16 Março 2015
Pressionada no campo político e em busca de um maior apoio dos movimentos sociais, a administração Dilma Rousseff decidiu fazer uma inflexão na política da reforma agrária. Entre 2011 e 2014, o governo centralizou suas políticas para a área na capacitação e melhoria de condições de vida e produtividade dos assentamentos. Freou o acesso a terras a novas famílias, o que gerou críticas entre os movimentos sociais do campo. Agora, não deixará de lado essa diretriz. Mas buscará acelerar o assentamento das famílias que hoje moram em acampamentos país afora.
A reportagem é de Fernando Exman e Cristiano Zaia, publicada no jornal Valor, 13-03-2015.
Em entrevista exclusiva ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, afirmou que a Pasta tem já identificadas 60 mil famílias acampadas. Já os movimentos ligados à reforma agrária e agricultura familiar falam em 120 mil, acrescentou o ministro. Ele disse que a presidente Dilma determinou que se cadastre o restante com a ajuda do Ministério do Desenvolvimento Social, governos estaduais, prefeituras e atores da sociedade civil.
"Nossa prioridade é assentar todas as famílias que tiverem condições após o cadastro", destacou o ministro, ponderando que há pessoas que podem não ter condições físicas ou idade para explorar uma terra e, por isso, devem receber a atenção de outros mecanismos de proteção social do Estado. "Nossa meta é assentar todas as famílias acampadas no Brasil. O objetivo é que ao final do mandato do governo Dilma não haja nenhuma criança debaixo de lona ao longo das estradas. Por isso é importante o cadastro."
Questionado se não vê um desafio no fato de que os acampamentos são instalados normalmente onde não há terras disponíveis para a reforma agrária, o ministro respondeu que o governo está identificando "todas as terras possíveis próximas aos acampamentos". "É claro que vamos dar prioridade para as terras de propriedade da União, terras devolutas, terras da Previdência Social, terras que não estejam sendo devidamente utilizadas e que podem ser compradas ou, nos termo das leis, desapropriadas". Patrus Ananias ressaltou que esse processo se dará sempre com "interlocução, nada imposto, numa relação de diálogo e participação".
Em outra frente, o ministro destacou que a segunda prioridade da Pasta será assegurar que os assentamentos sejam espaços produtivos, autossustentáveis e com espaços de convivência que façam seus moradores mais jovens optarem por lá permanecer. "É vincular os assentamentos a outras políticas públicas, além da infraestrutura, das estradas para escoamento da produção, mas também políticas ligadas à educação, cultura, inclusão digital, atividades esportivas e espaços de vida", sublinhou. "Uma coisa a presidenta Dilma já deixou bem claro: ela não quer que sejam criadas favelas no campo. Os assentamentos devem ser feitos numa perspectiva de emancipação das famílias e das comunidades atendidas, por isso estamos vinculando a qualidade dos assentamentos."
Desde 1970, quando foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 1,288 milhão de famílias foram assentadas. Atualmente, porém, 956,5 mil famílias estão instaladas em 88,1 milhões de hectares distribuídos em 9.128 assentamentos.
Patrus confirmou que fará mudanças no comando do Incra, embora tenha elogiado o trabalho do atual presidente da autarquia, Carlos Mário Guedes de Guedes. Ele disse que buscará valorizar a carreira dos servidores do órgão, e assegurou não fará uma "mudança brusca de rota". Evitou revelar o nome de quem ocupará o cargo, mas é dado como certo entre técnicos do governo que a indicada é Maria Lúcia Falcón. Ela chegou a ser cotada para o Ministério do Desenvolvimento Agrário no primeiro mandato da presidente Dilma. Já Guedes de Guedes assessorará a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e deve auxiliá-la na área de regularização fundiária.
Outra prioridade do ministro é tirar do papel a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). "Espero levar nos próximos dias uma proposta fechada [sobre a Anater] à presidenta Dilma. Tive inclusive com a ministra Kátia Abreu [da Agricultura] uma conversa muito boa" disse Patrus Ananias, segundo quem a agência ficará subordinada à sua Pasta e pode começar a funcionar este ano por convênios, uma vez que o grande desafio atual é fazer com que a agricultura familiar dispute o mercado de fornecimento de alimentos e assim ajude a combater a inflação. Ele também pretende incentivar o cooperativismo. "Não vou propor a revisão [elevação] dos índices de produtividade no campo. Vamos trabalhar dentro das regras existentes. Mas, como cidadão, acho que essa questão do índice de produtividade tem que ser discutida pela sociedade brasileira."
Patrus Ananias afirmou que o Ministério do Desenvolvimento Agrário precisará "podar" algumas ações a fim de aderir ao ajuste fiscal adotado pelo governo e conseguir ampliar outras políticas prioritárias, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Para a safra 2014/2015, o Pronaf destinará cerca de R$ 24 bilhões em crédito para investimento e custeio.
Citando sua experiência durante o governo Lula, o ministro fez uma avaliação sobre a crise que o governo enfrenta. "A gente tem que aprender a relativizar os momentos políticos", disse. "É importante nós não nos submetermos aos dados do momento, é importante preservarmos nossos projetos estratégicos, nossas prioridades, a visão de futuro."
Para ele, não há risco imediato de o país tomar uma rota de desrespeito à democracia e diretrizes constitucionais. "Mas é bom a gente começar a combater as inflexões desde o começo, isso são alguns sinais", pontuou. "Estamos vivendo um momento de algumas dificuldades e desafios, mas o que eu acho fundamental é reafirmarmos o pacto em torno do Estado democrático de direito. Não me agrada quando eu vejo manifestações agressivas, sectárias, de intolerância, com mais força."
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Patrus anuncia mudança na reforma agrária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU