Advento: tempo de retornar à Vida

O anjo aparece aos pastores, de Thomas Cole (1833-34) | Foto: Reprodução

19 Dezembro 2025

"A passagem bíblica do Sermão da Montanha, que ganhou novo destaque na Igreja com a publicação da Exortação Apostólica Dilexi te, é apresentada nas reflexões de Santo Agostinho como 'um programa perfeito de vida cristã destinado à direção dos costumes'. Esse programa, no entanto, não é dirigido às multidões, mas aos discípulos de Cristo".

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestra em Filosofia pela Unisinos e mestra em Teologia pela PUCRS.

Em Teologia da Revelação, o jesuíta René Latourelle explica o movimento da revelação que vamos celebrar neste Natal: “a vida em Deus, a vida que desce em direção aos seres humanos e, em Jesus Cristo, se manifesta às pessoas para efetuar seu retorno à Vida”. 

O retorno à Vida do qual fala o jesuíta canadense sugere ao menos dois movimentos aos quais somos convidados neste Natal: retornar à Vida, isto é, a Jesus, o Caminho, a Verdade e a Vida, como ele próprio se autodefine; e retornar à vida no sentido de voltar a um processo do qual, por vezes, nos distanciamos, quer dizer, a um modo de viver e agir que mova nossas atitudes para a geração da vida e não da morte. No cotidiano nem sempre é fácil encontrar as balizas que servem de guia nessa direção, ainda mais quando nós mesmos somos a medida e o parâmetro de todas coisas. Mas na meditação do Sermão da Montanha (Mt 5), contudo, é possível iniciar um processo. 

Essa passagem bíblica, que ganhou novo destaque na Igreja com a publicação da Exortação Apostólica Dilexi te, é apresentada nas reflexões de Santo Agostinho como “um programa perfeito de vida cristã destinado à direção dos costumes”. Esse programa, no entanto, não é dirigido às multidões, mas aos discípulos de Cristo. Para quem escuta à distância, como a multidão, não é fácil seguir por este caminho, ainda que, por vezes, algumas ações pareçam revelar o contrário. Mas os discípulos, aqueles que se aproximam do Senhor, são convidados a se exercitarem nesse percurso porque ensinados pelo próprio Cristo. 

Em O Sermão da Montanha, Agostinho reflete sobre cada uma das bem-aventuranças e os prêmios condicionados a elas. Não cabe aqui explicitar em detalhes cada ponto, mas apresentar brevemente quem são os bem-aventurados segundo a interpretação agostiniana. A comparação de nós mesmos com os exemplos de Agostinho poderá dar a medida de quão assemelhados estamos à multidão ou aos discípulos de Cristo: 

Os pobres de espírito: aqueles que são humildes e tementes a Deus, “desprovidos de todo espírito que incha”, isto é, de tudo que os torna orgulhosos e arrogantes; 

Os mansos: aqueles que cedem diante das injustiças de que são vítimas e buscam vencer o mal com o bem;

Os que choram: aqueles que se convertem a Deus e perdem as alegrias temporárias deste mundo;

Os que têm fome e sede de justiça: aqueles que se empenham verdadeiramente pelo bem;

Os misericordiosos: aqueles que socorrem os necessitados;

Os puros de coração: aqueles que buscam a Deus com simplicidade de coração;

Os pacíficos: aqueles que são construtores da paz, nos quais não existe mais luta interior porque, com o auxílio da graça, dominaram os movimentos da alma e os submeteram à razão e ao espírito. 

Seja lá em qual lado da margem nos encontremos, ou no meio do caminho, o fato é que o anúncio do anjo aos pastores renova a nossa esperança. Que neste Natal, em que a Igreja nos lembra o que foi dito naquela noite santa, possamos escolher e acolher a Vida: "Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor”.

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