11 Março 2017
“Os videojogos fomentam e programam competências intelectuais, socio-afetivas e práticas, de modo que já são por si só uma nova educação. São o fenômeno epocal do século XXI, como em sua época foi o cinema”, disse a pesquisadora Lidia Barboza Norbis. Uruguaia, doutora em Ciências da Educação, Barboza Norbis pesquisa as novas formas de conhecimento geradas pelas tecnologias digitais e como desenvolver modelos educacionais alternativos e inovadores. Nesta entrevista, ela fala com o Página/12 sobre algumas das suas ideias e os resultados de seu trabalho, que, neste sábado (11 de março), apresentou no âmbito do programa A UBA para o Século XXI.
A premissa da qual Barboza Norbis parte é que “os videojogos em si mesmos são um sistema educativo”. Nessa perspectiva, propõe como primeiro eixo de análise: “como o sistema educacional reconhece que existe esta nova forma de educação na prática, no estudante que tem em sala de aula e não como um fenômeno externo”.
A entrevista é de Gastón Godoy e publicada por Página/12, 10-03-2017. A tradução é de André Langer.
Qual é a contribuição das tecnologias digitais para a educação?
Elas têm que estar a serviço do ser humano e não o contrário. Quando se coloca o acento nas tecnologias passa-se a um enfoque tecnocêntrico, que não é positivo. Devemos compreender que as tecnologias potencializam as capacidades do ser humano. É necessário educar para ampliar a consciência sobre os consumos da tecnologia, que a cada dia são mais onipresentes e as pessoas naturalizam o seu uso.
O que significa ampliar a consciência?
Quando alguém escolhe, por exemplo, jogar um videojogo, deve decidir, fazer escolhas e deve fazê-lo com consciência; não de forma acrítica, porque escolheu uma coisa e não outra. O problema da naturalização é que a incorporemos como se não houvesse diferenças, quando elas existem. Buscamos discutir sobre qual é o papel da tecnologia.
Como se resolve a brecha tecnológica entre diferentes setores da sociedade?
Para mim, a brecha que me preocupa é a cultural. O Uruguai fez um grande esforço para dirimir essas brechas de fornecimento de tecnologia, e o que notamos é que, mesmo com tecnologias na mão, há novas brechas.
Como elas se produzem?
Minha hipótese é que se estão produzindo novas diferenciações culturais. Posso observar a sala de aula de um colégio com condições socioeconômicas favoráveis utilizando tecnologia e, ao mesmo tempo, uma sala de aula de uma escola de uma zona de alta vulnerabilidade. As diferenças, mesmo com tecnologia na mão, dependem de como é usada em termos pedagógicos, didáticos e culturais: pode obter um avanço quando é utilizada, por exemplo, com o objetivo de melhorar a leitura. As crianças estão aprendendo a ler com novas modalidades.
O objetivo central da sua pesquisa, explica Barboza Norbis, é “explorar os benefícios na construção do conhecimento que o uso de videojogos pode trazer, fora e dentro da sala de aula. Animar professores e programadores nestes benefícios do conhecimento”. Barboza Norbis e sua equipe fizeram sua pesquisa em 14 centros educacionais, públicos e privados, do Uruguai. “Penso que será uma pesquisa pioneira, porque entramos na sala de aula. Há diferença entre observar fora e dentro da sala de aula. Usamos duas técnicas: pesquisar dentro da sala de aula, mas também fora dela, em laboratórios. Fora, recriamos um ambiente artificial, reproduzindo o ecossistema dos videojogos: ali integramos alunos, professores, pais, pesquisadores, programadores de jogos, ludólogos e jogadores”.
Quais são os resultados?
A pesquisa permitiu-nos ver o cruzamento entre competências digitais em quatro dimensões: tecnológica, lúdica, cognitiva e ética, no cruzamento com os modos de aprendizagem, que são o profundo – reflexivo, criativo, que envolve pensamento crítico e a resolução de problemas – e o superficial – meramente associativo, mecânico, repetitivo. O sistema educacional tem uma enorme oportunidade na integração de videojogos, para ter um maior impacto sobre a motivação e para assumir que a nova mente é uma mente transmídia – não é apenas a escola que educa a mente. Temos evidências de que o sistema educacional está dando passos no sentido desta integração, mas temos também evidências de que está cometendo erros.
Como seria essa integração?
Os fundamentos da psicologia da educação e das ciências da educação do século passado, nas quais se basearam as formas educacionais, já estão completamente superadas pelo aparecimento de um novo psiquismo. Avizinha-se uma mudança de significados, sobre o que é jogar, o que é a recreação, a partir dos videojogos, assim como mudanças na vida interior, intrapsíquica. As pessoas fingem ser outro sujeito no mundo virtual: um arquiteto, um franco-atirador ou um ladrão. O tipo de subjetividade histórica que emerge com este recurso não tem nada a ver com o que conhecemos até agora. O uso de videojogos significa um desenvolvimento humano, e o Uruguai, ao superar a brecha digital, constituiu-se em um laboratório internacional para estudar o que acontece com um Estado-nação quando todos têm acesso ao mundo virtual.
Há resistências das escolas para adotar estas tecnologias?
Sim, é um tema exótico, e elas seguem reproduzindo o cânon do século passado, uma escola que está caduca. Não obstante, dentro desta escola sempre existem professores inovadores, criativos, que buscam trabalhar para que a educação consiga emancipar os indivíduos. O que quer que a escola faça com os videojogos tem implicações sobre o desenvolvimento humano.
Você assinalou que “as tecnologias nos permitem passar de um modelo tradicional de educação (fica quieto, escuta, repete) a um modelo educativo dinâmico, no qual o conhecimento rapidamente fica velho e o aprendizado dura toda a vida: é preciso ensinar a aprender”. O que a escola ensina hoje?
Na educação formal até a disposição do mobiliário – todos sentados – é rígida. A escola segue transmitindo conhecimento memorístico e repetitivo, com verificação em exames. As crianças, professores e jovens já não o suportam mais. As avaliações nos permitem tirar uma fotografia provisória sobre como andamos, mas não podem ser meramente de fiscalização e controle da aprendizagem na escola; tem que ser a própria vida.
A que se refere com “a própria vida”?
Que você pode estar na escola estudando para o futuro, mas que está aprendendo no hoje, o futuro é hoje. Antigamente, a escola preparava você para o que lhe acontece muitos anos; mas hoje, os saltos de conhecimento são tão grandes que o curriculum vitae nunca pode ser adaptado aos avanços. O importante é se concentrar na aprendizagem a partir das perguntas, da resolução de problemas, diferente da repetição. Devemos fomentar o espírito crítico, a análise, a pergunta. Devemos recuperar o valor social da escola, porque se isso não acontecer estamos decretando a desesperança. A educação promove horizontes de expectativa. Quando não há uma aprendizagem significativa, você tem seres humanos que andam pela vida anestesiados.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Os videojogos são um sistema educativo”. Entrevista com Lidia Barboza Norbis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU