26 Agosto 2025
"Cresce a importância da COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025. O principal objetivo da Conferência é tomar ações para mitigar o crescimento das emissões de gases de efeito estufa, para limitar o aquecimento global e para evitar a subida do nível dos mares, assim como evitar a 6ª extinção em massa das espécies", escreve José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia, em artigo publicado por EcoDebate, 25-08-2025.
Eis o artigo.
As evidências científicas mostram que a temperatura média do planeta está subindo e aumentando o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares. Consequentemente, o nível dos oceanos está se elevando e ameaçando as áreas litorâneas de todos os continentes. Esta é uma verdade inconteste.
Porém, existem dúvidas sobre o ritmo futuro do aquecimento global e da elevação do nível dos oceanos. Estes processos serão mais rápidos se nada for feito para conter as emissões mundiais de gases de efeito estufa e serão mais lentos se a humanidade conseguir colocar em prática as ações de mitigação do aquecimento médio do planeta.
A anomalia média da temperatura de 2023 e 2024 já ultrapassou a marca de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial, que é o limite mínimo do Acordo de Paris. Diversas projeções indicam que o limite máximo de 2ºC pode ser atingido na próxima década. Portanto, o cenário climático já é bastante preocupante.
Os professores Orrin Pilkey, da Universidade de Duke, nos EUA, e Andrew Cooper, da Universidade de Ulster, no Reino Unido, lançaram o livro “The Last Beach” (2014) mostrando que as intervenções humanas nas áreas costeiras, junto com a elevação do nível do mar e as tempestades e furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando vasta erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a “varredura” do solo costeiro. Para eles a sentença de morte já foi proclamada para grandes extensões de praias densamente povoadas.
O litoral brasileiro, com seus mais de 8.500 km de extensão, enfrenta um desafio crescente com o avanço do mar e a erosão costeira. Esse fenômeno, intensificado pelas mudanças climáticas e pela intervenção humana, tem transformado a paisagem de diversas praias e cidades, causando prejuízos econômicos e sociais significativos.
Há cerca de 10 anos, escrevi aqui no Portal Ecodebate, o artigo “O fim da Barra da Tijuca?” (Alves, 05/10/2016) mostrando que “As praias do Rio de Janeiro e da maioria das cidades do planeta correm o risco de serem varridas do mapa. Este processo pode ser socialmente grave na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que é a maior e mais complexa aglomeração urbana da zona costeira brasileira, com mais de 12 milhões de habitantes. De todas as zonas ameaçadas, a Barra da Tijuca e arredores é, entre os grandes bairros da Cidade Maravilhosa, a área mais vulnerável ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por ressacas, chuvas e tempestades”.
Um exemplo de degradação decorrente da crise climática ocorre na Praia da Macumba que sofre com erosão costeira provocada por ressacas, obras mal planejadas e descaso ambiental, correndo o risco de desaparecer no Rio de Janeiro. Outro exemplo ainda mais grave ocorre na praia de Atafona, um distrito de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. Nos últimos 30 anos, o nível do mar na região subiu 13 centímetros, com projeção de até 21 centímetros até 2050. A paisagem do local foi drasticamente alterada, com ruas, casas e infraestruturas sendo engolidas pelas águas. Estima-se que mais de 500 construções já tenham sido destruídas.
A situação de Atafona não é um caso isolado. Cerca de 40% da costa brasileira enfrenta problemas de erosão costeira. Diversas outras praias e cidades estão sendo impactadas, com a praia do Saco (Estância, Sergipe), onde os moradores perderam suas casas para as ondas. Praia do Icaraí (Caucaia, Ceará), onde a destruição já causou prejuízos milionários, com barracas e estabelecimentos sendo engolidos pelo mar.
Em Natal, as praias de Pitinga e Ponta Negra já sofrem com a diminuição da faixa de areia e construções ameaçadas. No litoral da Bahia cerca de 20% dos 932 km de litoral já estão atingidos pela erosão. Para combater essa perda de areia e proteger a infraestrutura urbana (prédios, calçadões, hotéis), praias famosas como Boa Viagem em Recife e Iracema em Fortaleza implementam obras de contenção, como os enrocamentos (paredões de pedras), espigões (estruturas que avançam mar adentro para reter sedimentos) e paredões (muros paralelos à costa). A luta contra o avanço do mar é constante.
O gráfico abaixo mostra que o volume global de gelo marinho tem diminuído de forma acelerada nos último 30 anos. A diminuição acelerada do volume de gelo marinho é um forte sintoma do aquecimento global. Embora seu derretimento não seja a principal causa da elevação do nível do mar (essa é uma função do derretimento do gelo terrestre e da expansão térmica da água), ele desencadeia uma cascata de feedbacks e impactos que exacerbam as mudanças climáticas, afetam ecossistemas e alteram padrões climáticos globais, tornando a situação ainda mais urgente e complexa.

Fonte: Zachary Labe | Reprodução Ecodebate
A perda de gelo das gigantescas camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida quadruplicou desde a década de 1990 devido à crise climática e agora é o principal fator responsável pela elevação do nível do mar. O mundo caminha para um aquecimento global de 2,5ºC a 2,9ºC, o que quase certamente ultrapassaria os pontos de ruptura para o colapso das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental. O derretimento dessas camadas de gelo levaria a uma elevação realmente do nível do mar. A última vez que os níveis de CO2 na atmosfera foram tão altos quanto hoje, há cerca de 3 milhões de anos, o nível do mar subiu de 10 a 20 metros.
Um estudo publicado recentemente na revista Communications Earth & Environment (Stokes et al. 2025) trouxe um alerta perturbador sobre os efeitos da crise climática no degelo das calotas polares e dos glaciares no aumento do nível do mar. De acordo com o artigo, nem mesmo o limite de aquecimento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, como define a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, seria suficiente para evitar o colapso acelerado das geleiras nas regiões polares.
Uma elevação do nível do mar de cerca 1 a 2 centímetros por ano nas próximas décadas poderia resultar em um aumento de 1 a 2 metros até 2100, ritmo que supera a capacidade de adaptação de muitas comunidades costeiras. Grandes cidades como Santos, Recife e Rio de Janeiro além de perderem as praias, perderiam também a infraestrutura de transporte e ficariam profundamente abaladas nas atividades do dia a dia. A continuar este processo, o cenário no século XXII seria catastrófico.
O estudo de Stokes e colegas (2025) deixa claro que a elevação do nível do mar se tornará incontrolável com apenas 1,5°C de aquecimento global e levará a uma “migração interior catastrófica”. Hoje, cerca de 230 milhões de pessoas vivem a menos de 1 metro acima do nível do mar atual e 1 bilhão vive a menos de 10 metros acima do nível do mar. Mesmo uma elevação de apenas 20 cm do nível do mar até 2050 resultaria em danos globais por inundações de pelo menos US$ 1 trilhão por ano para as 136 maiores cidades costeiras do mundo, além de enormes impactos na vida e nos meios de subsistência das pessoas.
As atividades industriais e econômicas adicionaram ao oceano o equivalente energético de quase dois bilhões de bombas atômicas desde a assinatura do Acordo de Paris. O conteúdo de calor do oceano em 2025 (até uma profundidade de 2000 metros) era cerca de 104 zettajoules maior do que em 2015 — o que equivale a aproximadamente 1,7 bilhão de bombas atômicas como as lançadas sobre Hiroshima em 1945. Cerca de cinco bombas por segundo.
Pesquisadores do Laboratório Marinho de Plymouth, no Reino Unido, identificaram que a acidificação dos oceanos ultrapassou os limites para o equilíbrio planetário em 2020. O estudo analisou materiais coletados nos últimos 150 anos com técnicas de medição e novos modelos computacionais. A acidificação representa o 7º limite planetário já excedido, conforme o conceito criado em 2009 por cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo para monitorar 9 fenômenos resultantes da ação humana. Este fato ameaça a vida marinha e pode provocar um ecocídio em larga escala.
O artigo “Emerging evidence of abrupt changes in the Antarctic environment”, publicado na revista Nature (Abram et al. 20/08/2025) mostra que o ambiente antártico está passando por “mudanças rápidas, interativas e, às vezes, autoperpetuantes”. O estudo afirma que a “mudança de regime” está aumentando o risco de elevação significativa do nível do mar e a extinção de espécies, incluindo os pinguins-imperadores.
Diante deste quadro desafiador, cresce a importância da COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025. O principal objetivo da Conferência é tomar ações para mitigar o crescimento das emissões de gases de efeito estufa, para limitar o aquecimento global e para evitar a subida do nível dos mares, assim como evitar a 6ª extinção em massa das espécies.
Nos 10 anos do Acordo de Paris, a governança global precisa repensar os fracassos recentes e tomar medidas para garantir a continuidade da civilização humana e a sobrevivência das diversas formas de vida do Planeta.
Só existe um planeta Terra e não há futuro para a humanidade em uma situação de desequilíbrio ambiental e de terra arrasada.
Referências
ALVES, JED. O fim da Barra da Tijuca?, Ecodebate, 05/10/2016. Leia aqui.
ORRIN H. Pilkey Jr J. Andrew G. Cooper. The Last Beach. Duke University, 2014. Acesse aqui.
STOKES, C.R., Bamber, J.L., Dutton, A. et al. Warming of +1.5 °C is too high for polar ice sheets. Commun Earth Environ 6, 351 (2025). Leia aqui.
Abram, N.J., Purich, A., England, M.H. et al. Emerging evidence of abrupt changes in the Antarctic environment. Nature 644, 621–633 (2025). Leia aqui.
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