17 Abril 2017
"O mundo precisa, cada vez mais, de gente criativa, crítica, colaboradora. Mas o sistema de ensino continua a estimular a repetição, a disputa, a hierarquia. Por que? Quais as saídas?", questiona George Monbiot, jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, em artigo publicado por Outras Palavras, 11-04-2017. A tradução é de Inês Castilho.
Eis o artigo.
No futuro, se você quiser um emprego deve diferenciar-se o mais possível de uma máquina: ser criativo, crítico e capaz de bons relacionamentos sociais. Por que razão, então, as crianças estão sendo ensinadas a comportar-se como máquinas?
As crianças aprendem melhor quando o ensino alinha-se à sua exuberância, energia e curiosidade naturais. Então, por que elas estão sendo alinhadas em filas e obrigadas a sentar-se quietas, enquanto são entupidas de fatos?
Durante a vida adulta, é a colaboração que nos possibilita ser bem sucedidos. Por que, então, considerar trapaça a colaboração em testes e exames?
Os melhores professores usam sua personalidade, criatividade e inspiração para atiçar o instinto infantil à aprendizagem. Por que razão, então, personalidade, criatividade e inspiração são anuladas por um regime asfixiante de microgerenciamento?
Como Graham Brown-Martin explica, em seu livro Learning {Re}imagined [Aprendizagem [Re]imaginada], há uma razão comum para essas perversidades. Nossas escolas foram desenhadas para produzir a força de trabalho requerida pelas fábricas do século 19. O produto desejado eram trabalhadores que ficassem sentados em seus lugares o dia inteiro em silêncio, comportando-se identicamente para produzir produtos idênticos, punindo-os se falhassem em assimilar os padrões exigidos. Colaboração e pensamento crítico eram exatamente o que os donos das fábricas desejavam desencorajar.
No que se refere a utilidade e relevância, podemos também treinar crianças a operar um tear mecânico. As escolas ensinam aptidões que são não só redundantes como contraprodutivas. As crianças sofrem com esse sistema desumanizador, que desafia a vida, para nada.
Quanto menos relevante o sistema se torna, mais duramente as regras precisam ser impostas, e maior o estresse causado. Um anúncio de emprego numa escola, publicado no Times Educational Supplement pergunta: “Você gosta de ordem e disciplina? Você acredita que as crianças devem ser sempre obedientes?… Se sim, o papel de diretor de detenção pode ser para você.” Sim, muitas escolas têm problemas de disciplina. Mas não é surpreendente que crianças, explodindo de energia e excitação, sejam confinadas num lugar como frangos numa granja?
Os professores estão agora deixando a profissão aos montes — seu treinamento desperdiçado e suas carreiras destruídas pelo excesso de trabalho, por um regime de padronização que tritura a alma, por testes e controle de cima para baixo. Quanto menos autonomia eles têm, mais são acusados pela falência do sistema. Uma grande crise de recrutamento está à vista, em especial em matérias cruciais. Isso é o que o Estado chama de eficiência.
Qualquer tentativa de mudar o sistema, de capacitar as crianças para as prováveis demandas do século 21, e não as do século 19, é demonizado pelos governos e jornalões como “engenharia social”. Bem, é claro. Qualquer ensino é engenharia social. Neste momento, uma era pós-industrial, estamos presos à engenharia social de uma força de trabalho industrial.
Quando lhes permitem aplicar sua criatividade e curiosidade naturais, as crianças adoram aprender. Elas aprendem espontaneamente a andar, a falar, a comer e a brincar, pela observação e experimentação. Então vão para a escola e nós anulamos esse instinto, ao sentá-las e alimentá-las à força com fatos inertes e testes que nada têm com sua vida.
Não existe apenas um sistema para ensinar bem as crianças, mas os melhores têm algo em comum: abrem ricos universos que as crianças podem explorar a seu próprio modo, desenvolvendo seus interesses com apoio, ao invés de doutrinação. Por exemplo, a escola Essa, em Bolton (Inglaterra), dá a cada aluno um tablet no qual eles criam projetos, partilham o material com seus professores e uns com os outros, e podem contatar seus professores com perguntas sobre suas tarefas de casa. Reduzindo os trabalhos de rotina, esse sistema possibilita que os professores deem ajuda individual às crianças.
Outras escolas foram em direções opostas, levando as crianças para o ar livre e usando a natureza para envolver seus interesses e desenvolver suas capacidades físicas e mentais (o movimento Forest School usa esse método). Mas não se trata de alta ou baixa tecnologia; o ponto é que a criança entre num mundo suficientemente rico e diverso para libertar sua curiosidade e permitir que descubra um modo de aprender que melhor reflita sua personalidade e talentos.
Há um monte de programas de ensino desenhados para funcionar com as crianças, e não contra elas. Por exemplo, o Mantle of the Expert as encoraja a formar equipes de investigação para resolver problemas imaginários – tais como a gestão de um porto de containers, escavar um túmulo ou resgatar pessoas de um desastre – tudo o que atravessa as fronteiras das disciplinas tradicionais. Uma abordagem similar, denominada Quest to Learn, está baseada no modo como as crianças se ensinam a brincar em jogos. Para resolver as complexas tarefas que lhes são dadas, elas precisam adquirir um monte de informações e competências. Fazem isso com a excitação e tenacidade de verdadeiros jogadores.
A abordagem Reggio Emilia, desenvolvida na Itália, permite às crianças desenvolver seu próprio curriculum, com base naquilo que mais lhes interessa, desvendando os assuntos que encontram pelo caminho com a ajuda de seus professores. As escolas Ashoka Changemaker tratam a empatia como uma “capacidade fundamental, ao lado da leitura e da matemática”, e a usam para desenvolver um tipo de colaboração aberta e fluida que, acreditam, será a aptidão chave do século 21.
A primeira escola multirracial da Africa do Sul, Woodmead, desenvolveu um método inteiramente democrático de ensino, cujas regras e disciplina eram supervisionadas por um conselho de estudantes. Seu programa de estudos integrados, como o novo sistema da Finlândia, inutilizou matérias tradicionais em favor da exploração, pelos estudantes, de temas como ouro, ou relacionamentos, ou o oceano. Entre seus alunos estão alguns dos principais pensadores, políticos e empresários da África do Sul.
Em países como a Grã Bretanha, os Estados Unidos e o Brasil, tais programas são bem sucedidos a despeito, e não por causa do sistema. Se esses governos estivessem preocupados em garantir que as crianças achassem o ensino difícil e doloroso, não poderiam ter feito um trabalho melhor. Sim, vamos praticar um pouco de engenharia social. Vamos projetar nossos filhos para fora da fábrica e para dentro do mundo real.
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