25 Novembro 2025
As mudanças no clima já fazem parte do cotidiano de muitas crianças brasileiras e elas estão dizendo isso em voz alta. Em Manaus, Iará Sateré Mawé, de 10 anos, viu a vida ser atravessada pelo calor extremo, pela fumaça e pela seca que tomou conta da região em 2024. “A gente foi três meses com a seca e com a fumaça. […] A gente só teve três aulas na semana por causa dessa fumaça”, lembra. A região da Iará, lá em Manaus, foi uma das mais afetadas pelas queimadas que aconteceram em 2024.
A reportagem é de Letycia Holanda, publicada por Brasil de Fato, 24-11-2025.
A experiência dela não é isolada. O Enzo, também da Amazônia, conta que desde “2024 esquentou muito […] Hoje, eu nem durmo no meu quarto, eu durmo aqui de fora”. O que essas crianças vivem já é consequência de um planeta que mudou e que segue mudando rápido demais.
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada pela primeira vez em um estado amazônico, chegou a Belém com chefes de Estado, cientistas e negociadores do mundo todo. Mas quem também está pautando o debate são justamente aqueles que mais sentirão os impactos da emergência climática nas próximas décadas: as crianças. Por isso, o novo episódio do Radinho BDF, apresentado pela jornalista Camila Salmazio, acompanha a participação das infâncias na conferência e mostra por que é tão importante que elas estejam nos espaços onde as decisões sobre o planeta são tomadas.
Para JP Amaral, do Instituto Alana, esse movimento é urgente. “A COP serve para representantes dos países se encontrarem e pensarem sobre o futuro do planeta […] E nos últimos anos as crianças estão ganhando espaço nesses encontros”, explica.
Uma dessas vozes é a de Luna Manchinere, indígena de nove anos, que vive em Brasília e planta feijão no quintal. Ela foi uma das selecionadas para discursar. “Os adultos estão fazendo a parte deles. Mas também sem a gente os adultos também não conseguiram fazer essas decisões importantes”, afirma. Para Luna, o recado é direto: as crianças precisam estar no centro das decisões, porque herdarão o que os adultos negociarem agora. “A resposta somos nós”, diz, lembrando o manifesto que apresentaram no Acampamento Terra Livre.
Direto da Colômbia, Francisco Vera Manzanares, de 16 anos, reforça essa urgência. Ele participa das COPs desde os nove anos e criou o movimento Guardiões pela Vida. “Basicamente, as crianças são as mais afetadas pela crise climática […] O que nós pedimos aos nossos governos é a inclusão”, afirma. Para ele, garantir que as crianças e jovens estejam presente é “basicamente é a maneira que nossas vozes tenham um lugar na mesa de negociação e diálogo”, como uma forma concreta de proteger direitos fundamentais, como saúde, educação e território, ameaçados pela crise climática.
Belém também viu as juventudes ocuparem os espaços da conferência e não só os oficiais. A repórter Carolina Bataier, enviada especial ao COP30, acompanhou rodas de conversa na Zona Azul, onde estava Tássia Kambeba, adolescente indígena de 15 anos, que celebrou a maior presença de crianças nesta edição. “Embora ainda não seja como ela gostaria, ela avaliou como satisfatória a representação deste ano”, relata Carolina.
Já na Cúpula dos Povos, a presença infantil era ainda mais marcante, com atividades culturais, debates e a Cúpula das Infâncias, onde jovens de 7 a 17 anos escreveram uma carta cobrando fim do desmatamento, mais reflorestamento e justiça climática.
Nem toda criança, porém, pôde acessar os espaços de decisão, embora viva diretamente os impactos da conferência na cidade. Simon, de 10 anos, mora na comunidade Vila da Barca, periferia de Belém, e viu sua rotina mudar com as obras. “As ruas estão esburacadas e tem gente escorregando com as bicicleta”, conta. Ele lembra que até o campinho onde jogava bola virou depósito de material. E denuncia o absurdo do saneamento: o esgoto dos bairros ricos passará pela sua comunidade. “Eu ia falar o certo, o justo. E não é justo eles pensarem no povo rico acima do pessoal da periferia”, afirma.
A participação das crianças na COP, seja nos palcos oficiais, seja denunciando o cotidiano das periferias e das aldeias, revela uma potência que costuma ser ignorada. Para Iará, que ajudou a escrever o manifesto lido no acampamento indígena, ser ouvida mostrou o caminho. “Os adultos estavam lendo enquanto a gente estava lendo também. A gente conseguiu falar o que a gente tem no nosso ponto inicial”, conta. Quando são incluídas, elas transformam a política climática em algo vivo, concreto e profundamente humano.
E, mesmo tão novas, elas têm clareza do tamanho da luta. “Causa angústia, porque se só eu proteger, eu não consigo proteger a terra sozinha”, diz Luna. Mas é justamente na força coletiva, entre crianças, mães, anciãs, povos indígenas e ativistas, que surge a esperança. Como sintetiza Iará, numa das falas mais bonitas desta COP: “A natureza, ela é conectada com a gente. Se a gente cuidar hoje em dia de tudo isso, no futuro a gente vai ter ainda nossa mãe, nossos avós, nossos anciões e os nossos ancestrais”.
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