15 Dezembro 2017
A Argentina volta a uma das suas mais arraigadas tradições: a rua manda na política. A tensão em torno da reforma previdenciária, a mais importante e polêmica das mudanças promovidas até agora por Mauricio Macri, provocou grandes incidentes diante do Congresso e uma enorme confusão dentro do hemiciclo, o que levou finalmente à suspensão da sessão. Macri tinha os votos para levar a reforma adiante, mas a combinação das imagens de grande violência nas ruas, com tiros de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, e os empurrões e gritos no Congresso, levaram a uma derrota inesperada do Governo que tentará aprovar a reforma na próxima semana.
A reportagem é de Carlos E. Cué, publicada por El País, 14-12-2017.
O mês de dezembro, em pleno verão austral antes das férias, é o momento histórico de tensão social na Argentina. Nesse mês aconteceu a crise de 2001, quando ao grito de “fora todos” e em pleno corralito (retenção dos depósitos bancários) houve cinco presidentes diferentes em duas semanas e 38 mortos nas ruas. Neste mês de dezembro de 2017, muito diferente daquele, Macri não está nem perto de sofrer uma crise semelhante, ao contrário, cada vez tem mais apoio político, mas a tensão explodiu como nunca havia acontecido em seus dois anos de mandato e nem sequer os 1.500 policiais que mobilizou para proteger o Congresso puderam evitar essa derrota política temporária que supõe suspender a sessão.
O debate da reforma previdenciária terminou com incidentes graves nos arredores do Congresso que deixaram feridos não só entre os manifestantes, mas também entre deputados da oposição que tinham vindo em solidariedade a eles. As investidas da polícia foram indiscriminadas e atingiram até mesmo alguns parlamentares. Pelo menos dois foram atendidos na enfermaria do Congresso, algo inédito.
A oposição exigiu aos gritos a suspensão da sessão diante dos incidentes que estavam acontecendo fora. Em um momento particularmente dramático, a deputada Victoria Donda, filha de desaparecidos que foi roubada dos pais logo depois do nascimento em cativeiro na ESMA, com a perna engessada por causa de uma pancada recebida em outra investida policial no dia anterior, pediu ao presidente, Emilio Monzó, que paralisasse os trabalhos. Mas o presidente, um homem de confiança de Macri, recusou-se porque acreditava ter os votos dos 129 deputados necessários, alguns deles peronistas. Alguns parlamentares kirchneristas se aproximaram da mesa do presidente e, aos empurrões, começaram a tentar impedir a abertura da sessão. Chegaram até a dar um tapa no microfone.
As telas de televisão de todo o país se dividiram em duas: de um lado a batalha campal entre a polícia e os manifestantes; de outro a guerra à base de empurrões e gritos dentro do Congresso para paralisar a importantíssima sessão, que deveria aprovar a reforma. Esta implica em um ajuste nas aposentadorias, mas ninguém tem claro suas dimensões, porque depende muito da inflação, sempre imprevisível no país com a economia mais descontrolada da América depois da caótica Venezuela.
Os parlamentares da oposição insistiram que a sessão não poderia ser iniciada enquanto havia alguns membros feridos por causa da violência policial que estavam impossibilitados de comparecer. “Estão aqui atrás”, argumentou Monzó, em referência ao salão que existe ao lado do plenário. Tudo isso em meio a um enorme caos que lembrava outras épocas do país. Finalmente Monzó se rendeu e, depois de um pedido da deputada governista Elisa Carrió, decidiu suspender a sessão. “Ganharemos a votação, será nesta semana, ou na outra. Não assustem mais as pessoas”, gritou ela.
Apesar desse fracasso, a realidade política é que Macri agora tem muito mais apoio do que tinha há dois anos. Acaba de ganhar as eleições legislativas e, embora continue em minoria no Congresso, tem o apoio de vários governadores peronistas com os quais negociou apoio ao projeto em troca de outras medidas em favor de suas regiões. O paradoxo é que Macri controla o Parlamento mais do que nunca, mas parece que a oposição kirchnerista e de alguns dos principais sindicatos decidiu ir às ruas. E lá conseguiu torcer-lhe o braço, pelo menos por enquanto.
“Votaram em nós para discutirmos aqui sentados e pedindo a palavra, os gritos e a agressividade não são democráticos”, berrava o macrista Nicolás Massot. Mas era quase impossível ouvi-lo entre o escândalo que faziam seus colegas. Na terça-feira, a comissão prévia a esta sessão plenária já tinha acabado aos socos e aos gritos. Mas tensão aumentou e mais de 1.500 policiais blindaram o Congresso nesta quinta-feira para impedir que os manifestantes se aproximassem. Voltaram as imagens de máscaras de gás e caminhões com jatos d’água que não eram vistas há 15 anos na Argentina.
“Esse projeto prejudica os aposentados, não têm os números, não continuem passando vergonha”, clamou a peronista oposicionista Graciela Camaño. “Chega de vergonha democrática, que se suspenda a sessão”, gritou outro peronista enquanto vários cantavam o hino nacional. Do lado de dentro era possível escutar os tiros das armas dos policiais que atiravam com balas de borracha nos manifestantes, algo inédito em outros países mas que na Argentina aconteceu muitas vezes no passado. E isso aconteceu apenas algumas horas depois do encerramento da cúpula da OMC, o debute internacional de Macri, na qual quis demonstrar o retorno da Argentina ao mundo.
O que parece difícil é que com estas imagens Macri e sua equipe, que estão em um momento político positivo, consigam convencer os cidadãos de que a reforma favorece os aposentados.
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Incidentes graves levam à suspensão da reforma previdenciária na Argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU