30 Dezembro 2025
"Meu livro examina a longa história de mudanças na Igreja e explora como a compreensão cada vez maior do que significa ser criado à imagem e semelhança de Deus sempre nos conduziu a uma grande aventura de fé, mesmo que por vezes tensa", escreve Daniel C. Tillson, em artigo publicado por New Ways Ministry, 19-12-2025.
Daniel C. Tillson é um católico gay de mentalidade tradicional e ex-conselheiro da Santa Sé em questões que impactam a imigração no Hemisfério Ocidental.
Eis o artigo.
Em março de 2023, lembro-me de ser um funcionário exausto do Capitólio, sem energia e sabendo que o feriado da Páscoa estava chegando. Tudo o que eu queria era um ou dois minutos entre as reuniões para recuperar o fôlego. Foi então que um estagiário de um senador republicano me parou no elevador.
“Com licença, o senhor é o Sr. Tillson?”, perguntou ele.
Sem saber ao certo por que ou como ele me encontrou, instintivamente entreguei-lhe um cartão de visitas, supondo que ele quisesse fazer contatos profissionais.
Ele não estava procurando emprego; ele era um sem-teto. Estava se recuperando da rejeição dos pais por causa de sua orientação sexual, mas, ao mesmo tempo, desejava genuinamente permanecer perto de Jesus. Frequentava a missa em latim e realizava penitências rigorosas. Do meu ponto de vista, sua fé era sincera, mas também profundamente ferida por um sentimento de não pertencimento.
Ele também foi capaz de dizer as palavras "Jesus me ama". Talvez até acreditasse nisso intelectualmente. Mas, no fundo, amor não era o que ele sentia.
Aquele encontro me atormentou. Estamos todos enganados! A ideia católica de santidade se tornou, para muitos de nós, uma longa lista de regras. A fé se tornou um lugar onde nos sentimos pressionados a esconder algo.
Sei disso por experiência própria. Quando jovem, me disseram para esconder minha sexualidade — até mesmo de padres — e me garantiram que, se eu o fizesse, tudo ficaria bem. Na faculdade, construí uma rede social católica bastante ampla de amigos. De certa forma, era meu plano B, caso eu nunca viesse a ter minha própria família. Nenhum deles sabia do sofrimento que eu carregava no fundo do meu coração.
Em 2018, após as revelações perturbadoras de abuso sexual desenfreado por Theodore McCarrick, que havia sido arcebispo de Washington, DC, eu não aguentava mais. Se estávamos pregando a verdade, por que alguns na paróquia me diziam para esconder coisas sobre mim?
O processo de assumir a própria fé para católicos vindos de círculos tradicionais pode ser muito doloroso. No meu caso, perdi muitos amigos. A dor que senti com esse abandono também me fez perceber por que tantas pessoas se esforçam tanto para esconder coisas sobre si mesmas.
"Theology for the Unwanted: Reclaiming Your Place in God's Church", de Daniel C. Tillson (Paulist Press, 2025).
Deve haver uma maneira melhor.
Por isso, meu livro, Teologia para os indesejados: reivindicando seu lugar na Igreja de Deus, começa com uma anedota bastante surpreendente. Peço ao leitor que reflita sobre os primeiros dias após a Segunda Guerra Mundial. Imagine um jovem soldado europeu comum voltando para casa e encontrando a casa de sua infância reduzida a ruínas e memórias.
Naqueles momentos, não havia regras, processos, grandes tradições. Havia apenas escombros. E assim, eles pegaram os tijolos carbonizados à sua frente e começaram a construir abrigos improvisados.
É precisamente nesses momentos de luto que a teologia católica começa a brilhar. A teologia nada mais é do que a realidade.
Às vezes, encorajo os católicos LGBT que estão passando por dificuldades a se enxergarem como tijolos carbonizados. Após os escândalos de abuso sexual clerical das últimas duas décadas, a Igreja precisa se reconstruir, e não pode fazer isso sem vocês.
Para aqueles que conhecem a história que antecedeu o Concílio Vaticano II, a destruição continental e o processo de reconstrução de grande parte da Europa após a Segunda Guerra Mundial libertaram as mentes dos fiéis. O desenvolvimento da Igreja talvez não tivesse sido possível sem isso.
Meu livro examina a longa história de mudanças na Igreja e explora como a compreensão cada vez maior do que significa ser criado à imagem e semelhança de Deus sempre nos conduziu a uma grande aventura de fé, mesmo que por vezes tensa. E, utilizando os métodos de desenvolvimento teológico fiel, o livro explora três maneiras pelas quais a Igreja do futuro poderia desenvolver seu próprio ensinamento a fim de reconhecer mais plenamente a dignidade das pessoas LGBT.
Quero encerrar com uma generosa citação sobre o livro de D. Félix Gmur, bispo suíço que assumiu grandes riscos pessoais em sua carreira eclesial para apoiar vítimas de abuso físico ou espiritual:
"Numa época em que a Igreja Católica busca o equilíbrio entre suas ricas tradições e as exigências da modernidade, Daniel Tillson oferece uma palavra de encorajamento perspicaz. Com grande sensibilidade, ele lança luz sobre os desafios de viver como um cristão queer. Este livro pode acompanhar qualquer pessoa que deseje reconciliar sua fé e sua identidade e que esteja em busca de um lar e aceitação na Igreja."
“Tenho a convicção de que toda pessoa que busca a Deus – mesmo que ainda não tenha coragem de falar sobre certos aspectos de sua vida – é um dom valioso para a comunidade católica. É um momento de alegria. Ninguém precisa temer a tensão que surge quando se começa a buscar Jesus Cristo em sua vida. Aqueles que se esforçam pela santidade às vezes correm um grande risco pessoal, e a Igreja está aprendendo, aos poucos, a apoiar essa busca e a acompanhar as pessoas nessa jornada que dura a vida toda.”
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