11 Novembro 2017
“Em 2018, não tenho espaço em minha agenda para viajar à Argentina”. Uma resposta direta, a uma pergunta direta. Foi dada pelo Papa a Julio Bárbaro, um dirigente peronista a quem conhece há anos. Francisco o recebeu na intimidade de sua casa, no Vaticano. Durante a conversa, de quase uma hora, o Pontífice lhe confessou que sofre por ter ficado em meio à polarização política e social de seu país. Bárbaro foi além e opinou que o povo argentino corre o risco de nunca ver o regresso de seu filho mais ilustre.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 09-11-2017. A tradução é do Cepat.
Foi um face a face de dois velhos conhecidos. O ex-deputado e ex-secretário de Cultura argentino chegou ao encontro com 12 minutos de antecedência. Por sua parte, Jorge Mario Bergoglio apareceu seis minutos antes das 17h, em uma pequena salinha da residência Santa Marta. “Pensei que iria esperá-lo mais...”, exclamou, ao ver seu convidado. Tudo aconteceu na segunda-feira, 6 de novembro.
A conversa caminhou por várias direções. Da filosofia à política, da economia à atualidade. O tema que não poderia faltar foi a almejada visita apostólica a terra argentina. Bárbaro perguntou se era verdade o que foi publicado pela imprensa de seu país, no dia anterior: que uma viagem sua “não está descartada” para 2018. Contudo, o Pontífice foi categórico.
“(Respondeu-me): ‘Eu, em 2018, não tenho espaço em minha agenda para ir à Argentina’. Aí, fiquei tentado a lhe dizer e não o disse que me ficava claro que, se nos anos eleitorais não ia, nos não eleitorais também não”, revelou o ex-deputados em entrevista ao Vatican Insider. E especificou: “Ele me esclareceu: ‘Você pode dizer que eu não vou em 2018’. Antes havia me dito que não iria em 2017, mas eu não comentei porque acredito que deveria ser comunicado pelos que estão preparados, pelos de sua Igreja”.
O Papa não entrou explicitamente nos motivos profundos de sua decisão. Mas, compartilhou com seu convidado algumas reflexões sobre a realidade do país. E confessou, abertamente, um sofrimento especial.
Assim foi relatado pelo dirigente: “Digo-lhe: Sua Santidade, a realidade argentina torna muito difícil uma viagem sua à Argentina, mas a necessidade dos crentes a torna imprescindível e nessa dialética estamos. E me responde: ‘Você acredita que eu não sofro?’ Aí, recordei-lhe que há dois anos, quando estive aqui, perguntei-lhe por que não viajava e lhe comentei: ‘Se Deus nos deu um Papa e ele não pode pisar em nossa terra, uma dessas, mais que frustração, acaba sendo um trauma. É a impotência (que vive) uma sociedade como a nossa’”.
Então, a pergunta surgiu espontânea. “Acredita que corremos o risco de ser um país que nunca assista o retorno deste Papa?”. Diante do questionamento, Bárbaro não hesitou: “Claro, (sobretudo porque tem sua idade) e ele disse que não é eterno”. E acrescentou a sua opinião: “Só porque ele (Francisco) tem uma irritação com a direção argentina, é quase ridículo que alguns ‘macristas’ digam que é ‘kirchnerista’”.
Advertiu que resulta absurda essa acusação, porque ele mesmo foi testemunha de como o presidente argentino Néstor Kirchner enfrentou Bergoglio, quando este era arcebispo de Buenos Aires, e como “contratou os serviços” de Horacio Verbitsky, colunista do Página/12, “para vir falar mal dele em Roma”. E acrescentou: “Por isso, com humor, digo que Verbitsky é o único jornalista do mundo que escreveu um livro contra um cardeal e o fez Papa”.
Mais adiante, Bárbaro destacou que disse ao líder católico que, em certo momento, havia fantasiado a possibilidade de pensar que, caso ele viajasse, fosse recebido pelo atual presidente, Mauricio Macri, e sua antecessora, Cristina Fernández, os dois extremos da geometria política argentina. No entanto, imediatamente caiu em si que essa ideia era “uma estupidez”, porque “seria pensável em outro país”. “Sobre essa fratura, que não se dá apenas na direção, mas também na sociedade, é onde custa tanto que você dê um passo para aproximá-los”, estabeleceu.
“Disse-me que compreende o que acontece conosco, argentinos, nesta forma de conflito permanente”, afirmou. Então, explicou ao líder católico que “o problema com ele”, na Argentina, “não é religioso, mas, sim, político”. Lamentou a “limitação de muitos intelectuais” em compreender que existe um lugar “ para além de seu mundinho” e “tudo o que os transcende, fica grande”. “As misérias argentinas ultrapassam o Papa”, disparou.
Em seguida, Bárbaro considerou que Francisco em seu país seria “a última barreira” que diria: “Senhores, a cobiça destrói os humildes”. Advertiu que se não se forma um grupo dirigente capaz de transcender sua cobiça para pensar no coletivo, a sociedade continuará desmoronando. Criticou “a ideia de Macri” de que “a cobiça dos ricos constrói uma sociedade para todos” e se dirigiu ao Papa: “Santidade, digo-lhe hoje, em dois anos, haverá mais pobres; sempre haverá mais pobres”.
“Toda a conversa transitou pela impossibilidade de construir uma esperança entre duas desesperanças, que para mim - e ele dava a impressão que concordava - correspondem aos que se foram e aos que chegaram. O tema mais de fundo é a impotência por não poder construir um lugar onde haja um encontro, um respeito”, continuou.
E ponderou: “Ficou como que flutuando no ar: ‘Eu não vou porque nessa fratura (entre os argentinos) não tenho onde ir’. Não me disse isso, mas a descrição que lhe foi feita e a aceitação que ele faz dessa descrição deu esse resultado. Na conversa, vi um Papa preocupado com o seu país e com certa ideia de que é pouco ou nada o que pode fazer para ajudá-lo”.
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O Papa e a Argentina: “Em 2018, não tenho espaço na agenda para viajar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU