26 Novembro 2025
"Os yazidis ainda estão pagando o preço do genocídio, não apenas pelas atrocidades cometidas pelo ISIS, mas também pela falta de um apoio consistente que ajude a comunidade a se recuperar."
A entrevista é de Roberto Della Seta, publicada por il manifesto, 25-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Essa é a denúncia e o grito de alerta de Nadia Murad, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2018. A história de Murad é um resumo dramático da história dos yazidis, uma pequena comunidade de mulheres e homens de etnia e língua curda que vive na região de Sinjar, no Iraque. Eles não são muçulmanos, nem cristãos nem judeus, e se identificam em uma doutrina religiosa, o yazidismo, que combina elementos das três religiões abraâmicas.
Em agosto de 2014, Nadia, então com 20 anos, foi sequestrada junto com centenas de outras garotas yazidis por bandos do Estado Islâmico que haviam ocupado sua aldeia e assassinado 600 homens yazidis. As prisioneiras foram levadas para Musul, onde sofreram torturas e estupros. Em novembro, Nadia conseguiu escapar. Desde 2015, vive na Alemanha, onde com sua Nadia’s Initiative se dedica a projetos de apoio a mulheres vítimas de violência sexual e de “reconstrução” de comunidades afetadas por violências generalizadas. As atividades da Nadia’s Initiative são voltadas especificamente para a comunidade yazidi de Sinjar. Murad está atualmente em Roma para participar de um congresso no Vaticano sobre a "humanidade do trabalho", promovido pela Filcams-Cgil. Sua etapa romana coincide com as mobilizações de Nonunadimeno, que marcam o dia 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Eis a entrevista.
Hoje, você vive na Europa, considerada por muitos o lugar no mundo onde o caminho para a libertação da violência patriarcal está mais avançado. Você compartilha dessa "percepção"?
Venho de uma pequena aldeia no Iraque. Cresci vendo a sociedade e a lei discriminarem minha mãe. Quando menina, lutei para obter os direitos e as oportunidades que muitas jovens na Europa conquistaram. Mas nenhum lugar é perfeito. A Europa, incluindo a Itália, ainda precisa acertar as contas com o dramático problema da violência de gênero. Também vi como muitas pessoas aqui se importam com a igualdade de gênero e se solidarizam com as sobreviventes de violência; isso me dá esperança.
O que é necessário para combater a violência de gênero de forma mais eficaz? Leis, políticas diferentes, maior engajamento cívico?
Tudo isso é necessário, mas a verdadeira mudança exige vontade política e empenho internacional. Em muitas partes do mundo, as mulheres ainda não têm acesso a serviços básicos, emprego ou mesmo à liberdade de escolher como se vestir. Em lugares como Sinjar, milhares de mulheres e garotas foram vítimas de estupros e violências sistemáticas simplesmente por causa de seu gênero. Precisamos de direitos universais para as mulheres do mundo e de instrumentos internacionais para sancionar governos e regimes, como os talibãs, que negam liberdade às mulheres.
Qual é a situação atual da comunidade yazidi?
Vou começar pelo meu próprio caso: minha família ainda está esperando; ainda não recebi os restos mortais da minha mãe e das minhas sobrinhas, mortas pelo Estado Islâmico. Muitos de nossos entes queridos e milhares de yazidis estão desaparecidos, os restos mortais das vítimas precisam ser identificados e a região destruída pelo Estado Islâmico precisa quase totalmente ser reconstruída. Pouquíssimos entre os responsáveis pelo genocídio foram responsabilizados por seus crimes. Essa é hoje a realidade para milhares de famílias yazidis.
Qual é o trabalho da Nadia’s Initiative?
Atuamos para conscientizar a opinião pública sobre a violência sexual ligada a conflitos e para promover a justiça de gênero. Em Sinjar, apoiamos mulheres e garotas em sua trajetória rumo à emancipação e à libertação. Desenvolvemos projetos nas áreas da saúde, educação, infraestruturas e documentação do genocídio.
Nas tensões e conflitos políticos que abalam o Oriente Médio, os direitos humanos, especialmente os das mulheres, parecem ser completamente ignorados...
Em tempo de guerra, os direitos das mulheres são os primeiros a serem desrespeitados. E quando os direitos das mulheres não são reconhecidos, as sociedades se tornam mais frágeis e os danos perduram por gerações.
O fundamentalismo islâmico pode ser derrotado pela guerra?
Não é possível derrotar uma ideologia radical e violenta apenas com as armas. A derrota do Estado Islâmico foi anunciada há anos, mas sua ideologia persiste e seus seguidores continuam a atuar em diversas regiões. Mais de 2 mil mulheres e garotas yazidis permanecem desaparecidas. A vitória militar contra o Estado Islâmico chegou, mas a responsabilidade moral do mundo para com as vítimas terminou aí. Pode haver momentos em que a força seja necessária para deter a violência de massa, mas não basta acabar com as atrocidades; é igualmente importante ajudar as comunidades a se reconstruírem e se empenharem com sua segurança a longo prazo.
Leia mais
- “O estupro como arma. Não fui a última”. Entrevista com Nadia Murad, vencedora do Prêmio Nobel
- Prêmio Nobel da Paz contra o estupro como arma de guerra. Entrevista com Denis Mukwege e Nadia Murad
- Nadia Murad, um Nobel à coragem de uma ''memória viva'' dos massacres do ISIS
- Yazidis, o genocídio esquecido
- Yazidi, os mais esquecidos. Artigo de Andrea Riccardi
- Quem são os yazidis, alvo dos jihadistas do Estado Islâmico?
- Iraque, o massacre dos yazidis: ''Eles foram enterrados vivos''
- “Violência sexual como arma na guerra. Por que tanta crueldade?”, pergunta o arcebispo greco-católico de Kiev
- Mulheres israelenses: “Estupradas, espancadas. E o mundo fica calado"
- “A guerra é sempre sobre o corpo das mulheres.” Entrevista com Marta Sanz
- Estupros e violência sexual usados como armas de guerra. Artigo de Lucetta Scaraffia
- Estupros de guerra
- ISIS e o nível moral do estado de guerra
- Estupros e violência sexual usados como armas de guerra. Artigo de Lucetta Scaraffia
- Estupros de guerra