06 Abril 2018
Enquanto a América Latina lida com suas turbulências, bispos católicos enviam mensagens de Páscoa enraizadas no mistério da morte e ressurreição de Cristo. Contudo, as situações de violência e de crise, e as eleições nacionais que se aproximam levaram muitos deles a incluir comentários sociais e políticos.
A reportagem é de Inés Saint Martin, publicada por Crux, 03-04-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Por exemplo, a mensagem da Conferência Episcopal da Argentina fez uma forte defesa da vida enquanto o país debate a lei de aborto pela primeira vez em mais de uma década. No Paraguai, os bispos fizeram um apelo a responsabilidade civil nas próximas eleições, ao mesmo tempo que um bispo mexicano usou a Sexta-feira Santa para se encontrar com um traficante e pedir pelo fim dos assassinatos de políticos.
O que se segue é uma amostra do que os bispos por toda a América Latina disseram nesta Semana Santa.
Milhões de católicos ao redor do mundo se reuniram para a liturgia da Sexta-feira Santa que comemora a Paixão do Senhor. Um bispo mexicano participou de uma reunião aparentemente estranha para este dia, habitualmente destinado a ser um dia de jejum e oração: um encontro com os líderes do crime organizado na Sierra de Guerrero, uma região montanhosa do estado mexicano de Guerrero, na costa do Pacífico.
O bispo Salvador Rangel, da Diocese de Chiplancingo-Chilapa, disse na segunda-feira que durante o encontro, os líderes do tráfico de drogas prometeram parar de assassinar candidatos do processo eleitoral.
Embora seja uma atividade ilegal, a região é uma das maiores produtoras da papoula do ópio, usado na produção de heroína.
Falando com a imprensa local, o bispo disse que foi até o local da reunião num helicóptero colocado à disposição por um grande traficante. Durante a reunião, o criminoso exigiu que os políticos cumprissem as promessas que fazem durante a campanha. Rangel disse que sua condição era que parassem os assassinatos de políticos.
Talvez o que demonstre a situação da região seja o fato de que, de acordo com o 24 News, Rangel teria ido originalmente ao encontro do traficante para pedir que fossem reconectados a rede de energia e o abastecimento de água para uma comunidade local que está sem os dois pelos últimos 45 dias.
Ele então "aproveitou" a oportunidade para falar sobre o assassinato de candidatos, “e eles prometeram que iriam parar com isso, que permitiriam que esta fosse uma eleição livre e que apoiariam o que o povo escolhesse, sem intrometimentos. Eu vejo isso como uma coisa muito importante.”
De acordo com Rangel, a fim de parar os assassinatos, o traficante definiu como condição que os candidatos parem de usar dinheiro para comprar votos e usem para melhorar a situação de vida dos cidadãos.
O bispo também defendeu o seu direito de falar com quem quiser, incluindo membros do crime organizado e do tráfico de drogas. Não é a primeira vez que ele se encontra com um grande traficante. Em fevereiro, após o assassinato de dois padres em Guerrero, encontrou-se com um grupo criminoso para tentar salvar a vida de outro padre. Tanto daquela vez como nessa, ele se recusou a divulgar a identidade da pessoa com quem ele se encontrou.
"Eu estou tentando colocar um fim aos assassinatos", disse Rangel para uma estação de rádio local. "Eu falo com eles, mas eu não lhes peço dinheiro ou uma posição política. Eu falo com um lado e com o outro, e só peço a eles para não matar, não seqüestrar, e para tratar as pessoas bem.”
Guerrero é um dos estados mexicanos com maior incidência do crime organizado. Como parte de sua "estratégia", os criminosos influenciam nos governos locais e nas forças de segurança. Vários candidatos políticos foram assassinados na região nas últimas semanas, incluindo um candidato a prefeito em Zihuatanejo, na região costeira do estado, que foi morto a tiros.
Estatísticas mostram que em 2017, em Guerrero houve 2.318 homicídios, o registro mais alto do país, e 29.158 homicídios, o ano com mais assassinatos já registrados. Se a taxa de homicídios de janeiro e fevereiro servir para qualquer indicação, poderia ser ainda pior este ano, uma vez que o número subiu 21% em comparação com o mesmo período.
A Semana Santa também não ficou livre da violência. De acordo com a imprensa local, uma procissão anual em Acapulco, em Guerrero, foi suspensa no dia 30 de março após o som de tiros dispersar os participantes e espectadores. O governo do estado de Guerrero afirmou que a polícia estava perseguindo um trio suspeito de roubar carros, entretanto os meios de comunicação locais dizem que um conflito entre grupos criminosos ocorreu e duas pessoas foram mortas.
Apesar de que 83% da população mexicana seja católica, de acordo com a agência missionária do Vaticano, Fides, o México é um dos países mais perigosos do mundo para ser um padre católico ou missionário, e tem mantido esse recorde pela última década. Muitos dos assassinatos de padres católicos estão diretamente relacionados ao crime organizado, e os autores dos crimes raramente são levados à justiça.
Com muitas regiões no país atingidas pelo crime organizado, a justiça social foi um elemento presente em muitas mensagens de Páscoa que os bispos mexicanos enviaram nesta temporada.
Por exemplo, o arcebispo Carlos Garfias Merlos, de Morelia, e presidente da Conferência dos bispos mexicanos, enviou uma mensagem de Páscoa dizendo que nos estados de Michoacán, que faz fronteira com Guerrero, onde fica sua diocese, e o estado central de Guanajuato, são "muitos os feridos e machucados pela pobreza, marginalização e violência, que é um compromisso e responsabilidade de todos fomentar com determinação a ‘cultura do encontro e da paz,’ favorecendo a misericórdia e o diálogo."
Em 22 de abril o Paraguai realizará eleições nacionais para escolher um novo presidente, parlamentares e outros cargos. Assim, o arcebispo Edmundo Valenzuela de Assunção instou os fiéis presentes na celebração do domingo de Páscoa a serem "responsáveis" com os seus votos.
De acordo com a agência de notícias espanhola EFE, Valenzuela começou sua homilia salientando que "este tempo de Páscoa é uma dádiva, um tempo espiritual, de vida fraterna, de justiça e solidariedade."
O bispo sinalizou a importância das próximas eleições, dizendo que os votos deveriam ser dados aos candidatos que tivessem "amor pela nação, pela família, pela vida, pela busca do bem comum, pela dignidade dos pobres e pelos que sofrem."
O arcebispo também falou sobre a beatificação da irmã Carmelita María Felicia de Jesús Sacramentado, conhecida como "Chiquitunga", referindo-se ao evento como "transcendental" para a igreja local. Ela estava intimamente associada com o movimento Ação Católica, passando sua vida cuidando dos pobres e daqueles que sofrem enquanto também servia como catequista para crianças.
A beatificação, -o passo anterior ao reconhecimento da santidade de uma pessoa-, se dará no dia 23 de junho, tornando-a a primeira santa do Paraguai.
O cardeal Ricardo Ezzati, arcebispo de Santiago, publicou uma mensagem de Páscoa na noite de sábado na qual pediu aos chilenos que superem a "desconfiança".
O cardeal disse que a Páscoa é uma celebração para "contemplar a história pessoal e coletiva", na qual os povos desejam um futuro melhor, baseado em "justiça, fraternidade e paz".
Ezzati também disse que, neste "clima espiritual de renovação, damos boas-vindas para a alegria do Senhor Ressuscitado, e voltamos para ele a fim de descobrir a inspiração e força que nos leva a superar a desconfiança e a dúvida, e caminhar para uma fé mais honesta e comprometida."
Após uma delicada visita do Papa em janeiro passado, que, segundo muitos observadores, foi a viagem estrangeira mais desafiadora de Francisco até agora, devido ao caso de um bispo local acusado por vítimas de ter acobertado o padre pedófilo mais infame do país, a Igreja local está trabalhando na reconstrução da confiança.
Em sua mensagem, o cardeal fez uma referência indireta à recente legalização do aborto no Chile em três contextos, - estupro, risco de vida da mãe ou inviabilidade da gravidez -, sublinhando a importância da "esperança" na vida das pessoas: "ela surge, nova e inédita, do útero de uma mãe grávida, dando à luz o fruto do seu ventre ", disse ele.
"É a esperança inscrita no DNA de cada pessoa e que dá olhos de Páscoa capazes de olhar para a morte até que nela seja visto a vida; [olhar para] a culpa até que seja visto o perdão; [olhar para] a separação até seja vista a unidade; [olhar para] as feridas até que seja vista a glória; [olhar para] o homem até ver Deus, e [para] Deus até ver nele o homem ", disse ele.
Vários bispos argentinos utilizaram as redes sociais para enviar mensagens de Páscoa, a maioria refletindo sobre a Ressurreição, e também lamentando o que se descreveu como a "difícil" realidade social que o país está enfrentando.
Todas tinham um ponto em comum, que é a defesa da vida a partir do momento em que é concebida até a sua morte natural, no contexto do debate em curso para legalizar o aborto até a 14ª semana da gravidez e, no caso da descoberta pré-natal de uma deficiência, até o nono mês.
O bispo Oscar Ojea, presidente da Conferência Episcopal, disse que "não temos o direito de eliminar qualquer vida."
Ele instou "todos os argentinos que foram chamados à vida para serem capazes de encontrar seu lugar e que podemos criar um mundo mais humano e cristão para recebê-los com dignidade."
"Na Sequência Pascal, afirmamos que a morte e a vida se encontram em uma batalha admirável", disse ele. "O Rei da Vida estava morto, e agora está vivo."
O cardeal Mario Poli, sucessor do Papa Francisco como arcebispo de Buenos Aires, disse que a Páscoa é a vitória do amor de Deus sobre o ódio e a violência, "é a vitória do amor e da vida de Deus sobre todos os projetos da morte, porque Nele brilha a esperança de uma ressurreição feliz”.
O bispo Marcelo Colombo, também da liderança da Conferência Episcopal nacional, disse que em tempos difíceis, que são aparentemente estéreis e cheios de trevas, "nós, cristãos, somos sinais vivos e dinâmicos de uma luz que vem de Deus, de um projeto de amor que inclui todos os homens, especialmente os mais pobres.”
Falando sobre a descriminalização do aborto, Colombo disse que quando há um debate sobre a vida, os cristãos insistem em "defendê-la, cuidar dela e sustentá-la a partir do momento em que é concebida no ventre da mãe até a morte natural."
"Cada vida, toda vida, é sagrada", disse ele.
Indo até raízes das razões que muitas mulheres usam para justificar a interrupção de uma gravidez, o bispo Carlos Malfa de Chascomús disse que a Argentina tem todas as oportunidades para evitar uma gravidez ao invés de eliminar uma nova vida.
"É claro que é necessário cuidar de pôr fim à pobreza estrutural que nos escraviza há anos", disse ele, observando que a pobreza não é apenas econômica e social, mas também o resultado de um sistema de saúde fragmentado que não proporciona às mulheres ajuda necessária ao longo de uma gravidez.
"Há também a falta de educação para o amor e a paternidade responsável, bem como a educação de valores e um caminho mais fácil para a adoção", disse Malfa.
Apesar do dia de celebração para os católicos, o Domingo de Páscoa teve tom sombrio na Catedral Metropolitana de San Salvador, onde o arcebispo José Luís Escobar Alas lamentava a morte do padre Walter Vásquez Jimenez, assassinado na Quinta-feira Santa.
O padre de 36 anos é a mais recente vítima de uma onda de violência que assola o país. Sua missa fúnebre foi realizada no domingo de Páscoa em sua terra natal, Lolotique, no leste de El Salvador.
Sua morte ecoava na capital, onde Escobar Alas lamentava a violência, a corrupção, o tráfico de drogas e as armas presentes no país.
"Infelizmente, temos de admitir e denunciar o pecado, a injustiça, as mentiras, a corrupção, as armas e o tráfico de drogas, e tantos outros males sociais, sobretudo a violência que causou e continua a causar tanta dor", disse ele.
Nesse sentido, ele condenou como "inconcebível" o crime de Vásquez, que foi morto na quinta-feira, depois de participar na Missa da Crisma.
"Não é possível que isso ocorra em um país cristão", afirmou Escobar Alas, fazendo um apelo ao Estado para que a violência seja combatida e que as autoridades esclareçam o assassinato do padre e de tantos outros.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por toda América Latina, bispos enviam mensagens de Páscoa com um algo a mais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU