Dom William Wack confronta Trump: "Devemos resistir à narrativa perigosa de que todo migrante é uma ameaça"

Foto: Emily J. Higgins/Casa Branca

Mais Lidos

  • Eles se esqueceram de Jesus: o clericalismo como veneno moral

    LER MAIS
  • Estereótipos como conservador ou progressista “ocultam a heterogeneidade das trajetórias, marcadas por classe, raça, gênero, religião e território” das juventudes, afirma a psicóloga

    Jovens ativistas das direitas radicais apostam no antagonismo e se compreendem como contracultura. Entrevista especial com Beatriz Besen

    LER MAIS
  • De uma Igreja-mestra patriarcal para uma Igreja-aprendiz feminista. Artigo de Gabriel Vilardi

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

21 Outubro 2025

"Devemos advogar por uma reforma para que se respeite tanto a justiça quanto a misericórdia, e as famílias não sejam tragicamente separadas".

O artigo é de William Wack, C.S.C., bispo de Pensacola-Tallahassee, publicada por Religión Digital, 18-10-2025.

Queridos irmãos e irmãs em Cristo:

Ao celebrarmos o Mês do Respeito à Vida em nossa Igreja, escrevo como seu pastor, em comunhão com meus irmãos bispos da Flórida e de todo o país. Nosso Batismo nos une a Jesus Cristo e, iluminados pelo Seu Evangelho, somos chamados a ser Seu Corpo no mundo, com a missão de construir uma civilização do amor e uma cultura da vida.

A Igreja nos chama a renovar nosso compromisso com a dignidade inerente de toda pessoa humana, através da oração, da educação, do acompanhamento pastoral e da defesa dos mais vulneráveis. Nas últimas décadas, nosso foco principal tem sido opor-nos ao aborto e apoiar mães e famílias. Este esforço continuará, especialmente a nível local e estadual. 

Este ano, refleti com o coração angustiado sobre quem mais precisa receber uma mensagem de esperança, e creio que são nossos irmãos e irmãs migrantes, muitos dos quais estão sofrendo sob o peso de um sistema imigratório falho. Nos últimos meses, o tema da migração tem dominado as manchetes na televisão, nos jornais e nas redes sociais.

É certo que as autoridades têm a responsabilidade de deter aqueles que cometem delitos e crimes, mas devemos resistir à narrativa perigosa de que todo migrante é uma ameaça; alguém que podemos ridicularizar, punir e deportar. Ao mesmo tempo, devemos advogar por uma reforma, da lei migratória, do devido processo e das práticas de aplicação de leis — para que se respeite tanto a justiça quanto a misericórdia, e as famílias não sejam tragicamente separadas.

Como povo e comunidade pró-vida, podemos apoiar a separação de famílias com status migratório misto? Podemos, em sã consciência, apoiar políticas que deportam um pai trabalhador — sabendo o impacto devastador que terá em sua família — sem também reconhecer sua contribuição para as nossas comunidades? Podemos aceitar que cada vez mais crianças são empurradas para o sistema de acolhimento temporário porque ambos os pais foram deportados? Podemos continuar ignorando o lamento de mães e pais, irmãs e irmãos — membros das nossas próprias paróquias — com quem compartilhamos a Eucaristia a cada domingo?

Peço a todos os católicos da Diocese de Pensacola-Tallahassee que deixemos de lado os discursos partidários e reflitamos, sim, como discípulos de Jesus Cristo. O Evangelho e a rica tradição da doutrina social da Igreja são claros: somos chamados a cuidar do nosso próximo, a dar refúgio ao forasteiro e a acolher o estrangeiro; pois todos fomos criados com amor à imagem e semelhança de Deus. O Papa Francisco nos recordou que: "Os migrantes e refugiados não são peões no tabuleiro de xadrez da humanidade. São crianças, mulheres e homens que partilham um desejo legítimo de ter mais”.

Somos todos irmãos e irmãs, uma só família sob Deus, e nossa fé nos exige ir além do medo e da indiferença para encontrar os marginalizados com compaixão e misericórdia. Devemos deixar-nos guiar pelo mandato de Deus expresso através de Moisés: "Não oprimirás, nem maltratarás o estrangeiro, porque vocês foram estrangeiros no Egito” (Êxodo 22, 20), e aprender de novo, como comunidade católica, a acolher Cristo no forasteiro.

Nosso esforço para proteger nossas fronteiras, deve distinguir cuidadosamente entre aqueles que têm intenções de causar dano e aqueles que vêm em busca de esperança. Alguns argumentarão que devemos focar em servir aos nossos concidadãos, e assim o continuaremos fazendo, mas nossa fé sempre nos chamou a prestar especial atenção aos pobres e vulneráveis. O Papa Francisco também propôs que a verdadeira ordo amoris (ordem do amor) em uma sociedade deve ser modelada segundo a parábola do Bom Samaritano, onde o amor constrói “uma fraternidade aberta a todos, sem exceção.”

A misericórdia amplia nosso círculo de compaixão e inclui aqueles próximos que foram colocados em nosso caminho pelos “golpes e flechas da adversa fortuna”. Vi nossa diocese unir-se em tempos de grande necessidade —por exemplo, após a passagem de um furacão devastador— para aliviar o sofrimento dos afetados. Sabemos como deixar de lado nossas próprias necessidades para ajudar aqueles que têm uma necessidade maior. Equilibrar a justiça com a misericórdia sempre foi difícil —mas Jesus, que igualou a perfeição com a misericórdia (cf. Lc 6,36), nos guia com Seu exemplo.

Como nos recorda o Catecismo da Igreja Católica (n.º 2241): “As nações mais prósperas são obrigadas, na medida do possível, a acolher o estrangeiro em busca da segurança e dos meios de subsistência que não pode encontrar em seu país de origem”.

Quero expressar minha plena solidariedade com aqueles que chegaram a este país em busca de segurança e de uma vida melhor. Neste mesmo espírito, exorto a vocês, Povo de Deus, a colocar ao serviço desta causa todos os seus dons e influência, para que juntos possamos alcançar a mudança tão necessária em nosso contexto atual. Convido-os a aprender mais sobre a doutrina social da Igreja, sua defesa constante de uma reforma migratória humana, a história da migração em nossa nação e o que vocês podem fazer para acolher e acompanhar nossos irmãos e irmãs.

Por favor, visitem justiceforimmigrants.org para aceder a recursos sobre como orar, oferecer atenção pastoral e participar em trabalhos de incidência. O centro de detenção de migrantes nos Everglades — tragicamente apelidado de “Alligator Alcatraz”— recebeu muitos de nossos irmãos e irmãs, alguns inclusive de nossa própria diocese, que foram arrancados de seus locais de trabalho e de suas famílias repentinamente e sem aviso prévio. Fala-se em abrir mais instalações como esta na Flórida, possivelmente uma em Panama City em um futuro próximo. Estejamos atentos às necessidades daqueles que são levados para lá, lembrando-lhes que são amados por Deus e que não estão sozinhos. E que nós, como católicos, defendamos sua dignidade, os acompanhemos em seu sofrimento e trabalhemos por um tratamento justo.

O primeiro bispo de nossa diocese, Bispo René Gracida, falou sobre a migração em março de 1977, e também ele se manifestou contra a separação injusta de famílias mediante deportações, e da vilificação generalizada dos migrantes que simplesmente buscam uma vida melhor. Temos muito trabalho pela frente para mudar o coração dos nossos líderes eleitos e assim impulsionar uma verdadeira reforma migratória. Nossa nação tem sido, por muito tempo, um farol para aqueles que fogem da violência, da perseguição e da pobreza extrema. Como pessoas de fé, escolhamos a esperança e a vida, não só para nós e nossos entes queridos, mas também para cada filho e filha de Deus.

Que Deus abençoe vocês e suas famílias com abundância.

Leia mais