PEC da Blindagem foi ‘gota d’água’ e protestos furaram a bolha, avaliam especialistas

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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24 Setembro 2025

Adesão para além da esquerda surpreendeu centrão e extrema-direita.

A reportagem é de Felipe Prestes, publicada por Sul21, 23-09-2025.

As manifestações deste domingo (21) nas capitais brasileiras e em diversas cidades do interior impactaram o centrão e a extrema-direita. Deputados e senadores de vários partidos já sinalizaram que a PEC da Blindagem deverá ser “enterrada”, como garante o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Otto Alencar (PSD-BA). Parlamentares chegaram a gravar vídeos pedindo desculpas à sua base eleitoral, casos de Pedro Campos (PSB-PE), irmão do prefeito do Recife, João Campos; de Silvye Alves (União-GO) e de Thiago de Joaldo (PP-SE).

Para o cientista político Rudá Ricci, o que assustou a classe política não foi o número de pessoas, mas, sim, sua heterogeneidade. “Furou a bolha, não era um grupo homogêneo. Isso desorientou um pouco a extrema-direita e o centrão. Eles não tinham ideia de que era possível”, afirma.

O jornalista Bob Fernandes considera que a PEC da Blindagem atraiu mais pessoas às ruas do que a anistia aos golpistas e define a proposta como um harakiri. “É uma coisa que ultrapassa todos os limites. Mesmo as pessoas que estão no meio do caminho percebem que é impossível você apoiar alguém que diz que não pode ser investigado nem sobre seu passado nem sobre o presente, nem sobre o futuro. Isso é um delírio total. Por isso que eu digo que foi um harakiri, uma espécie de suicídio”.

Fernandes avalia que a PEC da Blindagem foi a gota d’água em uma sequência de escândalos envolvendo a extrema-direita, que foram engrossando o caldo até os protestos de domingo. “Tem um momento que as coisas se tornam inaceitáveis. Isso não é mensurável. Quando você vê, já virou o vento. Eles sequestraram a mesa da Câmara dos Deputados tempos atrás; figuras da extrema-direita, tipo Nikolas Ferreira, citados em escândalos a todo momento; Eduardo Bolsonaro traindo o país nos Estados Unidos o tempo todo. Chega uma hora que você bota mais uma gotinha e a coisa vaza. Foi a gota d’água que fez transbordar a percepção das pessoas do que tudo isso significa. Parte das pessoas, é claro, metade da população, talvez agora um pouco mais”.

Para Rudá Ricci, parte da forte adesão às manifestações se explica também por terem sido polarizadas com o centrão, e não com a extrema-direita. “Os artistas se sentiram muito à vontade de ir na manifestação, porque todas as vezes que eles falaram nos últimos anos eles foram muito perseguidos pelos bolsonaristas. Não foi pouco, não. Teve muito bolsonarista reclamando que o tamanho da manifestação foi por conta da presença de artistas, mas, no fundo, eles estavam lamentando”, diz. O cientista político também destaca que houve participação expressiva da Igreja Católica. “Eu sou muito ligado às pastorais sociais, fui consultor da Cáritas nacional. Eu recebi muitas mensagens de irmãs, padres, bispos do Brasil inteiro convocando para a manifestação”.

Outro fator que teria ajudado os protestos a “furarem a bolha” teria sido o não envolvimento do Governo e do PT. Prova disso, para o cientista político, seriam muitos cartazes apontando para os 12 deputados petistas que votaram a favor da PEC da Blindagem. Ricci destaca ainda que, apesar do chamamento ter sido feito poucos dias antes, os protestos tinham organização. “Se você pegar os cards, eles tinham um padrão no Brasil todo. Era tudo com o mesmo layout”, avalia. Os materiais gráficos padronizados em todas as capitais eram assinados pela rede de comunicação Mídia Ninja e pelo coletivo de artistas 342 Artes, coordenado pela produtora Paula Lavigne, empresária e companheira de Caetano Veloso.

“A bola agora está com lideranças progressistas”

Um dos primeiros sinais de que as manifestações ressoaram no Congresso se deu durante participação do presidente da Câmara, Hugo Motta, em um evento promovido pelo banco BTG Pactual, em São Paulo, nesta segunda-feira (22), em que ele sinalizou que deve pautar a isenção do IR na semana que vem e disse que precisa “tirar da frente” o que chamou de “pautas tóxicas”. Para Rudá Ricci, no entanto, a posição do presidente da Câmara é pouco confiável. “O Motta não conta nada, ele vai para um lado depois vai para o outro”, diz.

O cientista político avalia que a força das manifestações também pode afetar a estratégia de outro ator político relevante, o relator da proposta de anistia Paulinho da Força (Solidariedade-SP). “O Paulinho fez o discurso da pacificação e se reúne com quem? Temer e Aécio, os caras que derrubaram a Dilma. Que pacificação é essa? As manifestações destruíram o discurso dele”.

Para Rudá Ricci, o campo progressista precisa continuar falando para a “massa além dos partidos” e “criar um clima político no país”. “As manifestações não são cabais, não é uma mudança de página. Mas a gente está vendo a potência. Eu acho que a bola agora está com as lideranças e dirigentes do campo progressista. Tem que fazer uma leitura muito atenta para saber explorar as brechas, as possibilidades”.

O jornalista Bob Fernandes crê que o vento virou não só para a esquerda, mas para uma direita que queira se descolar da extrema-direita: “Pode ter sido útil, a direita se deixou ser engolida pela extrema-direita no Brasil”. Para o analista, o momento pede a politização do debate público. “Eu acho que é hora de politizar as questões, o debate tem que ser político, não adianta ficar só criando pacotes de ódio. Politizar não é só falar sobre política, é expor as coisas como elas são, com todas as letras. As pessoas têm que entender o que está acontecendo”.

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