09 Setembro 2025
"Desde os meses iniciais do seu primeiro governo, Trump tinha uma ideia fixa: taxar as importações de aço, alumínio e automóveis. Sua teimosia rechaçava argumentos de seus servidores mais próximos de que guerras comerciais e perturbações nos mercados globais podiam complicar e minar a precária estabilidade mundial. A ameaça poderia respingar na comunidade militar", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Eis o artigo.
“Vamos nos apoiar no Manual de Reagan. Seja agressivo e depois negocie”. Essa é a metodologia que Trump imprimiu desde o seu primeiro governo, de 20 de janeiro de 2017 a 20 de janeiro de 2021. Embora nunca tenha falado disso publicamente, ele chegou a escrever num rascunho o modo mais
genuíno do seu protecionismo, isolacionismo e nacionalismo: “Comércio é ruim”.
É o que está muito claro no segundo governo Trump, embora o jornalista Bob Woodward já o tenha descrito, em 2018, no seu livro “Medo – Trump na Casa Branca”. A teoria dele sobre negociações, descreveu o jornalista, era que para receber um sim precisava dizer um não. Seu mantra no
governo versava: “O verdadeiro poder é o medo”.
Essa é a tática que o presidente estadunidense está aplicando com a anunciada sobretaxa de mercadorias importadas, cabendo aos produtos brasileiros uma alíquota de 50%, a maior de todas. A questão é: a bronca de Trump com o Brasil é comercial, política (para salvar a cara de
Bolsonaro) ou geoeconômica, de olho nas terras raras que o país dispõe?
Desde os meses iniciais do seu primeiro governo, Trump tinha uma ideia fixa: taxar as importações de aço, alumínio e automóveis. Sua teimosia rechaçava argumentos de seus servidores mais próximos de que guerras comerciais e perturbações nos mercados globais podiam complicar e minar a precária estabilidade mundial. A ameaça poderia respingar na comunidade militar.
Nem mesmo uma carta enviada a Trump em 12 de julho de 2017 pelos 15 ex-presidentes do Conselho Econômico e do Banco Central, entre eles Alan Greenspan, Bem Bernanke, Laura Tyson e o Prêmio Nobel e conselheiro econômico do governo Clinton, Joseph Stiglitz, derrubaram a convicção de
Trump que para fazer os EUA forte ele teria que taxar alguns produtos de importação.
Na carta, os remetentes pediram que Trump “não desse início ao processo de impor tarifas no aço” porque prejudicaria as relações com aliados fundamentais e traria “prejuízos reais para a economia americana”. Com a sobretaxa de 50% aplicado sobre o café brasileiro este ano, o quilo do produto pode passar de 194 dólares por quilo (cerca de 1.050 reais) para 290 dólares (1.566 reais).
A tarifa também pressiona uma indústria que gera mais de um milhão de empregos nos Estados Unidos, como informa Daniel Gallas, da BBC. Num comício em junho de 2016 na Pensilvânia, durante a campanha, Trump disse que a perda de empregos era “um desastre fabricado pela política” e
“consequência de um tipo de liderança que cultua o globalismo em detrimento do americanismo”.
Para Trump, segundo levantamento de Woodward, não confiar nas pessoas do outro lado da mesa era um princípio fundamental da negociação e da arte de fazer pressão para conseguir um acordo melhor. Ele também considerava a Organização Mundial do Comércio (OMC) “a pior organização que já foi criada”, e a OTAN um desperdício de dinheiro.
Então, se dá para dizer alguma palavra ao presidente Lula seria no sentido de não reagir às provocações de Trump, pois é justamente isso que ele pretende, criar barulho. Melhor é deixar o falastrão falando sozinho porque os defensores da posição do governo brasileiro nesse embrulho já apareceram no próprio país do Tio Sam. Trump só quer meter medo.
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