09 Agosto 2025
O tempo pode ser tudo. O brasiliense radicado em Recife Marcelo Lordello sabe disso. Ele conta que rodou seu segundo longa de ficção, Paterno, há quase uma década, em 2017, mas só agora o filme chega aos cinemas, na próxima quinta (07). O mais impressionante é que a obra é extremamente atual, parece que foi feita ontem. Ao longo desses anos, o filme passou por processos de montagem, editais, pandemia, festivais, e o país, dois governos que, como diz o diretor, “destruíram a cultura.”
O comentário é de Alysson Oliveira, publicada por CineWeb, 06-08-2025.
“Foi difícil esperar, mas, também interessante”, conta em entrevista ao Cineweb. “O filme continua interessante para aquilo que ele discute. Quem procurar, quem estiver disposto a procurar, vai encontrar o Brasil ainda de hoje na tela.”
O longa é protagonizado por Marco Ricca, no papel do arquiteto Sérgio, um homem de uma família rica cujo pai (Germano Haiut), moribundo num hospital, deixa um pequeno império para ele e o irmão (Nelson Baskerville). Sérgio está comprando imóveis num bairro popular do Recife, onde pretende implementar um projeto imobiliário gigantesco. Nesse processo, ele conhece Claudio (Thomás Aquino), neto de um casal que resiste em vender a casa onde sempre viveram.
Por meio desses personagens, Lordello, que assina o roteiro com Fábio Meira, investiga uma série de dinâmicas e arranjos sociais da contemporaneidade – entre eles, a relação de paternidade , como deixa claro o título do longa. O filho de Sérgio, Tomás (Guga Patriota), é um adolescente que irá prestar o vestibular para arquitetura – para manter a tradição da família, embora, claramente, ele não se sinta seguro com essa escolha.
“O filme ainda gera uma discussão muito válida sobre o país em que a gente vive, seja na especulação imobiliária, nas relações de classe. É assombroso como as coisas mudaram pouco ou nem mudaram”, observa Ricca. “A burguesia tem uma consciência de sua classe muito clara, por isso é capaz de explorar os mais pobres.”
Aquino concorda com o colega, e aponta que seu personagem está na base da pirâmide social e busca, de alguma forma, escalá-la. Ele se torna uma espécie de informante de Sérgio, conseguindo bons negócios no bairro, mas também recebendo sua comissão.
“Ele deve pensar em si mesmo. A sociedade não pensa nele, por isso sabe que deve explorar o burguês, que pode cobrar um preço muito alto pela casa dos avós, pelas informações que passa, e, ainda assim, o que ganha ainda é muito pouco, comparado com o que o arquiteto irá ganhar quando fizer seu projeto”, explica Aquino.
Ricca aponta que a complexidade de um filme como Paterno não é comum no Brasil, por isso aceitou logo de cara fazer o longa. “Eu fico feliz de poder mostrar aqui as diversas faces que compõem o ser humano. Sérgio tem camadas, seu passado é mencionado, e vemos que ele não foi sempre assim. Ele tinha sonhos, que não pode realizar. O Marcelo [Lordello] tem uma compreensão muito grande sobre o ser humano e seus desafios no presente.”
O diretor estrou com longas de ficção com Eles Voltam, de 2012, e tem na filmografia curtas como No 27 e Garotas em Ponto de Vendas. Ele diz que as duas ficções fazem parte do projeto de uma tetralogia na qual investiga gêneros narrativos diferentes.
“Em Paterno, tenho o interesse de observar a dualidade, a complexidade que a tragédia pode trazer. Sérgio vive uma crise, mas foi um personagem difícil de trabalhar, pois é um sujeito que tem tudo - como imaginar a vida desse cara tão cheio de privilégios? Os personagens, tanto ele quanto os outros, precisam mudar para sobreviver ao sistema. Meu cinema é sobre a alteridade, é sobre pensar sobre o outro."
Lordello conta que seu método de criação de roteiro envolve muita música, mesmo que, no fim, essas canções não entrem no filme. No caso de Paterno, ele ouviu muito Belchior. “Em especial,Paralelas, que guia a narrativa. O sujeito da música é o mesmo do filme, um cara cuja riqueza aumenta, mas seu amor diminui.”