22 Janeiro 2018
Gestos exemplares no Chile que confirmam a personalidade forte, única, deste papa, em evidente dificuldade, no entanto, diante dos problemas não resolvidos da igreja local, sobre a qual paira principalmente a sombra dos abusos.
O comentário é de Riccardo Cristiano, publicado por ytali, 19-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tudo o que sei sobre a vida eu aprendi com o futebol.
Se estivesse lá ele, o grande Osvaldo Soriano, para comentar a visita ao Chile do seu compatriota que se tornou bispo de Roma, provavelmente começaria assim. E diria, creio eu, que como muitas vezes acontece com os sul-americanos, também Bergoglio quando joga no ataque é capaz de levar a sonhar, mas quando a bola passa aos outros e é preciso jogar na defesa a situação muda bastante.
Traduzindo essa avaliação para a linguagem eclesiástica, poderíamos dizer que Bergoglio é um verdadeiro craque da Igreja em saída, da Igreja que se aproxima de seus concidadãos, dos seus problemas, mas seus companheiros de equipe não o seguem e, um tanto narcisicamente, jogam cada um por si. Assim, ecoando o título de um famoso livro de Andrea Riccardi, e dando como certo que muitos acham difícil seguir Bergoglio nesse caminho, o seu parece mesmo um "governo carismático", como foi o de João Paulo II. Um governo que vai para as periferias, mas funciona quando joga no ataque, ou seja, ad extra menos que ad intra, quando é preciso solidariedade, proximidade entre os setores.
Carlos Ciuffardi e Paola Podesta, casados pelo Papa no avião.
Olhando para a problemática etapa chilena da sexta viagem do Papa Francisco à America Latina, esse governo carismático pareceu evidente, dolorosamente evidente. Em primeiro lugar, no que diz respeito à memória. Foi preciso Bergoglio para trazer de volta os holofotes sobre os mártires esquecidos da luta contra a ditadura, sobre os Mapuche, palavra que os chilenos usam para definir alguém "analfabeto". Foi preciso Bergoglio para casar dois jovens que não tinham outra opção, depois que sua cidade tinha ficado sem igreja em decorrência do terremoto. Ele os uniu em casamento, dentro do próprio avião. Sobre tudo isso, quando a Igreja chilena se ocupou?
Mas o que vai permanecer como uma imagem icônica da viagem que atesta mais uma vez um papa expressão natural do "que realmente é uma Igreja em saída" é aquela que o mostra descendo do "papamóvel" para certificar-se das condições de uma policial a cavalo, derrubada por sua montaria. O papa chegou perto dela, pessoalmente verificou as suas condições de saúde e a abraçou. Quando já se viu algo assim?
Papa Francisco socorre uma "carabinera" que caiu do cavalo.
E uma visita à penitenciária feminina? Ao ir lá, Bergoglio já estaria falando sobre a violência que assombra toda a América Latina? Muitas detentas são mães, e a esperança de que seus filhos não estejam condenados de antemão não estaria talvez falando daquela "guerra mundial contra as crianças" que nem mais aparece nas nossas notícias?
E assim acabamos chegando à questão dos abusos sexuais contra menores, que acompanhou Bergoglio no Chile e vai acompanhá-lo até mesmo no Peru. É uma ferida terrível, e o papa logo esclareceu sentir vergonha, unindo-se aos bispos chilenos no pedido de perdão. Alguns bispos, no entanto, são chamados em causa pelas vítimas. Entre eles há aqueles que teriam acobertado e aqueles que cometeram os abusos. Dois, pelo menos, tiveram a delicadeza de não seguir o Papa em sua viagem, afastando-se durante estes dias.
Mas a imprensa chilena notou, e não poderia ser diferente, que o Cardeal Ezzati, Arcebispo de Santiago, a esse respeito, certamente não deu um bom exemplo. Ele sempre quis estar ao lado do papa, sempre. E quando o papa se reuniu com uma centena de jesuítas, como costuma fazer em todas as suas viagens, Ezzati, que é um salesiano, ficou esperando por ele na porta, com os olhos fixos no relógio, do início ao fim do encontro. Da mesma maneira que Ezzati, também se comportou Barros, titular da diocese de Osorno, que ao contrário Ezzati está entre os acusados de terem acobertado os escândalos. Barros, saindo de sua Osorno, quis estar em Santiago para presenciar a missa celebrada pelo papa.
Papa Francisco, perante as autoridades, expressa a sua dor e vergonha pelos danos causados aos menores abusados por padres.
E assim, agora, uma manchete no jornal chileno imprime "O tour de Barros". Porque o seu não é um nome qualquer: Barros é considerado muito próximo de um dos sacerdotes responsáveis pelos abusos, Fernando Karadima. No entanto, nega qualquer irregularidade e, por isso, ele declarou, que quis estar lá, em Santiago do Chile. Durante a grande missa de abertura, Barros estava junto com os outros bispos em um lado da praça. Os fiéis da sua diocese, carregando cartazes de protesto, estavam do outro. E com estes estava Mariano Pluga, que os jornais chamam de "o padre operário", um daqueles que não esqueceram os padres e os fiéis vítimas de Pinochet e de sua ditadura.
Ao redor de Mariano Pluga os fiéis manifestantes exigiam o afastamento de Barros.
Claro, nada impedia a Juan Barros de participar desse grande evento eclesial, e se ele estiver certo de sua inocência, talvez fosse demais pedir-lhe para renunciar (embora, como mencionado, dois de seus colegas o fizeram). Mas que na praça estavam presentes duas igrejas, uma em torno dele, outra ao redor dos fiéis que o contestavam, foi notado por todos.
Três jovens vítimas de Fernando Karadima, o padre acusado de abusos e muito próximo de Barros, concederam uma entrevista e disseram sentirem-se feridos pelas palavras do Papa Francisco: para ele resulta que contra Barros não há absolutamente nada, apenas calúnias. Eles garantem que escreveram cartas de denúncia que Barros, em virtude do cargo exercido na época, fez desaparecer.
Mudou o clima, no Chile, em relação ao bispo Barros. Por que isso? Muitos acreditam, e escrevem, que teria sido o núncio apostólico Ivo Scapolo a blindar Barros; outros sussurram que foi um jesuíta amigo do Bergoglio, Germán Arana, que forneceu referências de absoluta confiança sobre o bispo para quem, até recentemente, projetava-se a ideia de um ano sabático longe do Chile.
Quando se entra no labirinto das cúrias, os grandes papas muitas vezes demonstram que o deles é um "governo carismático", ou seja, baseado no carisma e não na capacidade de governar uma máquina complicadíssima e muitas vezes animada por rivalidades e rancores. Mas a imagem que permanece, para muitos jornais chilenos, é aquela de uma praça para duas Igrejas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco. O carisma não é suficiente na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU