11 Fevereiro 2017
"A pergunta que fica para todos nós é se a Igreja vai continuar a confrontar o futuro, tropeçando de crise em crise, passando de uma dificuldade financeira para outra, tentando consertar as coisas durante a caminhada. Ou será que iremos nos engajar em um planejamento mais deliberado, um planejamento que capitalize modelos consultivos já em funcionamento em alguns lugares, para tomar um caminho mais curto ao futuro?", escreve Tom Roberts, ao comentar o livro "Catholic Parishes of the 21st Century", recentemente editado, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 08-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
CATHOLIC PARISHES OF THE 21ST CENTURY [Paróquias católicas do século XXI]
De Charles E. Zech, Mary L. Gautier, Mark M. Gray, Jonathon L. Wiggins e Thomas P. Gaunt, SJ
Publicado pela Oxford University Press, 176 páginas, U$ 24.95
Uma série de eventos demográficos vem remodelando a paisagem católica há décadas, causando preocupação em alguns setores, oferecendo oportunidades em outros e transformando a Igreja de um modo que não poderia ser decretado por sínodos ou concílios ecumênicos.
As notícias sobre estes acontecimento têm sido dadas com certa regularidade por alguns cientistas sociais, a maioria deles trabalhado no Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado – CARA (na sigla em inglês), da Universidade de Georgetown. Elas pareciam pequenos pontos de informação que, com o passar dos anos, tornar-se-iam maiores, obscurecendo uma imagem popular da Igreja que persistiu muito além de sua data de validade.
O livro “Catholic Parishes of the 21st Century” [Paróquias católicas do século XXI, sem tradução ao português] reúne esses pontos em um único lugar, começa a conectá-los e fornece um resumo oportuno de uma imagem renovada da vida paroquial. Há anos os cinco autores deste estudo vêm reunindo dados sobre temas eclesiais.
Charles Zeché o diretor do “Centro de Gestão Eclesial e Ética Empresarial” da Villanova University. O padre jesuíta Thomas Gaunt é o diretor executivo do CARA. Mary Gautier é editora do Relatório CARA. Mark Gray é diretora do Setor de Pesquisas Católicas do CARA e Jonathon Wiggins é o diretor do Setor de Pesquisas Paroquiais do CARA.
Em um dado nível, o resultado da pesquisa apresentada é um cálculo fácil. A imagem com a qual a geração pré-millennial cresceu – a estrutura paroquial, a escola primária, conventos cheios de irmãs vestidas de hábito e reitorias com vários padres – não mais se aplica. No prefácio, o teólogo Marti Jewell, quem supervisionou o projeto “Emerging Models of Pastoral Leadership”, que contribuiu significativamente com dados para o presente texto, recordou a icônica, e altamente romantizada, imagem do catolicismo representado pelo filme de 1945 chamado “Os sinos de Santa Maria”. Essa realidade, há tempo em declínio, agora pode ser relegada à memória história de uma vez por todas.
No mesmo sentido, a infraestrutura que sustentava aquele arranjo – os números de padres e religiosas que administravam a instituição (estas últimas o faziam por uma miséria) e forneciam aos imigrantes um ponto de entrada para a assimilação cultural – é, com o passar do tempo, cada vez mais entendida como uma aberração. O número de padres e freiras durante aquele período jaz do lado de fora da norma dos padrões históricos das vocações religiosas.
“As lideranças pastorais de hoje”, escreve Jewell, “estão sendo solicitadas a repensar quem faz pastoral, como uma liderança se parece, e onde e o que é uma paróquia”.
Este livro fornece uma base sólida sobre a qual se pode começar a repensar. Os dados demográficos podem nem sempre servir para muita coisa, porém, no caso da Igreja Católica nos Estados Unidos, mudanças populacionais e migratórios certamente atuaram para modelar uma nova realidade. E embora os cientistas sociais tenham em geral sido ignorados como músicos dissonantes em uma orquestra celestial afinada, eles conquistaram certa credibilidade nos últimos 50 anos para estar entre os que entendem as tendências, grandes e pequenas, que afetam a comunidade católica.
“Catholic Parishes of the 21st Century” usa, como base de comparação, uma série de relatórios produzidos pelo estudo inovador intitulado “Notre Dame Study of Catholic Parish Life”, conduzido na década de 1980, aproximadamente 20 anos depois do Concílio Vaticano II pôr em movimento a reforma eclesial.
Este estudo, que resultou numa série de livros, relatórios e artigos, começou a acenar as mudanças que estariam por vir:
• o aumento da presença dos leigos nas instâncias decisórias paroquiais;
• alterações na liturgia e no culto inspiradas pelo Concílio;
• o aumento da diversidade, devido especialmente ao crescimento de membros hispânicos;
• a diminuição no número de escolas paroquiais;
• a migração de católicos das cidades do interior, do nordeste e do centro-oeste para o leste e sudeste.
Estudos mais recentes aprofundam-se nas questões e tendências que ou estavam na infância ou nem existiam quando o estudo da Notre Dame foi realizado.
Quando os católicos saíram do nordeste e do centro-oeste, não levaram seus padres e suas instituições junto. Mesmo com o êxodo dos padres durante a era pós-Vaticano II, houve um desequilíbrio. Regiões foram abandonadas com instalações diocesanas e paroquiais que ficavam cada vez mais caras para se manter, numa época em que a fonte de renda delas havia migrado para lugares que nem mesmo hoje estão conseguindo satisfazer a demanda.
Simultaneamente, e apesar das amplamente relatadas perdas no número de membros que a Igreja tem visto, a população católica continua a crescer em números reais e permanece estável, em cerca de 25% da população dos EUA.
Como no passado, esse crescimento se deve a um influxo contínuo de imigrantes. Hoje, eles não são europeus brancos; são na maioria hispânicos, mas também incluem números significativos de católicos africanos, asiáticos e das ilhas do Pacífico.
Este texto deveria ser uma leitura obrigatória a bispos, padres e aqueles que diariamente se confrontam com as alterações demográficas – trazendo novas linguagens, culturas e enormes mudanças nas responsabilidades pastorais – que vêm ocorrendo e que continuarão a transformar a Igreja. Os dados em si já são essenciais para se saber em que sentido as coisas poderão andar.
Significativo também é o valor que o texto tem em subtrair o aspecto ideológico as discussões que, para alguns, muitas vezes contém como subtexto: Como construir ou voltar à Igreja que conhecemos e amamos? Ou quem culpamos pela “diminuição” que vivemos, com menos padres, menos freiras, paróquias fechadas ou mescladas com outras, além de escolas encerradas por falta de alunos?
“Catholic Parishes of the 21st Century” pode tender a uma resposta que diz que a Igreja não está exatamente em um estado de diminuição, e sim em um estado de transformação. Isso não significa desconsiderar a preocupação com o número de jovens que não se veem tão próximos da Igreja como o faziam os seus pais; nem serve para desconsiderar a preocupação em preservar a comunidade eucarística na medida em que o número de padres continua a cair.
A imaginação então pode assumir uma forma que busca respostas nas tendências que sugerem que as comunidades católicas podem ser sustentáveis, não só nas formas que se tornaram predominantes durante um período em que o número de religiosos/as consagrados/as e de padres era enorme. Encarar a realidade significa reconhecer que, embora os EUA tenham mais padres per capita do que a maioria dos países do mundo, “o número de padres aqui vem diminuindo e o número de católicos por padre vem aumentando”. O padrão que começou na década de 1960 “continua inabalável”.
Exige também reconhecer que o declínio no número de pessoas consagradas e de padres “abriu as portas para que os leigos levassem a cabo as promessas do Vaticano II. Poucas paróquias poderiam funcionar hoje sem os leigos profissionais que ocupam papéis de diretor da formação religiosa, agentes jovens, ministro da música, assessores pastorais, administradores e uma miríade de outras funções ministeriais que certa vez foram desempenhadas pelo clero, religiosos/as consagrados/as ou voluntários”. O CARA estima que as paróquias de hoje contam com aproximadamente 40 mil ministros leigos, um aumento de mais de 80% desde 1990.
Estes números, que refletem o compromisso dos leigos em manter as comunidades católicas, passam em branco na análise que conclui que a Igreja está em declínio. Além de implicações teológicas e pastorais, o crescimento no número de leigos profissionais na Igreja conta com implicações financeiras, pois estes profissionais precisam receber um salário digno. Essa questão é um problema em particular, conforme detalha um trecho do livro, em uma Igreja cujos membros ficam muito aquém de seus homólogos protestantes no quesito doações.
Uma das partes do quebra-cabeças para o futuro da Igreja envolve o lugar que terão na Igreja os 18 mil diáconos permanentes. Os diáconos constituem uma outra camada do clero exclusivamente masculino, a maioria dos quais são casados, com 40% das paróquias sendo servidas por pelo menos um deles.
Este livro contém tudo o que precisamos saber antes que qualquer improvisação possa ocorrer. Envie uma cópia para o seu bispo. Certifique-se que seu o seu pastor tenha um exemplar. Use-o para iniciar um debate em grupo com os paroquianos.
As perguntas que decorrem desta obra concernentes ao formato da Igreja no futuro, como acontece o planejamento pastoral, o lugar dos leigos, especialmente as mulheres, dentro da Igreja são muitas e, por vezes, bastante desafiadoras. A Igreja do futuro vai acontecer, evidentemente, se aqueles milhões de católicos permanecerem católicos. A determinação destas pessoas é evidente.
A pergunta que fica para todos nós é se a Igreja vai continuar a confrontar o futuro, tropeçando de crise em crise, passando de uma dificuldade financeira para outra, tentando consertar as coisas durante a caminhada. Ou será que iremos nos engajar em um planejamento mais deliberado, um planejamento que capitalize modelos consultivos já em funcionamento em alguns lugares, para tomar um caminho mais curto ao futuro?
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Cientistas sociais conectam os pontos do futuro católico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU