Qual roteiro do Mapa do Caminho para a eliminação dos fósseis? Artigo de Nicolas Lippolis

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13 Dezembro 2025

Mais de 80 países apoiam iniciativa de Lula para phase-out dos fósseis. Conferência internacional sobre o tema será realizada na Colômbia em abril de 2026, enquanto Brasil desenvolve estratégia paralela à ONU.

O artigo é de Nicolas Lippolis, publicado por EcoDebate, 11-12-2025.

Nicolas Lippolis, economista e cientista político, pesquisador da Escola do Clima da Columbia University e fundador do think tank Centro de Energia, Finanças e Desenvolvimento.

Eis o artigo.

Principais responsáveis pelas mudanças climáticas, os combustíveis fósseis não apareceram no texto final da 30ª Conferência das Partes, em Belém do Pará. Ainda assim, dominaram os debates. Na Cúpula de Líderes, Lula propôs um “mapa do caminho” para eliminá-los, e nas duas semanas seguintes mais de 80 países abraçaram a ideia. O Grupo Árabe e o bloco de países em desenvolvimento liderado pela Índia resistiram. Não houve consenso, mas depois de três décadas de conferências climáticas, os fósseis estão, de vez, no centro da mesa e não sairão tão cedo.

Na plenária final, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, anunciou que o Mapa do Caminho para a eliminação dos fósseis, bem como o para acabar com o desmatamento, terão seu desenho liderado pelo Brasil ao longo de 2026. Colômbia e Países Baixos anunciaram a primeira conferência internacional dedicada exclusivamente a dialogar sobre o fim dos combustíveis fósseis, marcada para abril de 2026 em Santa Marta.

Ambas iniciativas ocorrerão de forma paralela ao sistema da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) durante um ano que promete ser decisivo. Perde-se a legitimidade do consenso multilateral, ganha-se agilidade e a possibilidade de sentar à mesa tanto produtores quanto consumidores de petróleo.

A grande questão que o Mapa do Caminho terá de enfrentar é: quem abandona os fósseis primeiro e em que ordem? Na teoria, há critérios possíveis, cada um carregando filosofias distintas de justiça climática: tamanho das reservas, custo de extração, emissões associadas, dependência econômica e fiscal, nível de desenvolvimento, capacidade institucional. Juntar tudo num único indicador será tarefa hercúlea.

Outras dúvidas são igualmente desafiadoras. Carvão, petróleo e gás terão uma rota única de saída, ou caminhos apartados? Quem será mais atacada: a demanda, ou a oferta? Quem terá coragem de aplicar moratórias sobre todo projeto de exploração e produção? E quais são os outros instrumentos concretos para implementar um futuro Mapa do Caminho?

O carvão é caso à parte: consumido onde é extraído, sobretudo na Ásia. Seu fim depende menos de comércio global e mais de financiamento renovável, integração à rede e transição justa para mineiros.

O petróleo e, em menor grau, o gás viajam o mundo em navios e dutos, o que permite que produção e consumo estejam desconectados. Reduzir a demanda dos fósseis investindo em energias renováveis, biocombustíveis e eficiência energética é o que quase todo mundo faz. Inclusive o Brasil, que diz que será carbono-neutro em 2050, mas antes disso se tornará um dos cinco maiores produtores de petróleo do planeta.

Não há dúvida: substituir combustíveis fósseis por renováveis é o caminho mais eficaz para cortar emissões. Mas reduzir apenas a demanda pode não bastar. Interesses fósseis são resilientes: já financiaram décadas de negacionismo. Sem planejamento da oferta, o risco é criar ativos encalhados e crises fiscais em Estados produtores.

Preço real e controle de oferta

Há precedentes em restringir a oferta: Reino Unido, Colômbia e outros produtores menores, como Dinamarca, França e Costa Rica, decretaram fim a novas licenças. O governo trabalhista britânico manteve a decisão mesmo diante de resistências. O phase-out britânico foi precedido da taxação de lucros extraordinários das empresas petrolíferas, mas poucos dos recursos obtidos até agora foram direcionados para a criação de novos empregos para os trabalhadores da indústria, requisito para uma transição justa.

A Colômbia, de Gustavo Petro, anunciou o fim das concessões em 2023. Na falta de planejamento adequado, enquanto sua produção de gás já vinha em queda, tornou-se importadora de gás americano. Como efeito rebote, os principais candidatos às Eleições presidenciais de 2026 vem defendendo a perfuração, inclusive com técnicas ambientalmente destrutivas. A lição colombiana é clara: sem diversificação energética e econômica paralela, políticas de oferta fracassam politicamente.

Restrições financeiras seguem raras. Desde o Acordo de Paris, os maiores bancos emprestaram US$ 7,9 trilhões ao setor fóssil. A Net Zero Banking Alliance perdeu fôlego com a guerra na Ucrânia e morreu de vez com a eleição de Trump. O lucro venceu o propósito.

Tais exemplos mostram o tamanho do obstáculo. Prognósticos mostram que Canadá e EUA responderão por dois terços da expansão global de óleo e gás até 2035. Os países pobres se sentem injustamente cobrados a abrir mão de receitas enquanto os países ricos não o fazem.

O governo do Brasil repete: se não explorarmos a Margem Equatorial, outros tomarão nossa fatia de mercado. Na prática, os produtores de petróleo não se substituem um ao outro com essa facilidade, e uma redução na oferta pode sim ajudar a baixar a demanda. Mas é claro que os países ricos devem liderar pelo exemplo.

Num mundo em que interesses econômicos continuam a se sobrepor ao clima, o Mapa do Caminho não pode ser apenas um exercício de voluntarismo. Precisa criar incentivos reais e reconhecer a busca legítima dos países por segurança energética e autonomia em suas relações externas.

Um atalho é remover obstáculos que impedem até governos bem-intencionados de agir. Tribunais internacionais de arbitragem já condenaram Estados a indenizações de centenas de milhões de dólares por cancelar licenças fósseis, mesmo existindo formas de implementar políticas de descontinuação sem incorrer em riscos arbitrais. O regime de proteção a investimentos estrangeiros virou barreira climática e terá de sair da rota.

O Brasil na largada

Outro ponto cego são os subsídios à produção que barateiam artificialmente a extração e alimentam um rali de incentivos entre países produtores. Entre eles estão financiamentos públicos e isenções fiscais, como o Repetro, o regime aduaneiro especial para bens usados na indústria de petróleo e gás natural, que contribui com R$ 13,6 bilhões dos R$ 40,7 bilhões em subsídios concedidos no Brasil em 2024.

Globalmente, os subsídios à produção de combustíveis fósseis representam 15% do total, mas são ainda mais perversos que os subsídios ao consumo: sugam dinheiro público sem beneficiar o cidadão e acirram a competição predatória pela atração de investimentos. Reformá-los exige metodologias alinhadas internacionalmente, a criação de inventários nacionais e a troca de experiências.

A sociedade civil brasileira possui metodologias próprias de mensuração dos subsídios à produção, que podem servir de base para iniciativas governamentais. O sucesso na frente do consumo, alcançado nos últimos três anos, coloca o Brasil em condições de liderar a largada.

Temos vantagens raras – matriz elétrica 90% renovável, frota 85% flex, Petrobras com tecnologia de ponta, que podem ser alavancadas para exportar produtos industriais verdes, combustíveis sustentáveis e produtos da bioeconomia. Mas é preciso ir além do discurso e cortar de vez os incentivos que ainda puxam para trás.

Para países mais dependentes – sobretudo os petro-estados do Oriente Médio e da África – o desafio é existencial. Programas bilaterais ou regionais que garantam acesso a mercados enquanto se reduz metano e se constrói alternativas, como o Roteiro de Parceria para o Abatimento de Metano, lançado na COP29, podem ser o embrião de uma cooperação maior: importadores e exportadores alinhando redução de demanda e de oferta. Multiplicados, esses acordos abrem caminho para propostas ambiciosas, quem sabe até um Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis.

Segundo a Agência Internacional de Energia, se os governos cumprirem as políticas que já anunciaram, a demanda por carvão e petróleo pode atingir seu pico ainda nesta década, enquanto o consumo global de gás pode começar a recuar em meados dos anos 2030.

Manter o pé no acelerador da meta de triplicar as matrizes renováveis e da eficiência energética prometidas em Dubai é essencial, mas insuficiente sem medidas equivalentes no lado da oferta.

Ainda que o Mapa do Caminho seja cartografado à margem da COP, ele é ferramenta indispensável rumo ao fim da era fóssil.

Desde a Rio-92, o Brasil mostrou capacidade de liderar com soluções criativas e, 33 anos depois, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre é um caso exemplar. Agora tem chance de repetir o feito, desde que fuja do discurso fácil que joga todo o peso no consumo e incorpore, com a mesma ousadia, instrumentos de restrição da oferta. Só assim o mapa não será apenas um apoio, mas o roteiro real de um mundo pós-fóssil.

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