01 Novembro 2025
"Pensar e viver teologicamente é pensar e viver junto com a Criação e as suas criaturas. Que essas palavras reveladoras possam nos acompanhar em nossa vida cotidiana, para que as escolhas e decisões que tomamos sejam guiadas por essa visão, que nos precede e nos aguarda", escreve Cristina Arcidiacono, teóloga batista, pastora em Milão, Itália, e membro do Conselho do IBTS Amsterdam, em artigo publicado por Riforma, 29-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
“Porto di mare” é uma área de Milão, assim chamada porque no início do século XX havia sido estudada e escolhida para ser um porto em Milão. De acordo com um projeto de 1917, a área deveria abrigar o porto fluvial de uma rede que ligaria Milão a Cremona e depois ao Adriático, mas a obra nunca foi concluída.
A área de “Porto di mare” tornou-se posteriormente o aterro de Milão, armazenando milhões e milhões de resíduos. Em determinado momento, a Prefeitura decidiu fechar o aterro, cobrindo-o de entulho misturado com um pouco de terra. A Natureza seguiu seu curso e, ao longo dos anos, a vegetação cresceu, dando origem ao chamado bosque de Rogoredo, famoso por ser um dos maiores centros de tráfico de drogas da Itália.
Essa foi a história contada por Gianluca, engenheiro agrônomo da Italia Nostra, que desde 2017 administra a área de Porto di Mare em colaboração com a ATS (Agência de Proteção Sanitária) e a Prefeitura de Milão, durante a caminhada ecumênica do Tempo da Criação, realizada no fim de setembro.
Também na mesma área está o centro Nocetum, administrado por um grupo de freiras da Ordo virginum, que participa do Conselho das Igrejas Cristãs: uma antiga casa de fazenda abandonada, hoje ponto de referência para pessoas vulneráveis, mulheres e pessoas com deficiência, um centro onde a educação para a paz, a atenção à criação e a ação pela justiça buscam ser princípio norteador.
Do lado oposto da cidade, dentro de uma escola de ensino fundamental que leva o nome de Riccardo Massa, filósofo e pedagogo da educação falecido em 2000, uma bandeira da paz ocupa dois andares, pendurada no vão das escadas. Cada cor foi costurada à mão por alunos e alunas do último ano e depois reforçada à máquina por uma professora. Essa tecelagem comunitária foi levada à Marcha Perugia-Assis há algumas semanas, da qual participaram muitos alunos e alunas da escola, juntamente com dezenas de milhares de jovens de toda a Itália. As professoras que acompanharam os e as estudantes escreveram aos seus pais, que sentiam sobre si a responsabilidade de falar de paz e praticar a paz, de acender uma luz na escuridão junto com as garotas e os garotos.
Essas pinceladas, do mês passado, falam das tentativas de existir no mundo sem ceder à resignação ou à indiferença, mas pensando em si mesmos como criaturas, juntamente com outras criaturas. No livro do Apocalipse, o último da Bíblia, há uma visão de novos céus e nova terra, como nova criação que Deus deseja para todas as criaturas. O Apocalipse é um livro de resistência, é revelação de Jesus Cristo, escrito em um tempo de crise, um tempo em que o Império Romano também é império das consciências, o imperador é deus e quer ser adorado como Deus, detentor da vida ou da morte. A vontade de Deus não é opressão, dominação, exclusão. Não é roubo, guerra, violência. Não é exploração de recursos, acumulação de riquezas, não é desertificação. A cidade de Deus é uma cidade para todos e para todas; não há especulação imobiliária, não há bolsões de pobreza. As portas estão sempre abertas. O Apocalipse imagina a cidade de Deus, uma visão ideal da época em que foi escrito, como um mundo em que o céu se torna terra, a terra é uma cidade para todos e todas, com uma árvore no centro, e a nova cidade é aberta, centro de cidadania e bem-estar para todos e todas. Tudo isso é visão de futuro, mas já está aqui em Cristo. Pensar e viver teologicamente é pensar e viver junto com a Criação e as suas criaturas. Que essas palavras reveladoras possam nos acompanhar em nossa vida cotidiana, para que as escolhas e decisões que tomamos sejam guiadas por essa visão, que nos precede e nos aguarda.
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