08 Janeiro 2016
"Se hoje, no nosso mundo, existisse mais esperança, tenho certeza que as pessoas desceriam nas praças para ajudar os refugiados, e que estariam prontas a fazer um novo maio de 1968 para salvá-los. Infelizmente é o contrário que acontece" lamenta Marek Halter, escritor e ativista francês judeu, em artigo publicado por La Repubblica, 06-01-2016.A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis o artigo.
É como se os refugiados que vão para a Europa viajassem em um trem errado, que vai à direção oposta àquela esperada. Curiosamente, porém, nenhum deles procura parar a composição, nem puxa o freio de emergência ou tenta descer com o trem andando. Acima de tudo, ninguém se pergunta o que os espera no final da linha. E se estivesse Marine Le Pen na estação de chegada? Ou Donald Trump? Ou novamente as brigadas do Estado Islâmico? Ou o diabo em pessoa?
Este é o paradoxo da onda de migração para o Velho Continente que se pode entender somente olhando para do quê estão fugindo todas essas pessoas. É verdade, existiram outras grandes migrações na Europa e a violência que aflige hoje não é mais assustadora do que a que conheceram os meus pais ou meus avós, assim como a nossa crise econômica não é mais profunda do que a que assolou o Ocidente nos anos 30. Mas existe uma grande novidade com relação ao passado: a falta de esperança.
Se hoje, no nosso mundo, existisse mais esperança, tenho certeza que as pessoas desceriam nas praças para ajudar os refugiados, e que estariam prontas a fazer um novo maio de 1968 para salvá-los. Infelizmente é o contrário que acontece. É só pensar em Schengen que ficamos felizes em ter construído um continente sem fronteiras. Mas o que fazem os líderes europeus? Na primeira crise fecham suas fronteiras colocando em questão os acordos firmados somente há poucos anos. E o que falar da Suécia, país historicamente democrático. Ninguém se esqueceu de que durante a Segunda Guerra Mundial, quando era uma nação neutra, acolheu os judeus dinamarqueses em risco de serem deportados para campos de concentração nazistas e que chegavam a bordo de barcos pesqueiros como sardinhas. Lembramos também que Estocolmo enviou uma delegação a Hungria na tentativa de salvar outros judeus que Adolf Eichmann estava enviando a Auschwitz.
É preciso questionar o porque os suecos de hoje são menos solidários do que os suecos de ontem, agora que não tem mais o exército de Reich nas suas fronteiras e que vivem todos com bem-estar. Do que têm medo? Temem talvez que os imigrantes comam seu pão, que se casem com suas mulheres, que roubem seu trabalho? É essa forma de egoísmo que me preocupa, pois por trás disso se esconde o medo de algo indefinido. Certamente é o medo do Islã. Mas, no mundo, os muçulmanos são 1,3 bilhões de pessoas das quais não são todos terroristas. Muito pelo contrário, os que se alistam no Estado Islâmico são uma ínfima minoria, aproximadamente 50 mil homens, e nós europeus somos 500 milhões de pessoas. Quanto aos intelectuais, sobre esses eventos me parecem muito confusos. De um lado existem os otimistas, que sustentam que não é necessário de forma alguma tratar o Islã como tal; e de outro, estão os pessimistas, aqueles de extrema direita xenofóbica que usam a religião para designar o “inimigo” e para obter por parte dos governos leis mais duras para combatê-los. Vivemos uma crise moral que não existem mais modelos para se propor. E a nossa sociedade não quer mais o caminho do desemprego, dos salários que não aumentam ou das tantas taxas que devemos pagar. Por que então temos que nos demonstrar solidários com os muçulmanos ou com os árabes cristãos que fogem da Síria, onde são ameaçados de morte? É como se faltasse um bom motivo para arregaçar as mangas e começar a ajudar o próximo. No momento estamos todos sobre o mesmo trem, que vai à direção errada. Quem não está consciente se limita a gritar aos quatro ventos, sem ter coragem de descer na primeira estação.
Ouvi há pouco na BBC sobre um vilarejo na Síria atacado há meses por tropas do regime de Damasco, próximo à fronteira com o Líbano, cuja população se nutre de fios de ervas para não morrer de fome. Para salvar estes desafortunados bastaria apegar-se à moral que elaboramos no curso da nossa história, por filósofos gregos à Bíblia até chegar ao Islã, e que sempre é válida. Uma sura do Alcorão resume essa mora, que é encontrada também no Talmud e que fala que salvar uma vida humana equivale a salvar toda a humanidade. E que matar um homem é como matar toda a humanidade.
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A perda da esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU