15 Janeiro 2018
O bispo Brian Farrell, do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, deu uma palestra para especialistas ecumênicos e inter-religiosos, na terça à noite, em Roma, no Global Gateway da Universidade de Notre Dame, que apresentou a abordagem da Igreja ao ecumenismo após o Concílio Vaticano II e os novos rumos dos incentivos para reunir os cristãos a partir do Papa Francisco.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 14-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em certa altura, Farrell - que não deve ser confundido com seu irmão, o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida do Vaticano - contou uma história a respeito de Francisco, uma lição sobre o entendimento do pontífice sobre as relações ecumênicas, mas que também tinha muito a ensinar em outros níveis.
A história é a seguinte: não muito tempo atrás, Farrell estava sentado em seu escritório numa tarde quando chegou o último L’Osservatore Romano. (A edição do dia seguinte do jornal é distribuída aos escritórios do Vaticano à tarde antes de chegar às bancas.) Ele começou a folhear uma lista das audiências do Papa daquele dia e encontrou um representante de outra igreja cristã - uma pessoa de que nunca tinha ouvido falar, de uma igreja igualmente desconhecida.
Farrell achou estranho, já que seu escritório é que geralmente organiza essas reuniões. Verificou, então, várias pastas e recursos e não conseguiu achar nada que pudesse estar relacionado. Por fim, ligou para a Prefeitura da Casa Pontifícia, que é o escritório do Vaticano que organiza a agenda pública do Papa todos os dias, e perguntou de onde vinha a nomeação.
A resposta foi que tinha vindo do Papa, ao que Farrell agradeceu e meio que esqueceu o fato. Na manhã seguinte, ele disse, estava na escrivaninha quando o telefone tocou, e era o próprio Francisco.
"Entendo que você estava perguntando sobre um encontro que tive ontem", disse o Papa.
Assustado, Farrell disse que havia mesmo perguntado, e Francisco começou a dizer que era uma pessoa que ele conhecia desde antes de ser Papa. Acrescentou que sente que o progresso ecumênico nem sempre vem de diálogos e lugares institucionais, mas também de amizades.
Farrell fez uma piada óbvia: "Que praticidade!"
Ele continuou, dizendo que a situação ilustra a maneira como Francisco vê o ecumenismo como uma questão de "caminhar juntos", uma jornada de amizade que fica lado a lado e informa o intercâmbio teológico e eclesiológico que se passa em programas formais de diálogo.
Claro, a história ilustra outra coisa, que Francisco é extraordinariamente bem informado sobre os pormenores da gestão da Igreja. Estamos falando de um pontífice que ficou sabendo que alguém tinha ligado perguntando sobre sua agenda poucas horas depois e que tomou uma atitude assim que recebeu essa informação.
Já ouvi histórias semelhantes de outras pessoas. Um cardeal que lidera um departamento do Vaticano me disse que passou a deixar o celular por perto praticamente o tempo todo, porque o Papa pode ligar inesperadamente, e que para cada encontro com o pontífice que acaba constando na agenda pública, há outros três ou quatro, na Casa Santa Marta, onde Francisco mora, que não aparecem nos registros.
Para dar outro exemplo, eu e minha colega da Crux Claire Giangravé entrevistamos, esta semana, o cardeal John Onaiyekan de Abuja, Nigéria, sobre a situação polêmica na Diocese de Ahiara, em que um grupo de sacerdotes e leigos tem mostrado oposição à nomeação de um novo bispo há cinco anos.
Um boato que correu a diocese é que Francisco insiste que eles aceitem o bispo só porque está mal informado sobre o que está acontecendo, mas Onaiyekan insistiu que é uma fantasia.
"Nós sabemos que escreveram muitas cartas, e todas chegaram ao Papa", afirmou. "O Papa estava bem ciente, e é por isso que ele foi tão firme. Não é verdade que ele não sabia o que estava acontecendo."
Tudo isso é como um choque cultural em relação ao clima interno no Vaticano dos dois últimos papados, de São João Paulo II e do Papa emérito Bento XVI. Ambos foram figuras muito ad extra, cujas paixões ficaram de fora da mecânica da gestão eclesiástica, e muitas vezes ficavam contentes em deixar questões administrativas nas mãos de seus assessores.
Esse claramente não é o estilo de Francisco, que muitas vezes fica feliz em delegar, mas também observa constantemente e está sempre pronto para intervir a qualquer momento.
Críticos de Francisco (acho que o pessoal do Papa Ditador) veem esse desejo implacável de estar informado como fruto de uma personalidade paranoica, que contrata espiões porque desconfia que haja inimigos por todo lado. Admiradores, por outro lado, veem-no como um homem que leva suas responsabilidades muito a sério e que tem a perspicácia intelectual para gerenciar os níveis macro e micro de liderança ao mesmo tempo.
O que ninguém contesta é a situação em si, ou seja, que Francisco sabe muito bem o que está acontecendo. E isso nos leva diretamente à moral da história.
Com João Paulo II e Bento XVI, quando as pessoas ficavam bravas com alguma coisa, geralmente podiam não culpar o Papa, mas culpar alguém que estivesse por perto dele. Era, em certo sentido, a psicologia clássica de uma corte real - nunca se deve culpar o monarca, mas culpar a seus cortesãos não tem problema.
Mas essa não é uma opção viável na era Francisco. Não há poder por trás do trono, não há eminência parda, nem regente dando as coordenadas em seu papado. É um Papa que governa na primeira pessoa do singular - o que significa, claro, que recebe todo o crédito quando as coisas dão certo, mas também toda a culpa quando não dão.
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Um Papa que coloca a mão na massa e fica com todo o crédito — e toda a culpa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU