09 Dezembro 2025
Em entrevista ao The Guardian, o ex-ministro das Relações Exteriores brasileiro alertou que um ataque dos EUA a Caracas poderia despertar o sentimento anti-imperialista na região.
A reportagem é publicada por Página|12, 09-12-2025.
Celso Amorim, principal assessor de política externa do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, alertou que uma intervenção militar dos EUA na Venezuela poderia desencadear um conflito regional de grandes proporções, comparável ao do Vietnã . O ex-ministro das Relações Exteriores considerou a decisão de Donald Trump de ordenar o fechamento total do espaço aéreo venezuelano como "um ato de guerra " e afirmou que a crise pode se agravar nas próximas semanas.
As declarações foram feitas em entrevista ao jornal britânico The Guardian, em meio à escalada das tensões entre Washington e Caracas. O diplomata veterano, que trabalhou com Lula durante os dois primeiros mandatos de seu atual ciclo presidencial, contextualizou seus alertas no âmbito da maior mobilização militar dos EUA no Caribe desde a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962.
Desde agosto, Washington lançou operações navais e uma série de ataques aéreos contra embarcações denunciadas como parte de operações “narcoterroristas”, deixando mais de 80 mortos em águas internacionais. Sob o pretexto de combater o narcotráfico, o Pentágono enviou destróieres, caças, milhares de soldados e o maior porta-aviões do mundo para a região. Caracas afirma que essas operações não visam interromper as rotas do narcotráfico, mas sim criar as condições para uma mudança de regime.
Nas últimas semanas, Washington endureceu ainda mais sua posição ao promover um bloqueio marítimo e aéreo contra a Venezuela. Dias antes, no final de novembro, Trump declarou que o espaço aéreo do país deveria ser considerado "completamente fechado", levando diversas companhias aéreas internacionais a suspenderem seus voos. O presidente americano também insinuou que operações "terrestres" poderiam ser lançadas contra supostos narcotraficantes venezuelanos. Amorim classificou a medida como "totalmente ilegal".
“Resistência contra invasores estrangeiros”
Para Amorim, um ataque dos EUA não só transformaria a América do Sul em uma “zona de guerra”, como também atrairia outros atores internacionais e reacenderia o sentimento anti-americano em toda a região. “A última coisa que queremos é que a América do Sul se torne uma zona de conflito com envolvimento global. Seria realmente lamentável”, alertou o ex-ministro das Relações Exteriores brasileiro.
Segundo relatos citados pela mídia internacional, Trump deu a Maduro uma semana para renunciar, ultimato que já expirou. O assessor brasileiro acredita que um possível ataque poderia unir até mesmo setores opositores ao chavismo. “Se houvesse uma invasão real, sem dúvida veríamos algo semelhante ao Vietnã; é impossível saber em que escala”, afirmou Amorim. Em sua visão, “todo o nosso continente existe graças à resistência contra invasores estrangeiros”, o que geraria uma rejeição imediata e generalizada a qualquer ação militar dos EUA.
A entrevista também abordou a posição do Brasil sobre as eleições venezuelanas de 2024, cuja transparência é questionada por diversos países e organizações. Amorim esclareceu que, embora reconheça "problemas" com a contagem de votos proclamada por Maduro, rejeita qualquer proposta de mudança de regime pela força. "Se toda eleição questionável provocasse uma invasão, o mundo estaria em chamas", disse Amorim, que enfatizou estar falando em caráter pessoal e não como porta-voz oficial do governo.
“Se Maduro concluir que deixar o poder é o melhor para ele e para a Venezuela, essa será a decisão dele… O Brasil jamais a imporá”, afirmou Amorim. A possibilidade de uma transição negociada permanece em aberto, segundo o diplomata. Amorim mencionou um possível referendo revogatório como alternativa, semelhante ao realizado em 2004, durante a presidência de Hugo Chávez. “Naquela época, Chávez aceitou a ideia. Houve um referendo e ele venceu”, lembrou. Para ele, um processo de abertura política “ordenado” poderia se assemelhar à transição democrática brasileira, que progrediu “lentamente, gradualmente e com segurança”.
Os alertas de Amorim surgem em meio à crescente pressão dos EUA. Além do bloqueio aéreo e do destacamento militar no Caribe, Washington oferece uma recompensa de US$ 50 milhões pela captura de Maduro desde agosto. Autoridades do governo Trump insistem que continuarão a aumentar o custo político e econômico para o presidente venezuelano, a quem acusam de liderar um suposto cartel de drogas conhecido como Cartel dos Sóis. Segundo reportagens citadas pelo The Guardian, Trump deu ao líder venezuelano um ultimato de uma semana para renunciar durante uma ligação telefônica em 21 de novembro. Questionado sobre a disposição de Maduro em renunciar, Trump respondeu: "Ele renunciará".
Enquanto isso, continuam as especulações sobre um possível exílio de Maduro caso ele seja deposto do poder. Entre os possíveis destinos mencionados estão Cuba, Turquia, Catar e Rússia. Questionado sobre a possibilidade de o Brasil oferecer asilo, Amorim se recusou a comentar, afirmando que não queria dar a impressão de estar incentivando a ideia, embora tenha reconhecido o histórico da região em conceder refúgio político e citado os casos de Lucio Gutiérrez e Alfredo Stroessner.
Os alertas do Brasil, portanto, somam-se às vozes regionais que temem uma escalada militar no norte da América do Sul. Para Amorim, qualquer intervenção estrangeira seria um erro histórico. "Uma guerra na América do Sul não seria apenas entre os Estados Unidos e a Venezuela; teria consequências globais", reiterou.
Leia mais
- Venezuela: Trump desferiu mais um xeque, mas não haverá xeque-mate. Artigo de Victor Alvarez
- Arcebispo americano pede o fim dos ataques do governo Trump à Venezuela
- Venezuela: a fabricação de uma mentira. Artigo de Ted Snider
- 5 razões que revelam por que o conflito entre EUA e Venezuela entrou na fase crítica e mais perigosa. Artigo de Boris Muñoz
- O Comitê Nacional BRICS se pronunciou contra a ameaça de uma invasão dos EUA na Venezuela
- Leão XIV pede aos Estados Unidos que evitem o uso da força na Venezuela e apela ao diálogo em meio à escalada das tensões com Trump
- Trump ameaça a Venezuela: ‘Vamos exterminar aqueles filhos da p*’
- Trump anuncia que “muito em breve” terão início “operações terrestres” contra supostos “traficantes de drogas venezuelanos”
- Por que Trump poderia mergulhar a Venezuela no caos com seu "intervencionismo barato". Artigo de Mariano Aguirre Ernst
- Trump deu ultimato a Maduro e exigiu renúncia, diz jornal