14 Mai 2018
É um assunto espinhoso, discutido há anos, abordado desde os tempos do Concílio Ecumênico Vaticano II. O recente documento da Conferência Episcopal Alemã, que abria de modo sistemático para a possibilidade de o cônjuge protestante ter acesso à eucaristia participando da missa com o esposo ou a esposa católicos (depois de um prévio colóquio com um sacerdote e da prévia adesão àquilo que a Igreja Católica crê a respeito do sacramento), aprovado pela maioria, provocou uma carta de sete bispos que apelaram a Roma.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 13-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Realizou-se uma reunião na Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo prefeito, o arcebispo Luis Ladaria Ferrer, e, no fim, Francisco devolveu a questão para a Conferência Episcopal Alemã, pedindo que chegue a uma formulação que, possivelmente, seja unânime. A decisão de Francisco provocou respostas indignadas, não apenas por parte dos habituais blogueiros clericais que se erguem a mestres de teologia e submetem todos aos seus exames de doutrina antes mesmo de conhecer as decisões que serão tomadas.
Reações, para dizer o mínimo, surpreendentes também foram registradas por parte de eminentes eclesiásticos, como o cardeal arcebispo de Utrecht, Willem Jacobus Eijk, que chegou a evocar visões apocalípticas de apostasia da verdadeira fé.
Enquanto a polêmica enfurece, o Vatican Insider dirigiu algumas perguntas ao teólogo alemão Walter Kasper, nomeado bispo de Stuttgart, depois chamado a Roma para chefiar o dicastério para a promoção da unidade dos cristãos e, por fim, criado cardeal por São João Paulo II.
Eminência, falemos da intercomunhão, um problema que subiu ao palco da crônica eclesiais após a aprovação do documento dos bispos alemães, a carta de sete deles que apelavam a Roma e a decisão do papa de devolver a discussão no âmbito da Conferência Episcopal...
Acima de tudo, eu gostaria de fazer uma premissa. A intercomunhão é um tema e um conceito discutido há muitos anos e em âmbitos ecumênicos muito diversos, não apenas alemães. É um tema não só explosivo, mas também equivocado na sua formulação. Teologicamente, trata-se da comunhão ou admissão à comunhão, que é sempre comunhão eucarística e, ao mesmo tempo, comunhão eclesial. O termo “inter” sugere um estado entre diversas comunhões eclesiais, que, em forma de diálogo, cooperação, amizade, é possível ou, melhor, desejável. Mas não pode haver “inter-sacramentos”: os sacramentos são sempre sacramentos de uma Igreja ou em uma Igreja. O termo intercomunhão, portanto, é enganoso e deve ser evitado. O documento (majoritário) da Conferência Episcopal Alemã não fala de intercomunhão, como alguns de seus adversários apontam.
Então, deixemos de lado o termo enganoso de “intercomunhão” e falemos da possibilidade de que, em alguns casos, os cônjuges protestantes possam fazer a comunhão participando na missa do esposo ou da esposa católicos. Quais são os documentos do magistério à luz dos quais é possível abordar essa questão?
O texto fundamental para resolver o problema não é o cânone 844 § 3º do Código de Direito Canônico, que é um texto jurídico e muito discutido também entre os canonistas, mas o último parágrafo do número 8 do decreto conciliar Unitatis redintegratio, que é um texto magistral, que deve ser retomado e confirmado. O texto do Concílio faz três afirmações. A primeira: “Não é lícito considerar a communicatio in sacris como um meio a ser aplicado indiscriminadamente na restauração da unidade dos cristãos”. A segunda: “Esta communicatio depende principalmente de dois princípios: da necessidade de testemunhar a unidade da Igreja e da participação nos meios da graça”. A terceira: “Sobre o modo concreto de agir, decida prudentemente a autoridade episcopal local, considerando todas as circunstâncias dos tempos, lugares e pessoas”.
Portanto, existe uma competência dos bispos locais para abordar casos particulares, já estabelecida pelo Concílio Ecumênico Vaticano II...
Sim, existe uma competência da autoridade local para o chamado “Einzelfall” (caso particular). Mas a teoria do “Einzelfall” não é uma invenção inteligente, mas está fundamentada em um texto conciliar, que, em última análise, remonta a uma teoria tomista segundo a qual as regras gerais valem “ut in pluribus” e devem ser aplicadas de acordo com a virtude cardeal da prudência inspirada na caridade. Obviamente, tal aplicação não se faz arbitrariamente, mas deve ser regida pelo princípio supremo da salus animarum, a salvação das almas (CIC cân. 1.752).
Infelizmente, na discussão controversa, esse segundo princípio é frequentemente abandonado, e a discussão se concentra unilateralmente no primeiro princípio, o da unidade da Igreja. Esse segundo princípio não deve ser reduzido a um tema pastoral (em um sentido muitas vezes superficial), mas está fundamentado na própria teologia sacramental e, portanto, não há o problema de uma contraposição entre doutrina e pastoral, mas sim de um nivelamento entre dois princípios doutrinais.
O que o senhor acha do esboço de documento pastoral da Conferência Episcopal Alemã que abria para a possibilidade, sob certas condições, do acesso à eucaristia para o cônjuge protestante?
O texto é sério e, substancialmente, é aceitável, embora em alguns detalhes eu teria hesitações, especialmente sobre a exegese do cânone 844 § 3º, muito discutido pelos canonistas e teologicamente não mais à altura da discussão teológico-ecumênica. Enquanto isso, duas encíclicas de João Paulo II, Ut unum sint (1995) e Ecclesia de Eucharistia (2003), formularam uma posição mais avançada que pode ser a norma interpretativa do cânone em plena sintonia com o Concílio Vaticano II.
Na primeira das duas encíclicas do Papa Wojtyla, no número 46, lemos: “É motivo de alegria lembrar que os ministros católicos podem, em determinados casos particulares, administrar os sacramentos da Eucaristia, da Penitência, da Unção dos Enfermos a outros cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica, mas que desejam ardentemente recebê-los, pedem-nos livremente, e manifestam a fé que a Igreja Católica professa nestes sacramentos”.
Enquanto na segunda encíclica do mesmo pontífice, no número 45, lemos: “Se não é legítima em caso algum a concelebração quando falta a plena comunhão, o mesmo não acontece relativamente à administração da Eucaristia, em circunstâncias especiais, a indivíduos pertencentes a Igrejas ou Comunidades eclesiais que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica. De fato, neste caso tem-se como objetivo prover a uma grave necessidade espiritual em ordem à salvação eterna dos fiéis”.
Qual é o significado dessas duas afirmações de João Paulo II?
As duas encíclicas insistem muito na adesão da parte protestante à doutrina católica sobre a eucaristia, isto é, no fato de manifestar “a fé que a Igreja Católica confessa”, para citar o próprio João Paulo II. Isso me parece ser muito importante, porque os sacramentos são sacramentos da fé. Para um verdadeiro luterano, que se baseia nos escritos confessionais, a presença real de Cristo na eucaristia é óbvia. O problema são os protestantes liberais e os reformados (calvinistas). Principalmente com eles, o problema deve ser esclarecido nas conversas pastorais. É claro, não se pode exigir de um protestante aquilo que normalmente se exige de um católico. Basta crer: “Isto é (est) o corpo de Cristo, dado por vós”. Sobre isso, Lutero também insistiu muito. As doutrinas mais desenvolvidas sobre a transubstanciação ou consubstanciação são conhecidas até mesmo por um fiel católico “normal”...
Trata-se de um assunto discutido há muitos anos, especialmente e sobretudo na Igreja da Alemanha. O senhor pode recordar como e quando começou a se falar sobre isso e como o episcopado alemão lidou com isso?
É um tema do ecumenismo internacional e não só alemão. Nesse contexto, não é possível repassar toda a sua história. Gostaria apenas de dizer que na, Alemanha, temos uma situação particular, que é muito diferente de países na sua maioria tradicionalmente católicos, como a Itália, a Polônia etc... Na Alemanha, atualmente, os fiéis católicos e protestantes são a metade. Metade! Os casamentos biconfessionais são 40%, portanto, um percentual muito alto. Por outro lado, muitas dessas pessoas são indiferentes, enquanto a parte interessada é um número muito reduzido: somente se fala deles nesse contexto. Se essas pessoas, em um contexto bastante secularizado, são verdadeiros fiéis que creem e estão unidos no mesmo batismo e, portanto, fazem parte da única Igreja de Cristo (embora não em plena comunhão), e, além disso, estão ligados no mesmo sacramento do matrimônio e representam o mistério da união entre Cristo e a sua Igreja e o vivem, eles são, junto com seus filhos, uma Igreja doméstica. É normal que sintam o desejo íntimo de também compartilhar a eucaristia. Se compartilham também a fé eucarística católica, o que impede...? (cf. Atos dos Apóstolos 7, 37; 10, 47).
O que o senhor acha da carta dos sete bispos contrários ao documento da Conferência Episcopal, que apelaram a Roma?
Eu não sou um professor dos outros irmãos bispos, mas acho que os problemas podem ser resolvidos à luz do que eu afirmei antes.
Houve o encontro na Congregação para a Doutrina da Fé que se concluiu com a decisão do papa de devolver novamente a discussão para o episcopado, para que seja encontrada uma posição possivelmente unânime. Esse gesto de Francisco foi duramente criticado por aqueles que esperavam uma imediata resposta negativa de autoridade. O que se pode dizer?
Acho que o papa deu uma resposta muito sábia. Ele permaneceu em plena sintonia com a ideia da sinodalidade da Igreja. Mas também assinalou que, sobre as questões fundamentais, não basta uma maioria do ponto de vista canônico legal; é preciso unanimidade. A declaração à imprensa deixou claro que existem razões dos dois lados que podem servir para melhorar o texto. Nenhuma parte perdeu. Na minha opinião, há espaço para uma continuação da discussão e para uma reconciliação que não seria um compromisso pouco sério. O mais importante, na minha opinião, será aprofundar o problema pastoral.
A que o senhor se refere quando fala de “problema pastoral”?
Penso na admoestação do apóstolo Paulo, examinar a si mesmo para verificar se é possível comer e beber do altar (1Cor 11, 26): uma indicação que não é apenas para os protestantes, mas também para os católicos. As perguntas iniciais são as mesmas: eu realmente acredito no mistério eucarístico e a minha conduta de vida está em sintonia com aquilo que se celebra e que está presente na eucaristia? Lacunas e problemas de fé e de comportamento moral são encontrados não só nos protestantes, mas muitas vezes nos católicos que, hoje em dia, regularmente vão receber a Sagrada Comunhão. Por outro lado, conheço muitos bons luteranos que têm uma fé e uma vida cristã superiores às de muitos católicos.
Nos anos de seu episcopado em Stuttgart, como o senhor abordou esse problema em particular?
Como bispo de uma diocese em uma região cuja população é católica em um terço, em um terço protestante e no restante indiferente, eu nunca fiz uma declaração oficial. Mas eu soube que (assim como todos os outros bispos sabem, mesmo aqueles que agora são contrários ao documento da maioria da Conferência Episcopal), que, na prática cotidiana das paróquias, desenvolveu-se ou, pelo menos, está se desenvolvendo a prática segundo a qual, em um casamento biconfessional, os parceiros protestantes que estão verdadeiramente interessados participam da comunhão.
Quando sou questionado pelos sacerdotes ou por protestantes individuais, normalmente respondo assim: se um protestante participa da celebração eucarística, escuta o que dizemos na oração eucarística. É preciso se perguntar: no fim da doxologia, ele realmente pode responder com toda a assembleia: “Amém, sim, eu creio”. Normalmente eu acrescentava: ele deve ter ouvido que nós nomeamos o nome do papa e do bispo, o que significa que celebramos em comunhão com ele. É preciso se perguntar: “Eu realmente quero esta comunhão?”. Mas de novo: eu encontrei muitos protestantes que têm mais estima e, frequentemente, mais amor pelos papas atuais do que alguns católicos críticos e céticos.
Os problemas mais teológicos (e importantes para a teologia) da jurisdição universal e da plenitude da jurisdição etc. não são os problemas dos leigos normais e a acusação de que o papa é o anticristo; os protestantes, que vivem em uma amizade ecumênica, deixam-na hoje de bom grado aos laicos e aos maçons. Para concluir: quando descemos ao campo da vida concreta e na pastoral concreta, as situações são muito diferenciadas. Toda situação é um “Einzelfall”, porque cada homem é único. Certamente, os princípios teológicos são sempre válidos, mas a sua aplicação concreta não é feita de um modo apenas dedutivo e mecânico. Se fizéssemos isso, seria a heresia da gnose, que é justamente denunciada pelo papa atual.
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''O Concílio e duas encíclicas admitem casos de eucaristia aos protestantes.'' Entrevista com Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU