15 Outubro 2025
No contexto de preparação e mobilização para a COP 30, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulga seu documento político para a reunião que ocorrerá em Belém (PA) no mês de novembro. Com sua 30ª edição sediada no Brasil, a Conferência das Partes (COP) é vinculada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) e reunirá lideranças dos países que a integram para discutir e definir medidas de combate às mudanças climáticas.
A informação é publicada por Cimi, 14-10-2025.
Povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil de diversos países também participarão do evento, buscando incidir sobre um debate complexo que tem sido marcado pela leniência dos Estados, em especial dos países centrais do capitalismo, e por tímidos acordos de cúpula.
No documento, intitulado “A terra não está à venda”, o Cimi avalia os limites no processo de negociação entre os países ocorrido até o presente, apontando para a necessidade de uma ruptura sistêmica que seja capaz de enfrentar as causas estruturais da crise climática.
“O colapso ambiental tem raiz histórica e tem causa principal. Ele é resultado da lógica predatória do modelo econômico capitalista, cujas condições de existência emergiram a partir do processo de invasão colonial do que hoje conhecemos como América”, avalia o Cimi.
O documento também aponta um conjunto de medidas que o Cimi considera necessárias para garantir um combate efetivo às mudanças climáticas, a começar pela demarcação e proteção de terras e territórios indígenas, quilombolas e dos demais povos e comunidades tradicionais.
“Precisamos de decisões urgentes, ousadas e enérgicas que promovam uma mudança radical de rumo. Não existem duas crises, uma social e outra ambiental, mas uma única crise socioambiental, como afirmou o Papa Francisco. Uma crise civilizacional que exige de todos, e particularmente dos Estados e das grandes corporações, as medidas necessárias e a ruptura sistêmica imprescindível”, afirma o documento.
“Este é um chamado à peregrina rebeldia e à insurgência da Esperança. Um apelo a todos e todas que se recusam a aceitar um futuro de cinzas. É hora de construir nas ruas, nas praças, nas aldeias e nos territórios a força popular capaz de fazer acontecer uma agenda real de ruptura e transformação”, convoca o Cimi.
Eis o documento.
A terra não está à venda
Por rupturas sistêmicas diante do colapso climático e em defesa da Terra e dos Povos
O Brasil vai sediar em novembro, na cidade de Belém (PA), a COP 30. Este processo de negociação entre países, iniciado em 1995 pela Conferência das Partes (COP), no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), não conseguiu até o momento assegurar compromissos e soluções eficazes para combater as mudanças climáticas. O motivo principal está nas resistências dos Estados e dos poderes econômicos globais em enfrentar as causas estruturais do colapso ambiental que ameaça a vida no planeta.
O colapso ambiental tem raiz histórica e tem causa principal. Ele é resultado da lógica predatória do modelo econômico capitalista, cujas condições de existência emergiram a partir do processo de invasão colonial do que hoje conhecemos como América. O projeto mercantilista imposto pelos colonizadores e suas matrizes nasceu sob o signo da violência, da expropriação territorial, da destruição da natureza, da mão de obra escrava e do genocídio de povos. Com sua falsa perspectiva de crescimento ilimitado em um planeta finito, está provocando a exaustão de todas as fontes da vida. Esse é o marco que precisa ser enfrentado por toda a humanidade e, principalmente, pelos Estados, através de decisões políticas, éticas e econômicas firmes e que passam pela necessidade urgente de rupturas sistêmicas.
Está suficientemente demonstrado que as mudanças profundas nas condições do clima têm uma relação direta com a forma do uso do solo e do subsolo. A expansão do agronegócio e da economia de extração de hidrocarbonetos, gás e minérios, com toda a malha de projetos de infraestrutura energética e de transportes a eles associada, transformou os modos de ocupação e de apropriação da terra, em continuidade ao processo colonial, enquanto os territórios dos povos indígenas e de comunidades tradicionais foram, e continuam sendo, sistematicamente assediados e esbulhados.
Atualmente, em uma nova fase de expansão do Capitalismo, novos mercados de ações tingidos de verde trazem falsas soluções a partir da financeirização da natureza e da vida como um todo. “A estratégia de compra-venda de ‘créditos de emissão’ pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de alguns países e setores”, já nos alertava o Papa Francisco, uma década atrás, na encíclica Laudato Si’ (LS, 171).
Da mesma forma, o que os Estados e as grandes corporações apresentam como “transição energética” não é mais do que uma nova forma de transação de energia do Sul Global para os centros de poder econômico e uma substituição da dependência do petróleo por uma nova fase de exploração mineral intensiva, afetando novamente os territórios dos povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais.
O Brasil chega à COP 30 no momento de maior retrocesso na política indigenista e na política ambiental desde a Constituição de 1988. A demarcação dos territórios indígenas, política fundamental para o enfrentamento do colapso ambiental, permanece estagnada pela vigência da Lei 14.701, flagrantemente inconstitucional, que inviabiliza as demarcações e abre os territórios à exploração econômica de terceiros. Ao mesmo tempo, o avanço no Congresso do PL 2159/2021, o chamado “PL da Devastação”, desmantela a política de proteção ambiental. A COP 30 se instala, justamente, neste contexto de profunda e inaudita desconfiguração dos direitos territoriais dos povos indígenas, conquistados na Constituição Federal de 1988 e balizados em instrumentos internacionais de direitos humanos.
A escolha de Belém do Pará, no coração da Amazônia brasileira, para sediar a COP 30 em 2025 carrega um profundo paradoxo que não pode ser invisibilizado. A Amazônia real dos territórios continua a sangrar sob a pressão da grilagem, do garimpo, do desmatamento e dos grandes projetos de infraestrutura que seguem validando a mesma lógica desenvolvimentista de sempre. É sobre esta região que as frentes econômicas do agronegócio, a mineração e a exploração de petróleo continuam avançando, rasgando os territórios com estradas de ferro e de asfalto para o escoamento das commodities que o mercado internacional almeja. Os grandes rios da bacia amazônica estão hoje comprometidos com projetos de hidrelétricas, hidrovias e pela contaminação do mercúrio. E as falsas soluções do mercado de carbono e a financeirização da Natureza se configuram como a nova forma da apropriação dos territórios pelo capital.
A COP 30 não pode ser mais um momento perdido. Precisamos de decisões urgentes, ousadas e enérgicas que promovam uma mudança radical de rumo. Não existem duas crises, uma social e outra ambiental, mas uma única crise socioambiental, como afirmou o Papa Francisco. Uma crise civilizacional que exige de todos, e particularmente dos Estados e das grandes corporações, as medidas necessárias e a ruptura sistêmica imprescindível.
É fundamental uma ampla mobilização crítica da sociedade civil, das organizações sociais e dos movimentos populares, do mundo acadêmico e das Igrejas que permita uma participação efetiva na tomada de decisões. É imprescindível que o Estado brasileiro e todos os Estados participantes apresentem compromissos concretos em suas Contribuições Determinadas em nível Nacional (NDCs). Diante desta encruzilhada histórica, o Cimi se une aos povos e a toda a sociedade comprometida com a justiça para defender ações firmes e estruturantes. Essa transformação exige rupturas profundas, como:
- A demarcação integral de todos os Territórios Indígenas, Quilombolas e Tradicionais.
- Uma transição energética que seja verdadeiramente justa, construída desde os povos, dos povos e para os povos.
- A criação de mecanismos transparentes para a restituição financeira das dívidas históricas ligadas à exploração de pessoas e territórios.
- A implementação de políticas públicas robustas para a proteção ambiental e a regularização e distribuição agrária.
- A garantia da primazia dos direitos humanos e da natureza sobre os interesses corporativos.
- A reparação histórica integral pela violência colonial, incluindo a anulação das dívidas externas ilegítimas destes povos e a transferência dessa responsabilidade ao Norte Global, como parte de suas dívidas ecológicas.
- O engajamento do Estado brasileiro no reconhecimento do Ecocídio como crime junto aos Tribunais Internacionais, para que os destruidores do planeta sejam responsabilizados.
- Reafirmamos a soberania alimentar e a agroecologia como o único caminho possível para um futuro com comida de verdade, justiça no campo e respeito aos ciclos da natureza.
Este é um chamado à peregrina rebeldia e à insurgência da Esperança. Um apelo a todos e todas que se recusam a aceitar um futuro de cinzas. É hora de construir nas ruas, nas praças, nas aldeias e nos territórios a força popular capaz de fazer acontecer uma agenda real de ruptura e transformação. A resposta não virá dos palácios nem dos acordos corporativos. Ela está sendo semeada historicamente na resistência dos povos que defendem seus territórios com o próprio corpo e na sabedoria ancestral que nos ensina a coexistir com a Terra.
A Terra é Mãe. A ela pertencemos, e não está à venda!
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
13 de outubro de 2025
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