Por: Jonas | 07 Abril 2015
O jovem que foi tomado pelo chefe do grupo de tarefas da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), Jorge Vildoza, revela as explicações dadas pelo repressor a respeito do roubo de crianças. “Recuperar a identidade é a única forma de curar um pouco”, afirma e lamenta não poder saber a verdade sobre o destino de seus pais.
Você a conheceu? Viu-a? Escolheu-me? São as perguntas que Javier Penino Viñas fez ao repressor Jorge Vildoza ao tomar conhecimento de que sua mãe era Cecilia Viñas, uma desaparecida que foi sequestrada em Mar del Plata e que foi levada para dar à luz na maternidade clandestina que funcionou na ESMA. Vildoza escolheu Javier para confessar seus crimes, o bebê que roubou do centro clandestino e a quem levou do país quando a Justiça começou a procurá-lo. Enquanto estava fugido, Vildoza conversou com Javier a respeito de sua participação nos voos da morte, conforme descreveu este jornal, como também a respeito do roubo de crianças, da existência de listas e do roubo como uma solução para um dilema moral. “Disse-me que era algo pragmático por causa da questão desaparecimento - explica Javier -. Por conta do desaparecimento dos pais, não podiam entregar o bebê para família, porque com isso se evidenciava que havia tido uma mãe. Então, as opções eram: deixa-se em um orfanato, mata-se a grávida ou a criança ou se faz uma adoção. E a adoção era a versão mais cristã e boa no plano sistemático”.
Javier é filho de Hugo Reinaldo Penino e Cecilia Viñas Moreno de Penino. Os dois foram sequestrados no dia 13 de julho de 1977, em um setor da Avenida Corrientes, em Buenos Aires, e foram levados para Mar del Plata. Cecilia estava grávida de sete meses e antes de ter o filho foi para a ESMA, onde funcionava a maternidade clandestina. Sara Osatinsky, que ajudou várias parturientes sequestradas, disse que Cecilia foi visitada por altos comandos: “Vinha de Buzos Tácticos de Mar del Plata e deu à luz a um varão. Altos chefes vinham visitá-la. (Antonio) Vañek (chefe do Comando de Operações Navais e depois chefe do Estado Maior Geral da Armada); vinham (Jacinto) Chamorro ( o diretor da Escola) e (Jorge) Vildoza. Também (o médico Jorge) Magnasco”. Outra sobrevivente, Ana María Martí, afirmou que sentiu angústia saber que o filho de Cecilia Viñas havia sido tomado por Vildoza. “Dava-me a impressão de ser uma espécie de robô satânico, uma espécie de frieza incrível, nunca moveu um fio de cabelo, e me causou realmente muita dor e muita preocupação que essa criança estivesse nos braços de Vildoza”.
A entrevista-reportagem é de Victoria Ginzberg e Alejandra Dandan, publicada por Página/12, 06-04-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que Vildoza contou sobre a forma como você chegou a ele?
Contou-me que havia uma estratégia para entregar os bebês. E que nunca conheceu Cecilia.
Contou isso a você na idade adulta? Quando foi?
Em 1998 nos separamos. Quando surgiu o assunto do DNA, ele se esquivou no sentido de se esconder mais ainda. Saíram (Vildoza e sua mulher Ana María Grimaldos) de onde estavam na África do Sul. Fizeram outro movimento para o Paraguai. Sendo assim, não estive com eles por muito tempo. Contudo, quando comecei a visitá-los novamente, sentei-me com eles para conversar, para questioná-los.
O que você dizia e o que perguntava?
Conversávamos muito. O que me interessava era saber se realmente Cecilia havia passado pela ESMA. Obviamente, se havia sido ele quem montou a operação de sequestro para pegar Hugo e ela. Ele dizia que não. E acaba sendo certo, pois há coisas que pude checar nos julgamentos que ocorreram depois. Ela foi sequestrada na Avenida Corrientes, mas tinham sido seguidos desde Mar del Plata, de Buzos Tácticos. São levados para Mar del Plata e ela é conduzida à ESMA uma semana antes de dar a luz. Tem o bebê e obviamente as coisas que perguntei foi: você a conheceu? Viu-a? Escolheu-me?
No entanto, Sara Osatinsky, sobrevivente da ESMA, disse que ele ia vê-la.
Estive lendo as declarações. Vildoza não figura como alguém que ficava muito ali. Estava, porque obviamente era chefe de Operações. Os que mais aparecem são Pedro Bolita, não sei quem era, (Jorge “El Tigre”) Acosta e (Emilio Eduardo) Massera, que estavam muito orgulhosos de ter a maternidade. Aparece o prefeito (Héctor) Febres. E Vildoza menos. O fato é que o questionei se a havia conhecido e me disse que não. Não me parece inverossímil, pois se ela chegou à ESMA uma semana antes e, em seguida, foi transferida novamente para morrer ou para Mar del Plata, é possível que não pôde conhecê-la.
Entre todos, por algum motivo foi você que foi com ele?
O que me disse é que já havia assinalado que estaria disposto a adotar uma criança.
Contou a você se havia listas de espera?
Não lembrou se havia uma lista formal, mas me disse que ele havia designado alguém, não sei quem. O que conduzia o processo, não sei se Magnacco, o doutor ou o prefeito Febres, que era o encarregado pela tarefa de distribuição das crianças. Consta-me que ele havia dito a alguém que estava interessado em adotar. E esperou até que lhe deram um bebê. Eu fui entregue ao redor de 12 ou 13 (de setembro de 1977).
Há um sobrevivente que disse que o viram quando um bebê era levado.
Pode ser.
Vildoza, a quem os sobreviventes conheciam como Gastón, foi chefe do Estado Maior do Grupo de Tarefas 3.3.2 da ESMA. Foi destinado ao CCD de 1º de fevereiro de 1977 a 2 de maio de 1979, primeiro como tenente de Navio e depois como capitão de Corveta. Quando as Avós da Praça de Maio e sua família – sobretudo seu tio Carlos Viñas, que encaminhou a busca e as demandas judiciais – encontraram Javier, Vildoza o levou. O jornal Página/12 já contou como saíram do país com documentos falsos, a bordo de um carro de Inteligência da Armada. Primeiro para o Paraguai, depois Brasil, Áustria e, finamente, estabeleceram-se na África do Sul.
Em 2012, Ana María Grimaldos, a mulher de Vildoza e apropriadora de Javier, foi presa em Buenos Aires. Foi quando informou que seu marido havia morrido em 2005. Porém, não há como comprovar essa afirmação. Segundo declarou, ele faleceu em sua casa, na África do Sul, e foi cremado com o nome de Roberto Sedano, uma identidade adotada naqueles anos.
Nesse momento, está acontecendo o julgamento de Grimaldos; por isso, Javier, que vive em Londres, está em Buenos Aires. Ele espera que não deem muitos anos de prisão para sua apropriadora, talvez também por conta disso é que aceitou conversar com o jornal Página/12. É aberto e franco. Seus olhos brilham quando imagina sua mãe, Cecilia, grávida na ESMA, em um quarto com suas companheiras. Sente raiva quando recorda que a enganaram para que escrevesse uma carta para sua família, a quem supostamente iriam entregar o seu bebê.
Você sabe se efetivamente nasceu no dia 7 de setembro?
Isso é algo que lhe perguntei e me disse que sim. Não tenho porque pensar que tenha sido outra data. Porque quando recupero a identidade, Cecilia, avó, diz que a data para a qual se esperava o nascimento era 13 ou 15. Contudo, é fácil que um parto seja adiantado em uma semana, ainda mais em situação de estresse, que é algo em que penso muito.
No que você pensa muito? Em como foi a gravidez?
Sim. Quando a sequestraram estava com sete meses. Em toda essa parte penso muito. De perder o esposo. Por aí viu que o mataram. Ou ficou pensando que o mataram. Consta-me que Huygo não sobreviveu muito tempo, acredito que o mataram em Mar del Plata, de forma muito rápida, porque ninguém o viu. Perdeu-se na sequência.
Você acredita que algo disso chegou a você?
Sim. É inevitável pensar o que deve ter pensado e sentido nesse momento. O que mais me dá raiva é a carta que as faziam escrever.
Que a enganaram?
Isso sim. É como se para algum tarado pareceu ser uma mentira branda e que se com ela acontecerá isso ou aquilo, pelo menos fazemos a criança se sentir bem antes de matá-la. No entanto, vendo isto de fora é muito sinistro. Vê-se muito mal.
É muito inglês “vê-se muito mal”.
Por aí, é muito light. Perguntei-lhe muito sobre isso. Ele me disse que me entregaram com um enxoval já preparado. Uma cesta linda com brinquedinhos. Roupa de bebê. Era uma cesta para carregar bebês. E me trouxe para casa com isso. Realizou isto como uma grande surpresa: finalmente a adoção havia se concretizado. Foi um momento de alegria, não foi um momento incomum.
Disse a você mais alguma coisa sobre as entregas?
Não me consta que faziam isto por uma questão ideológica. Por aí, a Massera ocorreu dizer isso.
Uma das hipóteses é que não queriam devolvê-los para nenhum familiar, pois podiam criar estas crianças da mesma forma como haviam criado aos que eles consideravam “subversivos”.
Sobre isso também o questionei. Disse-me que era algo pragmático por causa da questão desaparecimento. Por conta do desaparecimento dos pais, não podiam entregar o bebê para família, porque com isso se evidenciava que havia tido uma mãe. Então, as opções eram: deixa-se em um orfanato, mata-se a grávida ou a criança ou se faz uma adoção. E a adoção era a versão mais cristã e boa no plano sistemático. Era o que consideravam. E o fato que os leva a adicionar uma criança à família não é por ideologia, é por querer uma criança, por querer adotar.
Existe a ideia da pilhagem de guerra.
Talvez em alguns casos tenha sido assim. Parece-me que era para perpetuar a figura dos desaparecidos. Mantê-los desaparecidos. Se entregassem uma criança, admitia-se que tinham a mãe. Quando lhe perguntei, disse-me que era por isso e que não existia a opção de devolvê-la à família biológica. No caso em que a pessoa seria eliminada definitivamente, o bebê não podia voltar, porque a pergunta natural seria sobre onde estava a mãe, e eles sabiam que a mãe executariam. Então esses bebês tinham que ser abandonados em um abrigo, algo assim, ou em uma organização religiosa. Assassinar, não assassinaram nenhum.
Meninos sim.
Pode ser.
Um mês antes que os Vildoza fugissem, em 1984, o chefe do grupo de tarefas da ESMA havia passado por uma acareação em um julgamento com Carlos Viñas, o tio de Javier. Vildoza disse aos juízes que não poderia submeter a criança a um DNA porque seria um procedimento cruel. Conseguiu tardar qualquer tipo de procedimento e se foi para sempre com sua esposa e o filho de Hugo e Cecilia. Javier recuperou sua identidade em 1998. Veio ao país por sua própria vontade, apresentou uma carta perante (a juíza) María Servini de Cubría e fez um exame de DNA, mas mantém vínculos com seus apropriadores e uma relação de altos e baixos com sua família biológica.
Por que você veio, em 1998, fazer o teste de DNA? O juizado não parecia saber onde estavam. Vocês estavam escondidos na África do Sul.
Na medida em que eu ia tomando mais consciência da informação que existia e como me aproximava da maioridade, a ideia era a de procurar averiguar se era ou não era isto que se alegava, que eu estava vinculado biologicamente aos Viñas para deixar claro minha identidade, já que naquele momento estava vivendo com uma identidade falsa. Ou seja, para além da falsificação original.
Uma farsa para além da farsa?
A falsidade que naquele momento vivia. Possuía um documento em nome de Julio Cesar Sedano, mas a questão não era apenas para mudar o nome, mas, sim, que na idade adulta não convinha nem a meus pais adotivos e nem a mim manter uma situação de viver com um passaporte falso, assim como a ideia deles era que o falso...
Que o falso podia lhe trazer problemas?
A ideia era que eu me limpasse. E seguisse minha vida como Vildoza, caso o DNA não desse.
Eles diziam que não iria dar?
Eles não estavam seguros. Minha mãe não tinha muita ideia de nada, se daria ou não. Acredito que queria que não desse. Razão pela qual para ela significava que se realmente eu era Viñas e se era algo vinculado à ESMA, porque meu pai adotivo sempre havia dito que minha adoção nunca esteve relacionada com o seu trabalho (?). Acredito que para ela fui eu o que foi contando sobre minha origem.
E no que você acreditava?
Não estava seguro. É algo incomum. Porque meu pai adotivo, a essa altura, era muito honesto comigo. No momento em que me apresento, já havia admitido que provavelmente eu fosse filho de desaparecidos.
Desde quando você sabe que eles não eram seus pais?
Desde os 13 anos. Na realidade, ela falou com um psicólogo e um padre para ver qual era a idade correta para dizer a um filho que era adotivo. Sua ideia era me contar, mas lhe indicaram uma faixa entre 8 e 12 anos, ou algo assim. Meu pai adotivo dizia que ele opinava diferente. Que não queria me fazer sentir que não era parte da família, e que convinha esperar. Obviamente, por ele teria esperado eternamente, porque sabendo o que sabia, não convinha que eu soubesse que tinha sido adotado, pois em algum momento eu iria me inteirar da origem biológica, começar a conhecer um pouco da história argentina, sem contar que vivíamos na África do Sul. O que, sim, aconteceu é que meu pai ficou afastado disso. Para mim, foi para evitar que eu perguntasse se ele sabia de onde eu vinha. Perguntei a minha mãe. Ela me disse que eu era adotado, que segundo Jorge Vildoza eu era órfão e que não havia sido abandonado. Esses eram os dados que tinha sobre minha origem.
Que não havia sido abandonado.
Claro.
E isso não chamou a sua atenção? O que significava que não havia sido abandonado?
Sim. Disse-me que não sabia. Mas, se eu queria voltar à Argentina para averiguar, ela me ajudaria. Pareceu-me bom e lindo: acredito que nenhuma criança adotada gosta de pensar que seus pais não a quiseram. Vi isso como algo positivo e não me preocupei mais. Não recordo se a perguntei de onde e como. Ou se pensei em fazer uma investigação, uma checagem. Nesse momento, não me chamou a atenção. Depois, em certo momento você começa a destrinchar tudo isso.
Como foi? Você procurava na Internet?
Pela internet comecei a entender bem que os Viñas estavam me procurando.
No entanto, vocês tinham ido para o Paraguai, África do Sul. Não relacionava essas viagens ao fato de que estavam procurando por você?
Não. O que eu sabia era que o meu pai adotivo havia fugido por ter trabalhado na ESMA.
Javier fala em um bar. Nunca levanta a voz e nem fica nervoso. Porém, quer explicar sua posição. Repete muito o que disse no julgamento sobre Grimaldos: que ela não lidava com os documentos, que Vildoza foi o único que assinou as certidões de nascimento falsas e que, em 1977, ela não soube de onde ele vinha. Descreve uma vida cotidiana na qual ela dependia completamente do repressor, que decidia tudo, principalmente a fuga. Grimaldos, de qualquer forma, esteve fugida outros sete anos após a suposta morte de Vildoza.
Os advogados das Avós da Praça de Maio e a promotoria possuem outra visão. O promotor Horacio Azzolin pediu 12 anos de prisão para ela, assim como os advogados das Avós, Alan Iud e Pablo Lachtner. “Consentiu na anotação de Javier Penino Viñas como filho biológico, criou-o como se tivesse poder sobre ele, manobrando sua documentação falsificada, mantendo a todo o momento sua capacidade de decisão a respeito do plano criminoso levado adiante em conjunto com o senhor Jorge Vildoza no desenvolvimento de sua sociedade conjugal”, destacaram os advogados das Avós.
Grimaldos teve dois filhos, Mónica e Jorge Raúl. Javier contou no julgamento que a mulher havia perdido três gravidezes, em 1968, em 1970 e em 1971.
Compreende a procura de sua família? Se tivessem levado sua filha, quando nasceu, passaria a vida toda à sua procura por aí?
Sim, óbvio. Ou caso acontecesse algo com a minha irmã, eu estaria como Carlos, procurando. A questão é que eu acredito no que se esquece agora, e não é totalmente correto, é que se trata cada caso como se fosse um roubo. Como se um dia lhes ocorreu: “Bom, vamos roubar um bebê”. Não era assim. E isso já consta legalmente. Havia um plano sistemático. Havia um aparato criado com um amparo legal e moral que assinalava que era bom fazer isso, que era cristão e humano.
Contudo, justamente Vildoza estava em um lugar privilegiado desse plano e aparato, não era uma peça menor.
Não estou aqui defendendo Vildoza. Minha mãe, sim, porque se trata de outra coisa. Ela está sendo julgada porque estava casada com o chefe de Operações da ESMA.
É o que está deliberando o tribunal agora. Você pode justificá-la ou não, mas legalmente se conhecia o fato, participou de um crime. Para você parece justo que ele seja condenado?
Sim. Ele havia se defendido no sentido da motivação, da razão pela qual agiu assim ou a respeito do que soube e não soube do bebê.
Cecilia Viñas telefonou oito vezes para sua família, entre 21 de dezembro de 1983 e 19 de março de 1984, de algum lugar do inferno, com a voz partida, e como parte de um grupo de sobreviventes que ainda continuava cativo. Nas ligações pedia um resgate que nunca se concretizou, mas, sobretudo, perguntou por seu filho. “Disse-me que desde o primeiro dia de sequestro não havia visto Hugo e me pediu encarecidamente que procurasse seu filho. ‘Procura o nenê’, disse-me”, contou Carlos Viñas, seu irmão, durante o julgamento. Esse é o único telefonema que a família chegou a gravar e que ainda é possível escutar. “Hoje, aqui – disse seu irmão -, estou comprometido com isso”.
Carlos procurou Javier desesperadamente. Percorreu Borda, Moyano e a Colonia Open Door quando a polícia lhe disse que procurava sua irmã entre os pacientes psiquiátricos. “A única coisa que lhes ocorreu me propor (a Polícia Federal do ano de 1984) foi a de percorrer todos os centros psiquiátricos. Até que um dia eu disse: ‘não vou mais a lado nenhum, se não ficarei em algum’.” Percorreu as ruas de Martínez todos os dias 7 de setembro, procurando ouvir das portas uma comemoração de aniversário. Repetiu isto no bairro dos militares, em Assunção, e nessa mesma cidade na porta de todos os colégios particulares.
Foi bom para você recuperar sua identidade?
Recuperar a identidade é a única forma de curar um pouco o tema dos desaparecidos, porque obviamente as crianças tomadas são desaparecidas. É desaparecer aos desaparecidos, reaparecer. Eu não me arrependo de nada.
Como foi o julgamento, durante esses dias, com a declaração de sua família? Conseguiu entendê-los?
As primeiras três partes da declaração de Carlos me comoveram. Comoveu-me muito a parte em que relatou a procura; as instituições psiquiátricas que percorria para ver se conseguia reconhecer Cecilia. Ou que andava por Martínez nos dias de meu aniversário para ver se via algo. Isso é necessário fazer. E nisso o respeito muitíssimo.
Há uma coincidência nos tempos: a fuga; a causa da apropriação e os telefonemas de Cecilia.
Eu o questionei muitíssimo sobre isso (a Vildoza). Porque isso representava que estava viva, porque é a única. Ele pensava que era alguém procurando fraudar o avô. Carlos (Viñas) disse que aconteceu várias vezes. Porque (Vildoza) me disse que o proceder normal era que se a mulher dava à luz e a criança ia para o plano de apropriação, a mulher supostamente era culpada e seria executada ou assassinada. Ele me admitiu que como ela não estava sob a jurisdição do GT 3.3.2 da ESMA, foi levada para lá porque estavam equipados para ter bebês e depois foi transferida. Disse-me que pode ser que tenha ocorrido algo em Mar del Plata. Que alguém a levou. Porém, parecia-lhe improvável. Não podia me dizer com segurança que foi transferida em um voo.
Você declarou que não acreditava muito nesses telefonemas. Mudou algo com o julgamento?
É sumamente incomum. Interesso-me muito em saber o final. O que às vezes me rende coisas para pensar... Pensei que ela poderia estar viva por aí e que por qualquer razão psicológica decidiu não reaparecer ou não se reintegrar com a sua família. E em certo ponto pensei que talvez fosse aparecer no julgamento.
A figura do desaparecido gera coisas assim. A incerteza. Você deixou sua mostra de sangue na Equipe Argentina de Antropologia Forense?
Suponho que possuem de meu DNA. Não sei. E sobre Hugo sei por Guadalupe (sua tia) que estava ocorrendo o julgamento de Mar del Plata, mas não saiu nada. O que me dá raiva é não poder saber a verdade. Inclusive, há coisas que me ocorria lhe perguntar (a Vildoza) após o julgamento. Detalhes, por exemplo, como o tema de Pertusio (Roberto Luis Pertusio, chefe da Base Naval II de Mar del Plata). Viñas disse que figura como meu padrinho e nunca foi meu padrinho. Que eu saiba meu padrinho foi Jorge, meu irmão. Eles dizem que não sabem nem sequer quem era. Eu gostaria de lhe perguntar sobre essa conexão com Mar del Plata. O restante cheguei a lhe perguntar.
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A sinistra ditadura argentina. “Não podiam devolver as crianças porque significava aceitar que existiam as mães” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU