10 Junho 2017
Após a eleição, muitos opositores do presidente Trump sentiram-se confiantes de que não era uma questão de “se” e sim “quando” ele seria impedido de governar. Agora, a apenas cinco meses desde a inauguração, com várias polêmicas girando em torno dele, uma revisão do processo de impeachment e das acusações feitas contra outros presidentes que foram, ou não, impedidos parece cada vez mais justificada.
A remoção de um presidente é, e deveria ser, uma tarefa difícil de realizar. Atualmente, existem dois meios constitucionais para a destituição de um presidente americano: o impeachment e a ativação dos procedimentos estabelecidos na 25ª Emenda.
O artigo é de Ellen K. Boegel, professora de direito na St. John’s University, em Nova York, publicado por America, 07-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O impeachment não é uma acusação criminal, mas existem semelhanças entre ambos. O impeachment é um processo criado constitucionalmente para a destituição do presidente, vice-presidente e outros “oficiais civis” (autoridades públicas). A aplicação do termo “oficial civil” é feita caso a caso, mas também vem sendo aplicado a juízes federais, a nomeados em nível de gabinete, comissionados e administradores de agências. Não se sabe se Jared Kushner, assessor sênior da presidência, não foi confirmado pelo Senado, é passível de impeachment.
O impeachment é análogo a um grande júri de acusação; é a conclusão de que provas suficientes foram descobertas para o caso ir a julgamento. A Câmara dos Representantes tem o controle exclusivo sobre o início dos procedimentos para o impeachment e qualquer membro dela pode apresentar peças pedidos de impedimento, que são parecidos com as acusações em uma queixa criminal apresentada junto a um promotor. Não membros, incluindo grandes juris, legislaturas estaduais e, quando empoderados, promotores especiais, igualmente podem apresentar peças de impedimento à Câmara.
Para a Câmara aprovar o impeachment, é necessária apenas uma maioria simples dos votos. Como sempre acontece na Câmara, no entanto, o partido majoritário controla se e quando convocar uma votação. Desse modo, os pedidos de impeachment contra Trump provavelmente não irão adiante na Câmara dos Representantes, controlada pelos republicanos, a menos que o apoio partidário dê uma virada drástica afastando-se do presidente.
O Senado tem o poder exclusivo para conduzir um julgamento de impeachment e determinar se a autoridade pública é “culpada” e deveria ser destituída do cargo. O juiz chefe da Suprema Corte preside as sessões relativas aos impedimentos presidenciais, mas não há regras processuais ou probatórias prescritas. Até mesmo o ônus da prova não é especificado, cabendo aos senadores aplicarem o padrão criminal “para além da dúvida razoável” ou um padrão civil “claro e convincente”, padrão menos exigente.
Exige-se uma maioria de dois terços do Senado para uma conclusão de culpa e a consequente destituição do cargo. Quando se considera culpada uma autoridade, uma segunda votação pode ser realizada e, com maioria simples, o Senado pode impor uma penalidade extra de inelegibilidade para cargo público. Uma sentença de culpa em um julgamento de impeachment não é uma condenação de culpa criminal. De forma semelhante, uma absolvição não provoca uma dupla penalização nem impede uma acusação criminal posterior.
Os motivos pelos quais uma autoridade pode ser impedida são “traição, suborno, ou outros altos crimes e delitos”. A frase “altos crimes e delitos” não possui um sentido definido, mas não se limita à conduta prescrita nos códigos criminais. Segundo o Congressional Research Service, “O Congresso identifica três tipos gerais de conduta que constituem fundamentos para o impeachment, embora estas categorias não devam ser entendidas como completas: (1) exceder ou abusar impropriamente dos poderes de cargo; (2) ter comportamento incompatível com a função e finalidade do cargo; e (3) usar indevidamente o cargo para uma finalidade imprópria ou ganho pessoal”.
O presidente Andrew Johnson foi impedido em 1868 porque demitiu o seu secretário de guerra sem a aprovação do Congresso, o que era uma violação à Tenure in Office Act, e o presidente Richard M. Nixon renunciou antes que a Câmara votasse os pedidos de impeachment que incluía a acusação de fazer “declarações públicas falsas ou enganosas com a finalidade de enganar o povo dos Estados Unidos”.
Vários juízes e um secretário de guerra já foram impedidos por usarem seus cargos para ganho monetário. Sob certas circunstâncias, a fraude fiscal também já esteve incluída em um delito passível de impeachment, mas foi rejeitada no caso de Nixon porque a consideraram uma conduta imprópria cometida na qualidade de cidadão particular.
O impeachment por conduta imprópria anterior à assunção do cargo é incomum, mas não sem precedentes. Em 2010, o juiz G. Thomas Porteus Jr. foi considerado culpado pelo Senado por, entre outros delitos, proferir falsas declarações em seu formulário de antecedentes SF-86 (o mesmo sobre o qual Jared Kushner negou-se a mencionar em seus encontros com os diplomatas russos).
John Tyler foi o primeiro presidente a ter pedidos de impeachment apresentados contra si. Tyler era um fervoroso defensor dos direitos dos estados e que mais tarde atuou na Câmara dos Representantes Confederada. Com os federalistas no Congresso, ele entrou em desacordo no setor bancário, nas tarifas e em restrições à escravidão.
John teria praticado abuso de poder ao demitir opositores políticos, manter nomeados incompetentes e não confirmados [pelo Senado]; e “contribuir incentivando um espírito desorganizador e revolucionário no país” ao encorajar os estados para que desconsiderassem a lei federal. Por 127 a 84, a Câmara votou contra o impeachment.
O presidente Andrew Johnson, que assumiu o poder depois do assassinato de Abraham Lincoln e lutou contra o Congresso durante a Reconstrução e na retenção dos nomeados de Lincoln, foi impedido pela Câmara, mas acabou absolvido pelo Senado (por um voto).
Nixon renunciou sob a ameaça de impeachment por seu envolvimento no acobertamento no caso Watergate na sede dos democratas e pela autorização de vários “truques sujos” com o uso de agentes do governo para barrar opositores políticos. Antes de sua renúncia, Nixon demitiu o promotor especial do caso Watergate e o procurador geral e o vice-procurador que recusaram suas ordens de demitir o promotor especial.
Nixon também designou funcionários da Agência de Inteligênicia Central – CIA para convencer funcionários do FBI a deterem as investigações.
O presidente Clinton foi impedido pela Câmara por declarações falsas feitas por ele quando negou que teve relações sexuais com uma estagiária na Casa Branca e por obstrução da justiça ao incentivar outros a prestarem falso testemunho. Clinton foi absolvido pelo Senado. Nenhum senador democrata votou pela destituição de Clinton, muito embora alguns reconheciam que ele obstruiu a justiça. O senador Max Baucus explicou:
“Não acho que as ações do presidente constituem um alto crime ou delito (...) Darei o meu voto não para o atual presidente, mas para a Presidência. Creio que, a fim de condenar, devemos concluir a partir de provas apresentadas a nós sem chance para dúvida de que a nossa Constituição será injuriada e que a nossa democracia irá sofrer caso o presidente permaneça no cargo um momento a mais”.
O presidente Reagan sobreviveu ao caso Irã-Contras, esquema ilegal que desafiou um embargo armamentista, proibição do Congresso contra o financiamento de militantes nicaraguenses, além de uma diretriz antiga dos EUA de não pagar pela libertação de reféns. Quanto ao acordo para a soltura de reféns, Reagan afirmou: “Há poucos meses, falei ao povo americano que não troquei armas por refugiados. O meu coração e as minhas melhores intenções ainda me dizem que isto é verdadeiro, porém os fatos e as provas me dizem que não”. Pedidos de impeachment contra Reagan foram apresentados na Câmara, mas sem sucesso.
O presidente George W. Bush pode ter enganado o Congresso, os nossos aliados e o povo americano quando invadiu o Iraque com base em informação errônea de que Saddam Hussein controlava armas de destruição em massa. Pedidos de impeachment foram apresentados contra ele em 2006 e 2008, e por sua autorização de vigilância eletrônica sem justificativa a cidadãos americanos nos EUA, por captura e rendição de “combatentes estrangeiros” e a abertura da Baia de Guantânamo como um campo de detenção. Somente uns poucos deputados apoiaram os pedidos de impeachment, e nenhuma ação foi levada a cabo.
Embora tenha se tornado mais comum que pedidos de impeachment sejam introduzidos na Câmara, os sentimentos do senador Baucus, de que a destituição de um presidente deveria estar reservada exclusivamente para a conduta que represente uma ameaça existencial à nossa democracia, explicam por que, em mais de 228 anos e com uma miríade de escândalos, apenas dois presidentes foram impedidos e nenhum foi removido.
A 25ª Emenda foi aprovada para esclarecer os procedimentos para a transferência de poder caso o presidente morra em ofício ou, de outra forma, se torne incapaz de cumprir o seu mandato. Ela também fornece um mecanismo para a transferência temporária e voluntária de poder ao vice-presidente quando, por exemplo, um presidente está anestesiado durante uma cirurgia. Além disso, a emenda permite a transferência de poder sempre que o vice-presidente e a maioria dos principais funcionários dos departamentos executivos transmitirem ao presidente pró-tempore do Senado e ao presidente da Câmara dos Deputados uma declaração por escrito de que o “presidente está impossibilitado de exercer os poderes e os deveres de seu cargo”.
Se o vice-presidente e o gabinete, ou outro órgão legislativamente autorizado, determinar que um presidente está incapacitado, o presidente pode reassumir o poder informando o Congresso de que ele, ou ela, está capaz de continuar no cargo. Se a determinação for questionada (pelo vice-presidente, pelo gabinete ou outro órgão), tanto o Senado como a Câmara devem decidir por uma votação de dois terços que o presidente é incompetente. Caso contrário, o presidente reassume.
Embora a 25ª Emenda possa ser usada para destituir um executivo fisicamente apto, porém “incapaz”, um cenário assim é improvável. É mais fácil obter o impeachment, que requer apenas uma maioria dos votos na Câmara (e dois terços no Senado).
A natureza da campanha, a sua eleição e o começo do governo Trump indicam que o país está em águas inexploradas, porém nós já resistimos a muitas tempestades e já fomos governados por indivíduos profundamente imperfeitos. Só o tempo dirá se Donald J. Trump será removido do cargo prematuramente, se irá completar um mandato ou vencer a reeleição em 2020.
A Constituição estabelece um sistema de pesos e contrapesos que torna difícil, porém não impossível, remover o chefe do Executivo. A destituição de um cargo, o que Benjamin Franklin observou ironicamente dizendo ser melhor do que o assassinato, é possível somente quando o Congresso é extraordinariamente contrário a um incumbente que comete atos ultrajantes. Independentemente de quem seja o presidente ou qual partido está no poder, o futuro da nação reside nas mãos de cidadãos patrióticos que devem, eles próprios, concorrer a cargos públicos ou eleger políticos que ponham o bem do país acima do bem de seu próprio partido ou de si mesmos.
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Mesmo aumentando os pedidos de impeachment de Trump, o processo permanece difícil (como era esperado) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU