02 Setembro 2025
"O que parecia enredo importado dos Estados Unidos, onde os tiroteios em escolas já não chocam pela frequência, tornou-se parte do nosso noticiário", escreve Geana Taisa Machado Krause, mestre em Educação UFRGS, professora da Sala de Recursos – SIR (EMEF Vila Monte Cristo), psicopedagoga institucional e clínica, especialista em Educação Especial e Inclusiva e neuropsicóloga, em artigo publicado por Sul21, 31-08-2025.
Eis o artigo.
Há 17 anos, atuo como professora na rede municipal de Porto Alegre. Também sou jornalista e escritora, mas é dentro da sala de aula que testemunho, diariamente, o retrato mais cru da nossa sociedade. O que parecia enredo importado dos Estados Unidos, onde os tiroteios em escolas já não chocam pela frequência, tornou-se parte do nosso noticiário e, pior, da nossa rotina. Está cada vez mais comum encontrar professores que estão com medo de entrar em sala de aula.
Não se trata apenas de ataques físicos que estampam manchetes. A violência, muitas vezes, chega em forma de palavras: professores xingados, humilhados, desrespeitados. Alguns adoecem, outros recorrem a medicamentos para suportar o que já chamam de “novo normal”: falta de respeito, inversão de valores, famílias ausentes e alunos que, muitas vezes, são entregues à própria sorte — alvos fáceis para o tráfico que se infiltra nas comunidades. A escola, que deveria ser espaço de proteção e aprendizado, reflete o abalo das famílias e da comunidade.
Dentro da escola, enfrentamos o espelho da sociedade. O professor não apenas ensina: veste o papel de assistente social, de psicólogo improvisado, de cuidador, tenta salvar um aluno por vez. Há vitórias silenciosas quando conseguimos salvar um. Outras vezes, não.
Este ano, vários caso ocorreram no Estado, a EMEF José Loureiro da Silva, localizada em Porto Alegre, suspendeu as aulas nesta quarta-feira (27) em protesto por mais segurança, depois de uma sequência de agressões contra professores, como ataques físicos e verbais acontecem quase toda semana, uma falta de respeito de algumas famílias reflete diretamente na violência dentro da escola. Situações semelhantes ocorrem na EMEF Morro da Cruz, onde a vice-diretora foi agredida com um tapa no rosto por uma mãe de aluna, e até mesmo em eventos culturais, como a Gincana das Cores, que foi realizada pelo Instituto de Educação General Flores da Cunha, ficaram marcados por agressões, expondo medo entre alunos e professores.
No interior a situação se repete, em Caxias do Sul, uma professora foi esfaqueada por alunos do 7º ano, os três adolescentes foram apreendidos. E, mais recentemente, em Estação (RS), um adolescente de 16 anos invadiu uma escola e atacou alunos e uma professora. O episódio terminou com a morte de um menino de 9 anos, ferimentos graves em uma criança e na docente, além de lesões leves em outros três alunos, escancarando a urgência de discutirmos a violência nas escolas.
Essas tragédias expõem não apenas a vulnerabilidade das escolas, mas também as falhas estruturais da sociedade em lidar com desigualdade, negligência e falta de proteção às crianças e adolescentes. A violência que chega às salas de aula é o reflexo de problemas muito maiores: famílias desassistidas, comunidades marginalizadas, ausência de políticas públicas efetivas e uma cultura que normaliza o desrespeito e a indiferença. Enquanto o Estado e a sociedade não assumirem a responsabilidade coletiva, professores e escolas continuarão sendo os primeiros — e muitas vezes os únicos — escudos contra um ciclo de violência que começa muito antes de atravessar o portão da escola. O desafio, portanto, é social, político e moral: transformar a escola em um espaço de segurança, cuidado e oportunidade, em vez de reflexo da violência que insiste em se reproduzir fora dela.
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