06 Novembro 2017
Entre as dunas do deserto egípcio, existe um mosteiro em que muçulmanos e cristãos aguardam juntos a benção do padre Fanous. No Kosovo, estradas afligidas pela miséria e pela prostituição conservam o coração místico do Islã, o sufismo. E, depois, o Haiti, onde, para a peregrinação à cascata abençoada, reúnem-se fiéis do vudu e católicos. São os últimos oásis de convivência entre religiões, assediadas por fanatismos em luta e contadas por Monika Bulaj, no livro Where Gods Whisper, editado pela Contrasto.
A reportagem é de Federica Salzano, publicada por Il Messaggero, 02-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fotojornalista e documentarista, Bulaj colabora com dezenas de publicações internacionais – do New York Times a National Geographic – e, ao longo dos anos, levou adiante uma busca pessoal nas fronteiras das fés.
Nascida na Polônia, mas residente na Itália há muito tempo, é daí que ela parte para as suas viagens, atravessando barreiras geográficas e culturais, da América Latina ao Oriente Médio, da África à Rússia.
“Eu gosto do pensamento de que há lugares onde o sagrado rompe as fronteiras. Lugares, momentos, atmosferas em que os Povos do Livro revelam o pertencimento a uma mesma família humana, com ou sem Livro. Esse trabalho – explica a fotógrafa – mudou ao longo dos anos. No início, eu documentava pequenas e grandes religiões à sombra de guerras antigas e recentes. Depois, em certo ponto, foram as minhas imagens que me buscaram. Agora, eu reúno pedaços de um grande espelho quebrado, fragmentos incoerentes, peças, átomos. Talvez seja isso que o fotógrafo pode fazer: reunir peças de um mosaico que nunca estará completo, colocá-las na ordem que lhe parece certa, sonhando com aquela imagem inteira do mundo que talvez existe em algum lugar”.
E assim, com a atenção de uma antropóloga, Monika Bulaj reuniu as suas experiências em um rosário de textos e imagens sobre as múltiplas formas da espiritualidade. Um mosaico de histórias que encerra surpresas, contradições e analogias inesperadas.
Como aquela entre o Ta’ziyeh persa e o rito de penitência que ocorre a cada sete anos na cidadezinha de Guardia Sanframondi, na província de Benevento, Itália. Procissões, reevocações dramáticas, flagrantes e sacrifícios põem em contato esses lugares que, geograficamente distantes, compõem imagens em ressonância. Como em um eco de orações que, da Itália, chega até o Irã.
E ainda, folheando as páginas do livro, descobre-se um rosto inédito do Islã, aquele vivido pelos tuaregues “com a alegria da África e a leveza do nômade”. “Um mundo – conta Bulaj – onde é o homem que cobre o rosto, e é a mulher, ao contrário, que o exibe alegremente. Aqui, as mulheres se casam e são livres para sair quando quiserem. Cheias de autoridade e de magia, seguras de si mesmas a ponto de quase dar medo”.
Depois, absorvidas nas montanhas da Síria, há uma comunidade que pratica a simpatia – o sentir comum em Cristo – e respeita o Ramadã junto com os vizinhos muçulmanos. Lugar de debate religioso entre pessoas e não entre ideias é Deir Mar Musa, mosteiro fundado pelo sacerdote italiano Paolo Dall’Oglio, sequestrado em Raqqa em 2013 e que nunca mais voltou.
“O diálogo começa no coração – dizia o religioso – quando você caminha na terra do seu irmão e aprende com ele em quais fontes ele bebe.”
Monika Bulaj transformou essas palavras em prática concreta. Com os companheiros que encontrou ao longo da viagem, ela compartilhou o pão cozido sobre o pneu no Egito e dormiu debaixo do teto de um caminhão com religiosos haitianos. Nos picos do Atlas, ela se lançou às danças místicas em honra a Aisha e tentou observar o mundo através dos minúsculos buracos de uma burca.
As suas fotografias representam experiências vividas antes ainda de serem fotografadas e, por isso, mostram o invisível, em um relato que não é descrição, mas sugestão. Entre formas desfocadas e luzes ancestrais, percebe-se uma íntima sacralidade que põe em contato a interioridade de quem é retratado com a da fotógrafa e a do observador.
Essencialmente, trata-se de sensibilidade humana. Quer sejam os múltiplos significados do véu, as histórias dos exilados ou as das peregrinações, no centro, sempre está a pessoa: na sua relação com a natureza e com o corpo, às lidas com o mistério da vida e da morte. A pessoa na sua dimensão primordial, entre medo e necessidade de partilha.
“No encontro com o próximo” - sintetiza Bulaj – ao seu lado ou à sua frente, o mundo às vezes presenteia uma centelha, um fogo, um esplendor, uma cor, e, naquele breve instante, você se torna aquilo que você está olhando. Talvez você viaje justamente por aquele momento”.
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Nas fronteiras da fé, onde o sagrado é alegria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU