04 Novembro 2025
Militante histórica, Clara Charf resistiu à ditadura militar e passou as últimas décadas de sua vida na atuação política
A reportagem é de Marcela Reis, publicada por Brasil de Fato, 03-11-2025.
Na noite desta segunda-feira (3), dezenas de pessoas se reuniram no velório de Clara Charf, uma das principais militantes da esquerda brasileira, que faleceu aos 100 anos. A despedida de amigos e familiares aconteceu no Velório do Cemitério São Paulo, na capital paulista. Em seguida, o corpo saiu em direção ao Crematório da Vila Alpina.
Viúva do guerrilheiro Carlos Marighella, ela dedicou a vida em defesa da democracia e do feminismo popular. Junto ao Partido Comunista Brasileiro e, posteriormente, à Ação Libertadora Nacional (ALN), Clara enfrentou a ditadura militar no Brasil, foi perseguida e presa.
Após o assassinato do companheiro, em 1969, a ativista foi submetida ao exílio forçado em Cuba e, após o retorno, atuou em diferentes frentes políticas e participou do Partido dos Trabalhadores (PT) num momento crucial da redemocratização.
“Conviver com a Clara é conviver com a história do Brasil. Eu tenho sorte, tenho muita sorte. Convivi com uma pessoa que fez e que faz parte da história do Brasil”, afirmou Adriano Diogo, ex-militante da ALN e ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo.
Diogo atuou na ALN ao lado de Clara, a quem descreve como “uma das figuras mais emblemáticas e mais importantes” que conheceu na vida. “Pelo caráter, pelo carisma, pelo compromisso. Ela nunca te recebia sem um sorriso e só pensava grande”, resume emocionado.
O ex-deputado relembrou quando Clara foi candidata a deputada estadual em 1982, pelo PT, e recebeu 20 mil votos, mas não se elegeu. Mesmo sem a vitória, nas décadas seguintes ela se manteve ativa em campanhas, manifestações e encontros políticos, sendo reconhecida como uma das figuras mais importantes da esquerda brasileira.
Para José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Clara é “um exemplo de revolucionária, uma mulher que, desde jovem, optou pela luta, pelo socialismo, pela democracia”.
Ela “sempre foi, para a militância do PT, para a esquerda brasileira, para o movimento sindical, para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um exemplo para todos nós por sua determinação, coragem e coerência política”, afirmou. O ex-deputado concluiu dizendo que, apesar de ser de uma época em que as mulheres não tinham direitos, Clara “era a frente de seu tempo, era uma mulher já do século 21”.
Em uma fala emocionada, Paulo Cannabrava Filho, jornalista e ex-guerrilheiro, destacou que Clara teve um século dedicado à luta pela democracia. “Ela e Marighella… se juntaram duas forças, dois lutadores, e se apoiaram. Não é fácil viver na clandestinidade, mas ela enfrentou.”
O ex-militante da ALN também comentou sobre o movimento Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, nascido na Suíça. Em 2005, Clara passou a coordenar no Brasil o projeto, que visava promover a indicação coletiva de mil mulheres para o Prêmio Nobel da Paz daquele ano. “Ela nunca deixou de estar em atividade e aglutinando gente”, concluiu.
Símbolo de coragem e determinação
“A Clara é um símbolo de mulher corajosa, idealista, determinada. Eu aprendi muito com ela. Nunca vamos esquecer dela e vamos sempre ter a Clara como referência, sua lembrança vai ficar mais viva por tudo o que ela representa: muita fidelidade”, declarou a deputada federal e ex-prefeita de São Paulo (SP), Luiza Erundina (Psol-SP).
Filha judeus, Clara nasceu em Maceió (AL), após seus pais deixarem a Europa em busca de refúgio. O jornalista Breno Altman, fundador de Opera Mundi, contou que conheceu a militante quando ainda era menino, já que ambas as famílias eram amigas, por dividirem duas fortes características: judaísmo e comunismo.
“Uma das figuras mais simbólicas da resistência à ditadura militar”: é assim que o jornalista descreveu Clara. “Era militante, revolucionária antes da ditadura e também era a última sobrevivente da geração dos anos 1930”, afirmou. “Ela foi um símbolo que atravessou boa parte do século 20 e chegou ao século 21. Ela é uma das grandes mulheres da história brasileira e assim será lembrada.”
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