Por que Cristo amava os pobres. Artigo de Vito Mancuso

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16 Dezembro 2025

"E foi precisamente isso que o evangelista Mateus compreendeu profundamente quando decidiu acrescentar "em espírito" à primeira bem-aventurança: aqueles que realmente pertencem ao reino de Deus, de fato, são aqueles que vivem por algo mais importante do que eles mesmos; são os verdadeiros "pobres em espírito". É somente no espírito, certamente não no bolso, que se desenrola a relação da nossa alma com a eternidade", escreve Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 12-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Entre as palavras mais famosas e importantes de Jesus estão as Bem-aventuranças, das quais, no entanto, temos duas versões diferentes e não pouco discordantes. Segundo o Evangelho de Mateus, são oito e foram proferidas por Jesus após subir “o monte”, no início do famoso “Sermão da Montanha”; segundo o Evangelho de Lucas, porém, são quatro e foram proferidas “num lugar plano”. Como as coisas realmente aconteceram? Nunca saberemos. Mas podemos ao menos estabelecer quais foram as palavras autênticas de Jesus?

O Jesus de Mateus é mais espiritual e menos politicamente perturbador do que aquele de Lucas. Para ele, os pobres declarados bem-aventurados são os pobres "em espírito", enquanto para Lucas eles são simplesmente os pobres, materialmente pobres: "Bem-aventurados os pobres". Esse Jesus chega a ameaçar os ricos simplesmente por serem ricos: "Ai de vós, ricos!" — palavras que o Jesus de Mateus jamais chega a proferir. A segunda bem-aventurança, que em Mateus é "bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça", em Lucas é muito mais crua e material: "Bem-aventurados vós que agora tendes fome". O contraste é atenuado nas outras bem-aventuranças, mas o balanço geral é claro: para o Jesus de Lucas, a pobreza material é espiritualmente fecunda e a riqueza é um obstáculo intransponível, enquanto para o Jesus de Mateus, ao contrário, o que é decisivo não é a dimensão material, mas a espiritual: é de justiça que devemos ter fome; um estômago vazio certamente não basta.

Em seu Evangelho, Lucas insiste na dimensão sociopolítica desde o início, visto que na composição poética atribuída à mãe de Jesus, tradicionalmente chamada de Magnificat, encontramos expressões como: "Ele depôs os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias". Carlo Maria Martini definiu Lucas de "provocador", acrescentando até que era "um de esquerda" ("ein Linker", como lemos na edição original alemã de Diálogos Noturnas em Jerusalém, de 2008, expressão suprimida na edição italiana publicada pela Mondadori). Mas qual dos dois evangelistas nos transmite o Jesus histórico de forma mais autêntica? Era Jesus mais conservador como em Mateus ou mais progressista como em Lucas?

O evangelista mais antigo, Marcos, relata um dito (retomado pelos outros dois sinópticos) que apresenta uma filosofia da história bastante sombria: "Os governantes das nações têm poder sobre elas, e os seus chefes as dominam". Ter poder e dominar eram, portanto, a mesma coisa para Jesus. A cena das tentações, tanto em Lucas quanto em Mateus, se move nessa mesma perspectiva, pois revela que, para Jesus, o sucesso político e material exige submissão a Satanás. O Quarto Evangelho também corrobora essa visão, ao chamar Satanás três vezes de "o príncipe deste mundo". Conclui-se que de "esquerda" não era Lucas, mas sim Jesus, portanto não pode haver dúvidas de que as bem-aventuranças de Lucas sejam mais próximas daquelas originais, talvez até mesmo idênticas.

O que, então, pensar das bem-aventuranças de Mateus? Na minha opinião, elas representam uma versão mais refinada e espiritualmente madura, que brota de uma análise mais cuidadosa tanto da revelação bíblica geral quanto da efetiva lógica que impulsiona a história. Sobre o tema pobreza-riqueza, a Bíblia apresenta uma visão ambivalente: por um lado, os profetas consideravam negativamente a riqueza, enquanto, por outro, os livros históricos e sapienciais a julgam uma dádiva de Deus. Quanto à primeira perspectiva, o profeta Isaías diz: "Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e fiquem como únicos moradores no meio da terra!” (Isaías 5,8; uma frase que hoje fotografa perfeitamente a expansão ilegal dos colonos israelenses nos territórios palestinos). E eis, por outro lado, o que lemos em Provérbios 10,22: "A bênção do Senhor enriquece". Deparamo-nos, portanto, com uma evidente contradição: por um lado, a riqueza é condenada como fruto da injustiça; por outro, é louvada como sinal de bênção divina. Na minha opinião, Mateus compreendeu isso tudo e, portanto, chegou a modificar a versão original das Bem-aventuranças.

Contudo, não se deve pensar que, dessa forma, ele tenha traído o pensamento original de Jesus, mas sim que o integrou à luz da revelação bíblica total e de outros ditos de Jesus (basta pensar, por exemplo, na parábola dos talentos ou na parábola das minas). Acima de tudo, é preciso considerar que a predileção de Jesus pelos pobres (tão acentuada por Lucas, atenuada por Mateus e completamente ausente em João) não deve ser entendida nem como um amor exagerado pela pobreza, nem como solidariedade de classe, dadas as origens humildes de Jesus, muito mesmo como uma incipiente luta de classes que faria de Jesus um dos primeiros socialistas da história. De fato, todos os seus ensinamentos, incluindo sua predileção pelos pobres, devem ser relacionados à sua ideia fundamental: aquela do reino de Deus e sua iminente vinda. Dirigindo-se às multidões, Jesus observava que os pobres estavam insatisfeitos com sua condição e, portanto, ansiavam por mudanças, prestando, assim, muita atenção ao seu anúncio de uma transformação radical da história. Ao falar com os ricos, porém, Jesus se deparava com pessoas satisfeitas com sua condição e, portanto, pouco desejosas de mudanças. Por essa razão, ele preferia os pobres: não por razões sociopolíticas ou solidariedade de classe, mas por sua maior abertura à sua mensagem e, consequentemente, por sua disposição para mudar de vida.

E foi precisamente isso que o evangelista Mateus compreendeu profundamente quando decidiu acrescentar "em espírito" à primeira bem-aventurança: aqueles que realmente pertencem ao reino de Deus, de fato, são aqueles que vivem por algo mais importante do que eles mesmos; são os verdadeiros "pobres em espírito". É somente no espírito, certamente não no bolso, que se desenrola a relação da nossa alma com a eternidade.

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