Por: Lucas Schardong e Marilene Maia | 12 Outubro 2017
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em parceria com o Centro de Direitos Econômicos e Sociais – CDES e ACESSO Cidadania e Direitos Humanos, iniciou o Ciclo de Debates: Gentrificação, Direitos Humanos e as cidades. A primeira parte do evento ocorreu na segunda-feira (02/10), na Unisinos Campus Porto Alegre e trouxe como convidados o sociólogo Brian Mier, conselheiro do Conselho de Assuntos Hemisféricos, e a geógrafa Nola Patrícia Gamalho, da Universidade Federal do Pampa – Unipampa. O objetivo da atividade é analisar e debater os processos de transformação das cidades impostos pelo capitalismo contemporâneo, com destaque para a gentrificação à luz dos direitos humanos.
Clique aqui para conferir a gravação do evento no canal do IHU no Youtube.
O evento começou com Mier abordando conceitos e definições referentes à gentrificação e também sua relação com os direitos humanos. “Quando a gente fala sobre direitos humanos, pelo ponto de vista da gentrificação, nós falamos sobre o direito às cidades”, diz. De acordo com o sociólogo, este é um direito básico humano, que teve seu conceito criado nos anos 60 e inexiste no sistema capitalista. Ele também afirma que o direito às cidades é poder modificar a cidade na forma que a população ache melhor e que atenda as necessidades.
Mier revela que essa questão é diretamente relacionada com a gentrificação. “A gentrificação é uma forma de alterar o espaço urbano, mas para privilegiar as elites”, afirma. A gentrificação é o processo de transformar uma região ou um bairro, através de mudanças de pontos comerciais ou prédios antigos, para novos modelos, o que, de acordo com Mier, acaba afetando também a cultura da população moradora destes locais.
Em geral, esse método é praticado em bairros operários, onde é feita uma especulação imobiliária. Investidores compram diversos imóveis a um preço baixo e não os utilizam, para que eles acabem sofrendo as ações do tempo. Com isso, eles alugam os imóveis a preços baratos, mas investem nos comércios e pontos culturais do bairro, para atrair a classe artística e popularizar o bairro. Como o lugar se torna atrativo e barato, muitas pessoas acabam indo morar ali, mas como Mier informa, após 10 a 15 anos dessa popularização dos bairros, os valores dos imóveis aumentam absurdamente e essas pessoas acabam sendo expulsas, pois não têm condições financeiras de continuar morando no bairro.
A exposição foi ilustrada com fotos das experiências que vão se construindo no mundo (Foto: Arquivo/Brian Mier)
Mier também cita outras estratégias de gentrificação, além do modelo principal que é o da atração da classe artística. Outro sistema utilizado pelos especuladores é se apropriar de bairros que não tenham uma identidade cultural fortalecida e criar a própria identidade conforme os interesses dos investidores. Ele também cita o método do “megaprojeto”, que investe em grandes prédios, mesclando com alguns antigos, como em universidades ou parques tecnológicos. Geralmente esses projetos são feitos junto com o poder público e para aumentar os preços dos imóveis no bairro.
Como resultado da gentrificação nos bairros ou regiões, Mier explica que os valores dos aluguéis aumentam, expulsando as pessoas que não têm condições de pagar. As empresas também sofrem com os novos valores, mudando de lugar e prejudicando seus trabalhadores ou causando muitas demissões. Outro problema são os estelionatários, que se aproveitam da situação das pessoas que estão devendo e não têm condições de pagar o aluguel, e oferecem um valor de compra do imóvel muito abaixo do real.
Ao dizer que a gentrificação é a “privação dos direitos às cidades”, Mier cita algumas estratégias para combater este método, algo que ele adquiriu ao longo da sua experiência e de seus estudos. Mier relata que o protesto direto contra a venda de prédios, por exemplo, faz com que as pessoas que estejam se mobilizando sejam vistas como “antiprogresso” ou “antidesenvolvimento” da cidade, o que pode dificultar na luta contra a gentrificação.
O sociólogo afirma que uma das soluções é organizar a associação de moradores do bairro para que eles (em conjunto com a população) lutem pela permanência ou criação de imóveis com preços sociais. Outro método citado por Mier é o congelamento do IPTU para moradores históricos dos bairros ou a redução dos impostos para as empresas mais antigas que querem se manter nessas regiões. Ele também traz o chamado “controle de aluguel”, ou seja, que, independente dos aumentos em razão da gentrificação, 15% a 20% dos aluguéis daquele bairro sejam subsidiados pela prefeitura. Por último – e o método que Mier considera mais importante – é argumentar que lutar contra a gentrificação não é ir contra o progresso, mas mostrar que não existe a necessidade de acelerar o processo do mercado, principalmente por serem usados recursos públicos para isso.
A doutora em Geografia, Nola Patrícia Gamalho, deu continuidade aos debates, afirmando que ela não lida diretamente com gentrificação, mas suas ideias vêm de seus lugares epistemológicos e aproximações à temática. Nola entende que o tema é complexo, difícil e influencia diretamente a vida das pessoas e que o debate é importante para pensar cidades mais humanas.
Para dar vistas ao debate, Nola trouxe algumas narrativas de representantes de povos indígenas e moradores de comunidades das cidades que sofreram com o processo da gentrificação. Os relatos, em sua maioria, trazem uma crítica à forma com que essas pessoas foram tratadas e o questionamento de como o processo de “evolução” das cidades pode impactar tão negativamente para a vida destas populações, que se veem sem saída ou apoio na hora de lutar por suas residências. “A apropriação é o oposto de propriedade, assim ela é desconstruída cotidianamente, de forma a não resistir. Então os espaços de encontro, os espaços de prática na cidade devem ocorrer nos espaços intermediários para isso. As ruas perdem força”, afirma.
A cidade do Rio de Janeiro também teve regiões que sofreram com a gentrificação (Foto: Arquivo/Brian Mier)
Nola também identifica que as populações que são afetadas pelo processo de gentrificação acabam sofrendo com preconceitos e se tornando estigmatizadas. “Quando há os processos de remoções, as pessoas são associadas a patologias, a doenças ou a desajustes. As nossas juventudes periféricas são constantemente associadas ao desajuste e ao problema social”, revela.
Como forma de resistência à gentrificação, Nola cita as manifestações culturais, através da música, dança, poesia, pois por meio disso as populações se apropriam dos espaços e criam uma identificação e uma raiz muito mais forte com os bairros ou regiões, fazendo com que a luta pela permanência se fortaleça e crie visibilidade.
O segundo dia do Ciclo de Debates ocorrerá no dia 24/10, com a conferência “Podem as cidades existir sem os direitos humanos?”. As palestras serão apresentadas pelo representante da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, Jacques Távora Alfonsin, e pelo representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia Ocupa Prefeitura de Porto Alegre – MNLM, Ezequiel Morais. O evento ocorre na Unisinos Campus Porto Alegre, das 19h30min às 22h.
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Gentrificação, Direitos Humanos e as cidades em debate no IHU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU