10 Fevereiro 2018
Abaixo publicamos alguns trechos do ensaio de Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, que fecha o volume La luce in fondo al tunnel. Dialoghi sulla vita e la modernità (A luz no fim do túnel. Diálogos sobre a vida e modernidade, Zygmunt Bauman, [em tradução livre), editado por Mario Marazziti e Luca Riccardi) distribuído a partir de hoje pela San Paolo. Em 20 de setembro de 2016, em Assis, o teórico da "modernidade líquida" encontrou-se com Bergoglio: uma troca intensa entre duas personalidades muito diferentes que, no entanto, têm um forte ponto de convergência.
O ensaio foi publicado por Avvenire, 08-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Assis, em 20 de setembro de 2016, estavam sendo comemorados os trinta anos do Dia Mundial da Paz, que João Paulo II havia convocado em Assis, em 1986 [...]. O movimento do "espírito de Assis" é uma realidade que afetou várias comunidades religiosas do mundo, inclusive não cristãs, tornando-se um símbolo da contribuição das religiões para a paz e o diálogo. E, com o passar do tempo, viu-se claramente como as religiões têm um papel importante nas relações entre os povos, especialmente na era global, quando se verificam novas combinações de populações de etnias e religiões diferentes ou quando são repropostas identidades étnico-religiosas de maneira conflituosa. É fácil entender como o Papa Francisco, em 2016, tenha desejado celebrar com sua presença os 30 anos do caminho de Assis, em um encontro que a Comunidade de Santo Egídio havia organizado com os franciscanos e a Igreja de Assis [... ].
Zygmunt Bauman estava presente no encontro do "espírito de Assis" de 2016 e ouviu a mensagem de Francisco. Mas por que o professor polonês assistia a essa reunião de líderes religiosos?
Ele participava de várias conferências na Itália e seu nome havia se tornado bastante popular nos ambientes culturais. Ele também havia sido convidado em 2014 a Perugia pelo Cardeal Bassetti. Mas, especialmente, em 2015 participou do encontro de diálogo inter-religioso em Antuérpia, organizado pela Comunidade de Santo Egídio, e havia ficado muito interessado e envolvido, especialmente pela insistência sobre temas do diálogo global. Assim, de bom grado, tinha vindo para celebrar o trigésimo aniversário de Assis, juntamente com sua companheira, Aleksandra Kania, socióloga polonesa e ex-aluna. A história de Bauman e Aleksandra, depois um longo conhecimento nos anos 1950, tornou-se um "amor" a mais de oitenta anos para ambos. Kania – apesar de ser a filha do líder comunista polonês Boleslaw Bierut – é católica. Justamente em 20 de setembro de 2016, em Assis, aconteceu o encontro entre Bauman e o Papa Bergoglio, no antigo convento franciscano, o chamado Sagrado Convento, inaugurado no século XIII, após a beatificação de São Francisco, ao lado da basílica que abriga os restos mortais do santo. O papa, que havia almoçado no refeitório do mosteiro com os líderes religiosos e as várias personalidades, encontrou-se pessoalmente com alguns deles, incluindo o Patriarca Bartolomeu. Entre as personalidades que tiveram um colóquio pessoal com Bergoglio também estavam Bauman e Aleksandra Kania [...].
O colóquio pessoal entre Bauman e o Papa, em Assis, foi muito intenso, como também testemunharam Aleksandra Kania e outros presentes. O sociólogo manifestou a Francisco a própria simpatia e proximidade por suas manifestações e ações no mundo com sua habitual maneira de ser seca e concreta. Não era nenhuma novidade, porque ele já tinha expressado uma apreciação semelhante em público, por exemplo, dois dias antes em uma conferência no encontro inter-religioso em Assis.
O professor não escondeu seu "pessimismo" sobre a situação e a evolução do mundo contemporâneo. E, no encerramento do colóquio com Francisco, Bauman acrescentou: "Eu trabalhei toda a vida para tornar a humanidade um lugar mais hospitaleiro. Cheguei aos 91 anos e vi muitos falsos começos, até me tornar pessimista. Obrigado, porque você é para mim a luz no fim do túnel".
O Papa ficou muito surpreso. E respondeu com essas palavras: "Ninguém nunca me disse que eu estava no fim de um túnel". E Bauman concluiu: "Sim, mas como uma luz". O Papa ficou impressionado com a lucidez de seu interlocutor, como confessou a seus colaboradores.
Um encontro intenso entre duas personalidades muito diferentes que, no entanto, têm um forte ponto de convergência. Para Bauman, sucinto e acadêmico, não acostumado a elogios, estava claro o desejo de explicitar tal convergência. A mensagem de Francisco era uma "luz" no fim do "túnel" da "globalização negativa", que caracterizou as duas primeiras décadas do século XXI. O seu "pessimismo" se expressava em uma crítica severa à globalização, caracterizada por uma série de medos que se seguem, como o bug do milênio, a doença da vaca louca, o terrorismo e assim por diante. A corrente desses eventos está entre as principais causas da “incerteza” do cidadão global e, sobretudo, de seu encerramento dentro de si e do presente, que o leva a não olhar com esperança para o futuro, aliás, a levantar muros contra o outro.
Por sua parte, Francisco continuou a se interessar pelo pensamento do estudioso polonês, tanto que no verão de 2017 pediu alguns de seus livros para estudá-los. Também em 2017, em uma visita à Tre Università de Roma, o Papa proferiu um longo discurso de improviso, com muitas observações críticas sobre a sociedade global atual e mencionou explicitamente Bauman. Naquele discurso falou em termos positivos sobre a perspectiva de uma "globalização poliédrica, em que cada cultura conserva a sua identidade", retomando as temáticas da "sociedade líquida" de Zygmunt Bauman e citando-o. E depois, a partir disso, lançou uma dura crítica contra a economia líquida, principalmente por causa do desemprego juvenil.
Como se explica o mútuo interesse entre o sociólogo polonês ex-comunista e o papa argentino e jesuíta? Bauman era demasiado lúcido, apesar da idade, para se abandonar a declarações sentimentais. Ele havia identificado um ponto de convergência com o Papa, sobre o qual sucessivamente ele continuou a refletir e trabalhar. Aqui está a "luz no fim do túnel", que Bergoglio passa a representar.
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Bauman: o Papa Francisco é a minha esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU