um dia disse que nós todos iríamos junto para o outro lado da fronteira", disse ele.
Nos EUA, sua família inicialmente não tinha documentos, mas sua experiência foi vastamente diferente do que as pessoas passam por hoje.
"Naquela época, estar em situação irregular não tinha problema", disse. "Você não se envergonhava disso. Agora, existe este estigma”
Puentes está preocupado com o impacto da política federal de imigrantes.
"Quando estou em um aeroporto, não em Los Angeles, mas em algum lugar como Nashville, Tennessee, estou muito ciente de que não sou uma pessoa estadunidense, que sou um imigrante", disse ele. "Fui visitar minha mãe, e ao longo da rodovia você vê as patrulhas de fronteira. Se você está com documentos ou é imigrante, isso cria um senso de repressão."
"Esse tipo de divisão e preconceito", disse, é algo "que todos nós carregamos de qualquer maneira. Mas essa onda de demonizar os imigrantes agudizou o problema. E quanto tempo vai demorar a curar isso?"
Para Puentes, ter a ordenação na fronteira foi uma oportunidade para a Companhia de Jesus compartilhar a experiência do imigrante. "Ser imigrante, é ir embora e, então, depender da generosidade das pessoas que vão o receber. Você não está em casa", disse ele.
O companheiro recém-ordenado padre jesuíta Tanner, 36, tem uma compreensão semelhante. Ele se lembra de crescer em Thousand Oaks, Califórnia, e de como os brancos falavam "daquela parte da cidade" onde muitos imigrantes mexicanos viviam.
"Na escola, as crianças que viviam naquela 'parte da cidade', estavam na aula com a gente, eles brincavam com a gente", disse ele. "Então de repente você está trabalhando junto com eles, eles são seus melhores amigos."
Tanner estudou teologia na Colômbia e passou um ano trabalhando na Kino Boarder Initiative, que trabalha com migrantes em ambos os lados da fronteira.
"Você ouve histórias de pais que só querem voltar para perto de suas crianças, que trabalharam por dois ou três anos para economizar dinheiro, gastaram com os traficantes, os coiotes para cruzar a fronteira, e então não deu certo", disse ele. "Assim todo aquele dinheiro de dois ou três anos se foi. E então eles fazem tudo de novo. Eles podem tentar duas, três, quatro ou cinco vezes."
Ele acha as ideias do típico americano sobre imigrantes indocumentados totalmente inadequadas para o que ele viu.
"As mulheres que se vendem para conseguir o dinheiro, pessoas que amam a Deus e fariam qualquer coisa para atravessar — as pessoas não fazem esse tipo de coisa só porque querem uma vida melhor. Esta narrativa que repetimos às vezes sem nos darmos conta está errada. Eles fazem isso por outras razões."
Para ele, a ideia de celebrar a ordenação em uma paróquia normal perto da fronteira foi abraçar a realidade da Igreja hoje.
"Há algo muito bonito quando temos nossa ordenação naqueles grandes lugares", disse ele, "mas de certa forma, é criar nossa própria imagem do que achamos que é a Igreja, ou o que era."
"Ir para a Igreja deve ser uma experiência de ver o que o mundo é em todo seu sofrimento e beleza. Eu gostaria de pensar que isto é o que estamos fazendo."
"A fronteira é uma ponte ou uma barreira que vemos diante de nós?", perguntou McElroy às mais de mil pessoas dentro e fora da Igreja numa homilia preenchida com poesia e desafio.
A fronteira "pulsa com sonhos, esperanças e sofrimento, e procura a graça de Deus", disse ele.
Para ser Igreja, disse, é recusar a aceitar a validade de quaisquer barreiras que se colocam entre nós.
"Nas palavras do profeta [Isaías]", disse ele, "Deus está revelando que aqueles que foram marginalizados aos olhos do mundo e muitas vezes aos olhos da Igreja, agora devem ser abraçados. A exclusão tão profunda e pecaminosamente enraizada no coração humano deve ser substituída por um sentimento radical de inclusão que torna todos os homens e mulheres verdadeiramente bem-vindos."
A missão da Igreja e de seus sacerdotes, disse o bispo, é seguir o chamado do Papa Francisco a "ver com novos olhos e construir pontes onde antes havia barreiras."
Bispo McElroy (meio) e os jesuítas recém ordenados (da esquerda para direita) J.T. Tanner, Elías Puentes, Alejandro Báez and Thomas Flowers. (Foto: Jon Rou /NCR Online)
Pela manhã, antes da ordenação, crianças da escola do Monte Carmelo realizam sua missa de fim de ano. Foi também a festa do Sagrado Coração de Jesus e então os alunos sentaram, vestindo blusas azuis escuras e brilhantes camisas brancas, e ouviram um de seus pares ler uma oração ao sagrado coração.
O que significa a oração, perguntou o padre Jose Castillo ao leitor, um estudante da sétima série.
"Significa que Jesus realmente tem um coração sagrado, como nós", respondeu o rapaz. "Que esta é a prova de que ele nos ama."
"Nós nunca vimos nada assim," disse o paroquiano Angel Carrara.
Os coordenadores da juventude da paróquia Gabriela e Tony Medina concordaram. "Vê-los todos juntos aqui, essas pessoas que você procura quando precisa de algo, foi lindo", disse Gabriela Medina.
"Tudo foi tão alegre", disse Tony Medina. "Estamos esperando há meses para fazer parte dela. Isso foi a nossa bênção."
Enquanto os mariachis tocavam, a Comunidade se reuniu na praça da paróquia para comemorar seus novos sacerdotes. A névoa da manhã decolou nas montanhas próximas e surgiu a cidade de Tijuana.
A esta distância, o México não é uma questão política ou até mesmo outro país. Mas um mundo digno de atenção e imaginação. Ao invés de um problema ou de uma barreira, nesta bela manhã o que fica claro é a sensação de receber um convite.
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EUA. Ordenações na fronteira: jesuítas levam rito à pequena igreja perto do México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU