Precisamos de uma mudança estrutural que vá além da gestão da violência de gênero

Mais Lidos

  • "A ideologia da vergonha e o clero do Brasil": uma conversa com William Castilho Pereira

    LER MAIS
  • O “non expedit” de Francisco: a prisão do “mito” e a vingança da história. Artigo de Thiago Gama

    LER MAIS
  • A luta por território, principal bandeira dos povos indígenas na COP30, é a estratégia mais eficaz para a mitigação da crise ambiental, afirma o entrevistado

    COP30. Dois projetos em disputa: o da floresta que sustenta ou do capital que devora. Entrevista especial com Milton Felipe Pinheiro

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

25 Novembro 2025

25N — Dia Internacional contra a Violência de Gênero

A violência de gênero está se tornando normalizada no debate público devido ao surgimento de discursos que negam a existência do sexismo, argumentando que "os homens também são abusados" ou deslegitimando as mulheres agredidas.

A opinião é de Nadia Perez Hidalgo, militante italiana, publicada por El Salto, 25-11-2025.

Eis o artigo.

A violência de gênero é um problema estrutural profundamente enraizado em nossa sociedade, que continua a ceifar vidas e a deixar cicatrizes invisíveis em milhares de mulheres. No entanto, o debate político e social em torno da violência de gênero permanece focado principalmente na gestão do problema, em vez de abordar suas causas profundas. Em vez de desafiar as estruturas que sustentam o sexismo, nos encontramos presos em um ciclo de soluções paliativas e medidas preventivas, sem enfrentar a causa principal da violência de gênero: um sistema que subordina as mulheres econômica, política e culturalmente, transformando-as em objetos de violência.

É impossível abordar a violência de gênero sem reconhecer a dura e devastadora realidade em que ela está inserida. Diariamente, as estatísticas nos bombardeiam com números alarmantes de mulheres assassinadas, relatos de violência de gênero e situações de abuso e exploração sexual. Mesmo assim, a resposta política, em muitos casos, é minimizar a gravidade da situação. Políticos de partidos como o PP ou o VOX continuam a questionar a magnitude do problema: minimizam os feminicídios, eliminam recursos de apoio para mulheres que sofrem violência de gênero, negam o sexismo e, em última instância, servem de instrumento para normalizá-lo.

Mas elas não são as únicas. A violência de gênero também está se normalizando no debate público devido à ascensão de discursos que negam a existência do sexismo, alegando que "homens também sofrem abusos" ou deslegitimando mulheres vítimas de violência. Esses discursos, com fortes conotações fascistas, vêm ganhando terreno nos últimos anos, principalmente por meio da mídia e das redes sociais. Essa distorção da realidade tem um efeito direto na sociedade, permitindo que o sexismo se normalize.

Simultaneamente, as instituições responsáveis ​​pelo combate à violência de gênero enfrentam um sistema estruturalmente deficiente, incapaz de fornecer respostas eficazes, apesar das reformas legislativas promovidas em matéria de gênero. Os recursos disponíveis para as vítimas são insuficientes e cada vez mais escassos em momentos de crise, enquanto persistem barreiras burocráticas e sociais: muitas mulheres têm suas palavras questionadas em delegacias, são tratadas com indiferença pela administração pública e enfrentam intermináveis ​​listas de espera para acessar qualquer serviço público.

Apesar disso, partidos de esquerda e certos setores do feminismo continuam a propor soluções dentro da estrutura capitalista. Embora o feminismo tenha alcançado uma presença hegemônica no discurso social durante o ciclo político anterior, também revelou as limitações de sua proposta política, especialmente ao institucionalizar a luta dentro das estruturas do Estado burguês. As políticas feministas impulsionadas pelo Estado têm se voltado principalmente para a classe média, negligenciando as necessidades das mulheres mais vulneráveis ​​e, em última análise, reforçando a estrutura estatal em vez de desafiá-la.

Esse processo de institucionalização da luta, aliado ao abandono de um arcabouço político revolucionário, levou certos setores do feminismo a enfrentarem hoje uma alarmante desorientação ideológica e política. Por um lado, a ascensão de posições reacionárias é interpretada como resultado dos avanços feministas, sem qualquer autocrítica das limitações demonstradas pela proposta feminista. De fato, esse mesmo vácuo revelado pela proposta social-democrata foi explorado pela direita, que ganhou terreno canalizando as frustrações populares. Por outro lado, essa interpretação levou a que confundissem seu inimigo, chegando ao ponto de rotular setores marxistas dentro da "reação" como "reacionários" por criticarem a proposta reformista do feminismo, negando, assim, sua própria linha revolucionária como uma possibilidade emancipadora para as mulheres trabalhadoras.

Em contraste, essa reação deriva de uma cultura, ideologia e visão política nascidas da destruição das condições de vida de certos setores privilegiados durante períodos de crise capitalista. Trata-se de uma resposta autoritária do capitalismo e de uma forma cultural que propõe um retorno ao nacionalismo, aos valores tradicionais e ao classismo mais selvagem. Essa mudança significa que a opressão e a violência contra as mulheres só podem piorar, tornando ainda mais urgente a necessidade de uma perspectiva verdadeiramente transformadora.

Quando falamos de violência de gênero, a visão política deve estar voltada para o desmantelamento dos alicerces que sustentam o sexismo. Nossas ações, portanto, devem ser estruturadas dentro dessa perspectiva a partir de hoje. Essa é a base para abordar outros debates dentro desse mesmo campo de maneira apropriada e transformadora.

Nesse sentido, uma das tarefas mais urgentes é construir organizações políticas fortes que atuem independentemente do sistema parlamentar e coloquem a luta das mulheres trabalhadoras em primeiro plano, tornando-as um sujeito político incontornável.

Isso implica, por um lado, responder com firmeza a cada caso de violência de gênero, para deixar claro para a sociedade como um todo que tais atos são completamente inaceitáveis. Por meio dessas respostas, devemos educar a classe trabalhadora em uma nova ética baseada no respeito e no bem-estar de todas as pessoas, na qual a violência de gênero não tem lugar. Da mesma forma, essa luta deve criar condições que incentivem cada vez mais mulheres a se unirem a essa causa.

Por outro lado, a luta contra a violência de gênero deve se concentrar nas estruturas que sustentam e perpetuam o sexismo na sociedade. Não se trata apenas de confrontar os atos de violência, mas também de atacar os alicerces que permitem que essas agressões continuem.

Dentre essas estruturas, destaca-se a indústria cultural, que não só normaliza, como também transforma a violência masculina em espetáculo; a persistente divisão sexual do trabalho, que continua relegando as mulheres a papéis de cuidadoras , criando uma forma de dependência econômica e social que nos mantém em uma posição de vulnerabilidade permanente; o modelo familiar burguês, que permanece um mecanismo que condena inúmeras mulheres ao isolamento no lar; assim como a prostituição e a indústria do sexo  que continuam nos reduzindo a objetos sexuais e fontes de prazer, reforçando a ideia de que somos cidadãs de segunda classe. Desmantelar essas estruturas é uma tarefa fundamental se realmente quisermos erradicar a violência masculina e transformar a sociedade em uma sociedade genuinamente igualitária.

Portanto, o debate deve se concentrar na criação de um novo poder, que não se baseie na rentabilidade econômica e que não tenha como necessidade estrutural a opressão de certos setores da classe trabalhadora, mas sim no bem-estar coletivo e na igualdade real de todos os indivíduos.

Diante da ascensão do fascismo e da normalização do sexismo, nunca foi tão urgente levar essa luta a sério e abordá-la a partir de uma perspectiva verdadeiramente transformadora. O avanço de ideologias que negam ou minimizam a violência de gênero deve ser interrompido com uma resposta política forte e radical que desafie as estruturas que permitem a persistência do sexismo. Não podemos permitir nem um passo para trás.

Inscreva-se no ciclo de estudos aqui

Leia mais