06 Dezembro 2017
“Vos me estás mirando y yo voy a caer/ no me ves pero ahí voy/ a buscar tu prisión /de llaves que sólo cierran” (música Vuelos, do grupo argentino Bersuit Vergarabat)
Entre os dias 8 e 10 de dezembro de 1977, foram sequestradas 12 pessoas, entre as quais estavam nossos familiares Azucena Villaflor de De Vincenti, Esther Ballestrino de Careaga, Patricia Oviedo e Ángela Auad.
O relato é de Cecilia De Vincenti, Mabel Careaga, Lía Torres Auad, Cristina Pinal e Carlos Oviedo, parentes das vítimas dos voos da morte, durante a ditadura argentina, publicado por Página/12, 05-12-2017. A tradução é do Cepat.
Nestas operações foram sequestradas, além de Mary Ponce de Bianco, as religiosas francesas Léone Duquet e Alice Domon e os familiares e militantes pelos direitos humanos Remo Berardo, Raquel Bulit, Horacio Aníbal Elbert, José Julio Fondovila e Eduardo Gabriel Horane.
Como foi demonstrado na sentença ditada pelo Tribunal Oral Federal N. 5, em outubro de 2011, correspondente à segunda parte da megacausa ESMA [Escola Superior de Mecânica da Armada], este grupo de pessoas que é conhecido como o Grupo dos 12 da Santa Cruz, foi sequestrado e detido ilegalmente na ESMA. Foram lançados vivos ao mar em um dos voos da morte, pretendendo assim desaparecer para sempre seus corpos.
A parte da megacausa ESMA unificada, que foi concluída no dia 29 de novembro, foi uma das mais importantes na história dos julgamentos deste país, não só pelas 789 vítimas que abarcou e pelos 54 vitimários, mas porque pela primeira vez foram julgados os voos da morte, que foi a prática de extermínio massivo de pessoas que caracterizou o centro clandestino da ESMA. Durante o julgamento, reconstruiu-se, por meio da análise de uma abissal quantidade de provas materiais, documentos, dossiês e a análise interdisciplinar dos mesmos, a existência das estruturas clandestinas, que permitiram à Armada realizar este plano aberrante e sistemático de desaparecimento e extermínio de pessoas através dos voos da morte. Concluiu com 29 prisões perpétuas, 19 condenações de 8 a 25 anos e 6 absolvições.
O círculo de horror que condenou os pilotos dos voos da morte inicia com o sequestro do grupo dos 12 da Igreja da Santa Cruz. Cabe esclarecer que, quando se fala do sequestro do Grupo da Igreja da Santa Cruz se faz referência a cinco operações de sequestros realizadas por grupos de tarefas da Armada: 3 que ocorreram no dia 8 de dezembro de 1977 e 2 que se realizaram no dia 10.
O grupo foi levado à ESMA, onde foi submetido a torturas e condições desumanas de detenção. Permaneceu nesse centro clandestino apenas alguns dias e, em seguida, foram transferidos nos voos da morte e lançados vivos ao mar. Cinco de seus corpos apareceram entre as costas de Santa Teresita e Mar del Tuyú. Foram enterrados como indigentes no cemitério de General Lavalle e, em 2005, com a intervenção da Equipe Argentina de Antropologia Forense, foi possível restituir a identidade de Azucena, Esther, Mary, Angela e Leonie, cujos atestados de óbito, elaborados em dezembro de 1977, especificam que seus corpos apresentavam politraumatismos como consequências de golpes sofridos por quedas de grandes alturas.
Pela primeira vez, foi possível comprovar cientificamente – por meio das comparações de DNA com seus familiares – a identidade das pessoas que tinham sido lançadas ao mar. Desta maneira, encerra-se este círculo de sequestro, desaparecimento, tortura e morte, provando de forma irrefutável a eliminação das pessoas detidas desaparecidas nos voos da morte.
No dia 29 de novembro, em uma histórica sentença, o Tribunal Oral Federal N. 5, condenou à prisão perpétua aqueles que tripularam os aviões Skyvan – que foram os utilizados para o transporte do Grupo dos 12 da Santa Cruz –, no voo do dia 14 de dezembro de 1977, e pelo qual foram condenados os pilotos Mario Daniel Arru e Alejandro Domingo D’Agostino. O tribunal reconheceu a existência dos voos da morte, fechando, desse modo, o círculo de horror que transitaram nossos familiares, fez justiça a eles e abriu o caminho para continuar com as investigações que permitam o julgamento e condenação de todos aqueles que fizeram parte da estrutura da Armada, que serviu de apoio ao Grupo de Tarefas para a eliminação física dos detidos desaparecidos, por meio destes voos.
Esta sentença chega 15 dias antes de se completar os 40 anos daquele sinistro voo. Como todos os anos, iremos nos encontrar no ato de homenagem a nossos familiares e companheiros (dia 8 de dezembro, às 18h, na Igreja, Estados Unidos, 3150), assim como em 2011, com a certeza de que a justiça chega, que todos os responsáveis de seu sequestro, desaparecimento e hoje também de sua morte estão condenados. Após o sequestro das primeiras Mães, suas companheiras voltaram à Praça, seguramente com muito medo, dor e incerteza e nesta volta estas corajosas mulheres derrotaram a ditadura e nos devolveram a democracia. Esther, Mary, Azucena, Leonie e Angela também voltaram com o mar para dar testemunho do horror dos crimes cometidos pela ditadura civil-militar, da existência dos voos da morte permitindo assim a condenação destes pilotos.
Estes crimes não ficaram impunes, porque houve uma política de Estado que favoreceu a investigação da documentação existente nos diferentes Ministérios e Forças de Segurança, política que hoje está sendo desmantelada aceleradamente pelo atual governo, empenhado em negar a história do genocídio.
Apesar das mudanças de época, a sentença foi uma lição e uma mensagem para o mundo: Aquele que cometer crimes no Estado não ficará impune na Argentina e foi um reconhecimento do valor da perseverança de familiares, sobreviventes e testemunhas na busca da Verdade e a Justiça.
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Argentina. Prisão perpétua para os pilotos dos voos da morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU