28 Setembro 2016
Com seus 45 anos, o maronita Joseph Tobji continua na lista dos 30 bispos mais jovens do mundo. Foi chamado a conduzir a arquidiocese maronita de Alepo, a cidade mártir da qual quase todos os dias, há quase cinco anos, chegam imagens de corpos despedaçados e de edifícios destruídos. De crianças que brincam entre escombros, crianças que morrem sob as bombas e granadas, e outras crianças que rezam para que a “guerra suja” termine. “Confiamos que suas orações são mais poderosas que as nossas”, disse outro bispo de Alepo, o armênio-católico Boutros Marayati, referindo-se às crianças de Alepo, cristãos e muçulmanos, que no próximo dia 6 de outubro se reunirão para pedir em oração a libertação de sua cidade da espiral de morte que a envolve.
A entrevista é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 27-09-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Arcebispo Joseph, em sua cidade se vive novamente o inferno.
No passado recente, milhares de milicianos jihadistas tinham se concentrado em Alepo, tinham conquistado três quartéis na entrada da cidade e assediaram a parte ocidental. Depois, a situação mudou, as forças governamentais retomaram os quartéis e começaram o assédio da parte oriental. Foi quando, então, surgiu a iniciativa da trégua, que já fracassou.
Agora, as imagens mais atrozes chegam dali...
Na parte oriental, há pelo menos 300.000 pessoas. E claro, nem todos apoiam os grupos armados. Há muita gente que não tem nenhuma culpa. Na quarta-feira passada, o governo e o exército, mediante a televisão e as redes sociais, difundiram um chamado para aqueles que vivem nos bairros, no qual se anunciava a abertura de espaços para deixar que as pessoas se dirigissem a regiões apontadas como seguras. Muitas famílias de civis saíram, mas não houve uma evacuação massiva. O ultimato para os que desejam sair termina nos próximos dias. E existe o perigo de um novo recrudescimento.
Nos meios de comunicação ocidentais, muitas vezes, se critica a intervenção russa...
Eu posso testemunhar que entre a população que vive no oeste de Alepo, onde se concentra a maior parte dos civis, a intervenção dos russos foi recebida com alívio, porque deteve ou ao menos freou os golpes da artilharia que chegavam dos bairros que estão nas mãos dos grupos armados. Os russos ao menos atuam de maneira coerente com o que dizem. Os demais, desde que começou a guerra, se contradizem muitas vezes. As pessoas veem chover os mísseis sobre as casas, vivem no terror e não fazem nenhuma diferença entre os mísseis do Estado Islâmico ou os da Frente al-Nusra. Os meios de comunicação ocidentais continuam sem contar o que acontece objetivamente. A fonte a qual todos recorrem continua sendo este fantasmagórico Observatório pelos Direitos Humanos, um organismo com alguma pessoa diante de um computador, que tem sede em Londres. Há algo que não se encaixa.
O vigário apostólico de Alepo, Georges Abou Khazen, disse que o bombardeio estadunidense contra o quartel dos soldados sírios não pode ser fruto de um “erro”...
Concordo com ele. Querem zombar de nós, como se fôssemos mentecaptos. No entanto, ninguém colocou em suspeita essa “versão oficial”.
Mas, vocês continuam com seu trabalho de pastores que cuidam das almas...
Fazemos o que é possível. Com muitas coisas reduzidas ao mínimo. Este ano, os Scouts também fizeram seus campos. Em julho, enquanto estava acontecendo a Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia, nossos jovens fizeram sua JMJ em Alepo, posto que não podiam viajar a Cracóvia.
Quantos eram?
Mais de mil. Mas não gosto de falar em números. Não sabemos quantos cristãos restam em Alepo. Os números mudam diariamente. Há alguns que se vão, talvez, por alguns meses, para a costa e depois retornam. E, depois, quando você se aventura a presumir um número, há muitos que dizem: “Mas vocês são tão poucos, o que continuam fazendo aqui? Não vale a pena, partam”. Ao contrário, é importante que permaneça uma presença cristã real, onde se esteve durante milênios. Ainda que seja um pequeno resto, é o resto de Israel. Há cristãos que permaneceram nas regiões conquistadas pelo Estado Islâmico. Inclusive, há alguns em Raqqa. Vivem retirados, pagam a jizya (o imposto de compensação para os não muçulmanos). Contudo, é o pequeno sinal que uma frágil e indefesa realidade de cristãos pode viver até mesmo sob os jihadistas. A esperança e também a responsabilidade que nós, pastores, temos é ajudar a todos a viver a fé, a esperança e a caridade na condição em que nos encontramos.
Viveram situações que testemunhem uma visão como esta?
Muitas. Estamos reunindo as histórias dos cristãos que foram sequestrados e depois retornaram. Há muitos testemunhos incríveis de pessoas que não estudaram teologia, que só sabem as orações mais simples, e quando lhes colocaram a faca na garganta disseram que o amor a Jesus era o mais precioso para elas, e que não o renegariam, acontecesse o que acontecesse.
No Ocidente há uma rede muito ativa de siglas que converteram a defesa dos cristãos no Oriente Médio em sua bandeira. Não se corre o risco de confirmar aos que os apresenta como destinatários privilegiados do socorro aos “cruzados” ocidentais?
Os cristãos no Oriente são uma realidade autóctone, que deve sua sobrevivência à ajuda e à “proteção” política ou eclesiástica que vem de fora. A legítima preocupação dos irmãos que estão longe de nossos sofrimentos também sempre deve levar em conta isto. Inclusive, evitando que a ajuda enviada se converta em concorrências que não fazem bem à Igreja.
A que se refere?
Nossas obras de caridade são para todos. Os refeitórios e a Cáritas também oferecem apoio a muitos muçulmanos. Antes da guerra, os bispos católicos se reuniam uma vez por semana, e uma vez por mês havia um encontro dos bispos com os representantes de todas as Igrejas. Agora, obviamente, tudo isto se tornou muito mais difícil. Os cristãos, diante das dificuldades e os problemas, pedem ajuda ao próprio bispo. Há Igrejas que possuem meios e recursos para responder a estes pedidos. Outras não. Estas diferenças são conhecidas porque, aqui, na mesma família, quase sempre há cristãos de diferentes Igrejas, em razão de todos os matrimônios mistos que existem. E, então, isto provoca comparações desagradáveis e, às vezes, recriminações. Isto é problema nosso, e devemos ir adiante por nossa conta. Está certo que também aqueles que enviam ajuda de fora levem isto em conta.
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O inferno de Alepo e as orações das crianças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU