31 Outubro 2025
"Pode um ser humano viver sem respirar? Nosso mundo, ao longo dos anos, adornou a casa de todas as maneiras. Mas também a desocupou. E agora, a condição em que nos encontramos a viver é muito pior do que quando era habitada por um único demônio", escreve Luca Casarini, em artigo publicado por l'Unità, de 29-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Luca Casarini é líder histórico dos Centros Sociais, dos No Globals italianos e dos Desobedientes do G8, em Gênova, hoje na vanguarda da ajuda aos migrantes com a ONG Mediterranea Saving Humans.
Eis o artigo.
O Papa Leão XIV, em seu discurso aos movimentos populares, recorda a atualidade da encíclica Rerum Novarum, proferida por seu homônimo em 1891. Mas, com todos os avanços que o mundo deu nestes 134 anos, como se pode pensar que uma encíclica escrita em 1891 como a "Rerum Novarum" possa ter alguma atualidade hoje? Leão XIV explica isso muito bem.
Primeiro, aborda o "método": as "coisas novas", vistas da perspectiva dos centros de comando e poder, não podem ser realmente compreendidas. Para avaliar seu impacto social, é necessário não apenas se munir de pontos de observação diferentes, como aquele de quem observa o mundo e sua evolução a partir das periferias, com seus claro-escuros existenciais, e até mesmo, como explica o Papa Leão, para reiterar que essa visão, a dos pobres e não a dos ricos, "está no centro do Evangelho", mas também para escolher um "foco" que possa informar sobre si mesmo qualquer ponto de observação, seja qual for.
Pode-se também olhar de cima, da perspectiva dos governantes. Da perspectiva daqueles que exercem o poder e tomam decisões por todos. Com uma condição: que o "foco" seja o ser humano, em sua condição completa e coletiva, integral e planetária. Essa abordagem "agostiniana" é interessante porque reflete sobre a necessidade de ser partidário sem que isso signifique se tornar "uma parte".
A chave para abordar a complexidade da história humana não é dividir o mundo em "bons e maus", mas tomar a humanidade como bússola, para pode olhar de todos os pontos de vista, para não sacrificar aquele dos mais vulneráveis e para não ter medo de enfrentar aquele dos mais fortes e poderosos. Para uma Igreja, diz Leão, "que assume riscos". Assumir "o olhar dos pobres", portanto, não significa simplesmente sentir compaixão por eles, reduzidos a vítimas eternas de todo desenvolvimento. Francisco sempre me repetia: a única vez que é permitido olhar de cima para baixo alguém é para ajudá-lo a se levantar. Os pobres, os explorados, os excluídos, continua Leão, "devem ser colocados no centro do empenho coletivo e solidário, visando reverter a tendência desumanizadora das injustiças sociais e promover um desenvolvimento humano integral". Mas isso deve ser feito cultivando o caráter universal da mensagem de libertação, sendo partidário sem simplesmente se tornar "uma parte" já definida, já decidida, já confinada, já reduzida a objeto de caridade útil para acalmar nossas consciências. Ou para alimentar nossas ideologias. Não.
O ponto de vista dos pobres é necessário para mudar o mundo, o mundo inteiro, e para todos que vivem no mundo. O "materialismo do Evangelho" proposto no discurso de Leão emerge em toda a sua força com a citação da exortação apostólica de Francisco, Evangelii Gaudium: "Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais."
Mas a visão "estratégica" na qual se situa "o escândalo" do materialismo do Evangelho não se restringe ao "conflito de classes", como sugere o outro materialismo, mas surge, ou melhor, mergulha na tensão irredutível entre humano e desumano. O terreno do conflito e, ao mesmo tempo, da possível solução, encontra-se nessa fronteira. Um "materialismo humanista" que apreende as peculiaridades dessas "velhas injustiças" que retornam hoje em um novo mundo e um novo tempo. Leão, no constante entrelaçamento entre análise material e apelo teológico, utiliza a parábola do "espírito imundo" para nos ajudar a compreender o que o retorno das desigualdades sociais do passado realmente representa em um presente que caminha a passos largos para o pós-humano.
A parábola é do Evangelho de Mateus (Mt 12,43-45) e descreve um demônio que, expulso por um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso, mas não o encontra. Então, aquele homem retorna à sua antiga casa. Ao chegar, encontra a casa "desocupada, varrida e adornada". Então vai e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele, e entrando passam a habitar ali. E o estado final do homem torna-se enormemente pior do que o inicial. A "casa", liberta do espírito imundo, estava em ordem, limpa, adornada e confortável. Mas "desocupada". O que significa "desocupada"? Para os crentes, significa "sem Deus". Mas para todos, significa sem ética, sem qualquer princípio ou valor que possa guiar o caminho. Chamaríamos isso de existência "sem alma", como faziam os filósofos gregos, e, portanto, "sem respiro".
Pode um ser humano viver sem respirar? Nosso mundo, ao longo dos anos, adornou a casa de todas as maneiras. Mas também a desocupou. E agora, a condição em que nos encontramos a viver é muito pior do que quando era habitada por um único demônio. As velhas injustiças, diz-nos Leão, retornam do passado como o demônio, mas seus efeitos serão muito piores hoje do que foram há cem anos.
Ao ler essa parte do discurso, revejo os horrores aos quais teremos que nos acostumar: holocaustos nucleares, genocídios, antissemitismo, sofrimento de todos os tipos infligido a inocentes, trabalho servil, autoritarismo, suprematismo, racismo elevado a alta política. O demônio retornou, ele sempre retorna depois de ser expulso, mas se não pensarmos em preencher a casa, nós mesmos, com humanidade, justiça e fraternidade, então ele retornará com outros demônios. Piores do que antes.
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