06 Setembro 2017
De 09 de abril de 1948, dia do homicídio do candidato a presidente e líder liberal católico Jorge Elicer Gaitán, até hoje, a Colômbia viveu sete décadas de violência interna, desencadeada por causas muito diversas e que estiveram caracterizadas por diversas intensidades. A primeira parte destes 70 anos de guerra constante (entre 1948 e 1958) pode ser interpretada como uma espécie de “longa cauda” do difícil período colonial e pós-colonial que surgiu com as lutas pela independência da coroa espanhola. Com a exceção de breves parênteses de relativa tranquilidade, a Colômbia é, há pouco mais de dois séculos, um dos países latino-americanos mais desagregados e, às vezes, devastados por múltiplas pragas. E, ultimamente, conheceu as pragas do narcotráfico, das guerrilhas de grupos marxista-leninistas e dos paramilitares de direita.
A reportagem é de Luis Badilla e Francesco Gagliano, publicada por Vatican Insider, 05-09-2017. A tradução é de André Langer.
Os números das vítimas são impressionantes: as fontes mais confiáveis dizem que no primeiro período, chamado precisamente de “Violência”, as vítimas, especialmente civis, foram 300 mil. Por outro lado, durante o período da guerra interna contra as FARC, os mortos, em mais de 50 anos, foram pelo menos 230 mil, de novo principalmente civis.
Este dado deve ser considerado à luz de um número maior, inédito na história recente do mundo: na Colômbia, durante os anos dos conflitos entre o Estado e as FARC (grupo político hoje pacificado e que se transformou em um partido constitucional) e com o ELN (Exército de Libertação Nacional), com quem o governo está negociando a paz no Equador, as vítimas foram, no total, 8.376.463.
De acordo com o Registro Único de Vítimas (RUV), citado pelo presidente Manuel Santos por ocasião da Jornada pelas Vítimas, da Memória e do Perdão, o número indicado é composto da seguinte maneira: 7.134.646 deslocados, 983.033 homicídios (o dado inclui as 230 mil vítimas dos confrontos internos com as guerrilhas), 165.927 desaparecimentos forçados (cujo paradeiro, na maioria dos casos, é desconhecido), 10.237 pessoas torturadas e 34.814 sequestrados (entre os quais há muitas crianças sequestradas com a finalidade de pedir resgate e que nunca retornaram às suas famílias). De acordo com o RUV, das 8.376.463 pessoas afetadas 8.074.272 (96%) correspondem à categoria de “vítimas do conflito armado” e 302.191 à categoria de “vítimas por sentenças”, isto é, pessoas que foram incluídas nas listas dos mortos por sentenças de tribunais.
Em todo caso, está claro que na Colômbia as vítimas não são apenas as 230 mil pessoas aniquiladas pelas dinâmicas dos conflitos internos de que se fala com frequência. Para a sociedade colombiana, política, cultural e juridicamente, o status de vítima é um conceito muito mais amplo e mais respeitoso da verdade, e, sobretudo, dos sofrimentos que todo um país teve durante décadas. Este é o conceito que devemos ter em conta quando se diz que o Papa Francisco concentrará sua viagem à Colômbia nas “vítimas”.
Evidentemente, o Papa pensará nos dois bispos assassinados nestes anos (dom Isaías Duarte Cancino, 1939-2002, e dom Jesús Jaramillo, 1916-1989) e também nos mais de 100 sacerdotes, religiosos, religiosas, diáconos e catequistas assassinados nos últimos 30 anos.
Ele levará também em conta as dezenas de dirigentes e ativistas dos direitos humanos assassinados, alguns recentemente, depois da assinatura dos “Acordos de paz”, como aconteceu depois da pacificação, há alguns anos, com outro pequeno grupo armado. Serão recordados, obviamente, os milhares de camponeses massacrados pelos grupos paramilitares de direita a serviço dos latifundiários e dos especuladores. Mas o pensamento do Papa estará concentrado no sofrimento coletivo, no sofrimento de um povo massacrado, cujas últimas duas gerações nasceram e cresceram na violência, lamentavelmente considerada “condição normal”, e que não conhecem a paz, porque nunca a viveram.
As quatro principais reflexões das etapas da viagem de Francisco à Colômbia são um “esquema da reconciliação” que deseja impulsionar e fazer que cresça como uma “avalanche de ternura e misericórdia”: Bogotá (Artesãos de paz e promotores de vida), Villavicencio (Reconciliação com Deus, entre os colombianos, com a natureza), Medellín (Vida cristã como discipulado) e Cartagena (Dignidade da pessoa e direitos humanos).
Em suas 20 peregrinações internacionais, o Papa Francisco viveu em poucas ocasiões uma experiência semelhante àquela que aguarda por ele na Colômbia: o encontro e o abraço com uma imensa massa de jovens, idosos e pessoas de meia idade, mulheres, homens, crianças, ricos e pobres, que carregam nos corações as cicatrizes e uma longa noite de sofrimentos, humilhações e solidões. Caso não se compreender bem e, sobretudo, não se apegar, a verdadeira dimensão antropológica, social e espiritual desta realidade (ou seja, deste sofrimento do povo, lacerante e estendido no tempo), não se compreenderá por que o Papa quis visitar este país sul-americano, onde, entre outras coisas (e aqui nos encontramos diante de um mistério ainda por esclarecer), a fé católica está muito difundida. Alguém poderia se perguntar, embora possa ser difícil obter uma resposta: como é possível que nos dois países latino-americanos mais católicos, o México e a Colômbia, existem há décadas “veias abertas” de dor, iniquidade, injustiça e exploração?
Também este é um dos desafios que o Papa Francisco encontrará na Colômbia.
O Papa também terá, para concluir, um pensamento especial pelas mais de 200 mil pessoas desaparecidas e que não se sabe onde estão, como morreram, onde foram sepultadas e por que não voltaram para suas casas. Talvez este seja o pior sofrimento, porque o esquecimento é total e definitivo. De acordo com a Cruz Vermelha e a ONG Equitas, uma parte significativa destas vítimas (24.483) está esperando em 375 cemitérios, muitos ilegais, um enterro e uma oração.
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Colômbia e as guerras; 8 milhões de vítimas e o preço que a Igreja pagou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU